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domingo, 19 de maio de 2013


Preso deve ter condições para exercitar sua cidadania

Por Fernanda Benjamim e Patrick Cacicedo

A Lei de Execução Penal brasileira dispõe em seu artigo 1º que a execução penal tem por objetivo crucial “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e internado”. Para tanto, garante aos presos e internados uma série de direitos que obrigam o Estado, como assistência à saúde, jurídica, educacional, social, religiosa e material, que consiste no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas. Nesse sentido, apesar de constituir uma medida inegavelmente punitiva, a execução penal também deve consistir em espaço de efetivação dos direitos dos encarcerados, visando, através de uma série de procedimentos levados a cabo durante e após o cumprimento da pena, garantir elevação de escolaridade, profissionalização, inserção no mercado de trabalho e geração de renda.

No entanto, a realidade do sistema carcerário brasileiro escancara que a pena não consegue atingir os objetivos que declara, como a integração de apenados e a prevenção de crimes, mas, paradoxalmente, se revela responsável pela sistemática violação dos direitos fundamentais da pessoa. Atualmente, milhares de encarcerados subsistem em celas superlotadas, sujeitos a condições degradantes, que mais se aproximam do que dispõe a Lei de Tortura do que a Lei de Execução Penal. Na maioria dos casos, a garantia de direitos aos presos por meio da assistência acima referida varia do precário ao inexistente. Assim, o sistema carcerário que se propõe a “prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade” contribui para a perpetuação das desigualdades e da violência em nossa sociedade.

O Brasil adotou nas últimas décadas uma política de encarceramento em massa que, não obstante, não resultou na redução da criminalidade. Outrossim, intensificou a marginalização de uma parcela da sociedade historicamente alijada de seus direitos mais básicos. O número de indivíduos encarcerados, que não chegava aos 100 mil no início da década de 1990, sextuplicou e ultrapassou a marca de meio milhão nos últimos anos. Segundo dados do Sistema de Informações Penitenciárias (InfoPen), do Ministério da Justiça, havia 550 mil presos no Brasil em 2012, um crescimento vertiginoso que nos colocou como 4º país no ranking mundial de maior população prisional, atrás somente dos EUA, China e Rússia.

A maior parte da população carcerária nacional, cerca de 60%, é negra. Entre os delitos mais comuns (80%) estão os crimes contra o patrimônio ou tráfico de drogas (geralmente pequenos traficantes, usuários que vendem entorpecentes para sustentar seu vício e sem qualquer controle da cadeia do tráfico). A grande maioria é formada por homens (93%), mas a taxa de crescimento da população prisional feminina é ainda maior que a masculina. Menos de 20% das pessoas presas trabalham e cerca de apenas 8% estuda.

É nesse contexto que a Campanha Nacional de Defensoria Pública do ano de 2013, uma iniciativa da Associação Nacional de Defensores Públicos em parceria com as Defensorias Públicas e associações de defensores estaduais, terá como tema “Defensores Públicos: Pelo Direito de Recomeçar”. Provida anualmente para comemorar o Dia Nacional da Defensoria Pública (19/5) e estimular práticas sociais transformadoras, o intuito da campanha desta vez é publicitar a necessidade de criação de mecanismos de resgate da cidadania para pessoas privadas de liberdade, tendo como princípio a educação e geração de emprego ainda durante o cumprimento da pena.

Um dos instrumentos para atenuar as injustiças do atual sistema carcerário brasileiro é indubitavelmente investir na Defensoria Pública. Após visita inédita ao Brasil do Grupo de Trabalho sobre Detenção Arbitrária das Nações Unidas (GTDA), os representantes da ONU Roberto Garretón e Vladimir Tochilovsky destacaram o número insuficiente de defensores públicos como uma das razões para a excessiva privação da liberdade no país e pediu providências céleres para adequar a quantidade de profissionais. A própria Lei de Execução Penal, após alteração da redação dada pela Lei 12.313, de 2010, determinou que os estados  deverão prover serviços de assistência jurídica, integral e gratuita, por meio da Defensoria Pública, bem como as unidades da federação deverão prestar auxílio estrutural, pessoal e material à Defensoria Pública, garantindo local apropriado destinado ao atendimento pelo Defensor Público em todos os estabelecimentos penais.

Um estudo recentemente feito pela Anadep em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entretanto, aponta a falta de defensores públicos em 72% das comarcas brasileiras, havendo apenas em São Paulo um déficit nominal de 2.471 defensores. Evidencia-se, portanto, a premência da adequada estruturação da Defensoria Pública, imprescindível para garantir, entre outros aspectos, o respeito aos direitos das pessoas presas. Em 2013, a Defensoria Pública paulista, após a celebrada aprovação de Projeto de Lei que criou 400 novos cargos de defensor público, estendeu sua presença para atuar em todas as Varas de Execução Criminal do estado de São Paulo. É um passo importante, mas ainda insuficiente frente aos desafios que se apresentam.

Combater a lógica distorcida dos atuais processos punitivos estatais, de modo a atenuar os efeitos nefastos da privação de liberdade, é necessário para garantir o acesso à Justiça pelas parcelas mais vulneráveis da sociedade e enfrentar a crescente estigmatização que sofrem. Proporcionar ao preso condições para o exercício de sua cidadania é uma tarefa da democracia e medida de respeito à Constituição da República. Com isso, todos ganhamos.

Fernanda Benjamim é Defensora Pública e Diretora da Associação Paulista de Defensores Públicos (APADEP).
Patrick Cacicedo é Defensor Público Coordenador do Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do estado de São Paulo.

Revista Consultor Jurídico

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