Luzes e sombras da educação no Afeganistão
por Shelly Kittleson, da IPS
Cabul, Afeganistão, 28/6/2013 – O sistema educacional do Afeganistão conseguiu enormes avanços na taxa de matrículas, mas as notícias na imprensa sobre ataques a estudantes, livros deficientes e falta de infraestrutura continuam manchando sua reputação. Muitos afegãos conhecem os progressos, como as matrículas de aproximadamente oito milhões de alunos (37% meninas), contra 900 mil, exclusivamente de meninos, matriculados durante o regime do movimento islâmico Talibã. Entretanto, outros caminhos menos óbvios, como a gradual eliminação nos livros das referências à violência, escapam da atenção do público, afirmou o ex-comissário de direitos humanos Nader Nadery.
Nadery, atual presidente da Fundação por Eleições Livres e Justas, disse à IPS que durante o regime do Talibã, entre 1996 e 2001, os livros escolares expressamente promoviam a violência. Nas aulas de matemática, por exemplo, os exercícios incluíam questões como: “Se você disparar uma bala e esta viajar a uma velocidade X contra um soldado parado a 500 metros, quanto tempo levará para matá-lo?”. Segundo Nadery, o incansável trabalho de organizações de direitos humanos permitiu a revisão desses textos entre 2006 e 2007 para incluir, entre outras coisas, uma política de igualdade de gênero e substituir passagens como: “O menino jogava futebol enquanto a menina carregava água e lavava os pratos”.
Amanullah Eman, porta-voz do Ministério da Educação, disse à IPS que os jovens agora aprendem temas que até há pouco tempo eram considerados tabus, como tolerância, doenças ou os perigos associados ao consumo de drogas. Nas escolas religiosas financiadas pelo governo, agora também se ensina inglês e computação, aulas que são assistidas por 2% dos alunos, entre eles cerca de 15 mil meninas. “No regime anterior, a instrução religiosa era dada em árabe, mas agora traduzimos todos os livros para os dois idiomas nacionais: dari e pastun”, explicou o porta-voz.
Nos últimos anos também houve um rápido crescimento no número de instituições privadas, tanto na educação básica quanto na superior. Uma das mais conhecidas é o Instituto Kardan de Educação Superior, fundado em 2003 por quatro pessoas em “um único ambiente, quando não havia nenhuma outra instituição no país”, destacou Hamid Saboory, especialista legal e conselheiro universitário. Esta alternativa aos centros de estudo tradicionais oferecia cursos rápidos de finanças e administração, e agora é uma das “mais de 70 instituições privadas registradas no Ministério”, afirmou à IPS.
Porém, o acesso aos serviços educacionais ainda é difícil, quando não impossível, nas áreas rurais. Algumas zonas isoladas dependem da transmissão de aula pela internet para compensar a falta de professores capacitados, explicou Nadery. Já na Universidade de Al Biruni, na província de Kapisa, várias estudantes de direito se queixaram à IPS dos frequentes cortes de energia e da falta de água nos dormitórios. Entretanto, só a presença de tantas mulheres jovens na Faculdade de Direito, procedentes de províncias tão distantes como Farah, no oeste, ou Jowjzan, no norte, em muitos casos com a benção de seus pais, é um sinal de lento, mas seguro progresso.
Payvand Seyedali, ex-diretor adjunto da organização Aid Afghanistan for Education (AAE), concorda que há avanços, mas destaca a necessidade de mudar também a lei que proíbe que uma pessoa casada se matricule no sistema público de ensino. “Isto tem sérias consequências para as meninas que se casaram aos 13, 14 ou 15 anos e que essencialmente foram obrigadas a abandonar os estudos”, destacou. No entanto, os colégios financiados pela AAE, que se concentram particularmente na população dessa faixa etária, descobriram que muitos maridos, irmãos e pais eram os responsáveis pelas mulheres de suas famílias não deixarem os estudos, “inclusive, às vezes, como condição para o casamento”, contou à IPS.
Um especialista em grupos étnicos que pesquisou os livros escolares afegãos, e que pediu para não ser identificado, explicou a complexidade de se criar um sistema educacional “inclusivo” em um país de 35,2 milhões de pessoas, das quais se estima que 42% são pastunes, 27% tayikos, 9% uzbeques e 9% hazara, e o restante de outras etnias. O especialista constatou que nos livros da oitava série todas as referências sobre pessoas ou populações eram apenas sobre a etnia pastun.
O plano de estudos ainda apresenta lacunas importantes. Por exemplo, os últimos 40 anos de história nacional foram omitidos deliberadamente nos livros de ciências sociais para o ensino secundário. O governo argumentou que dessa forma procurava “promover a unidade nacional”. A esse respeito, o vice-ministro de Educação Técnica e Capacitação Vocacional, Mohammad Asif Nang, disse que todas as partes envolvidas nessa sangrenta parte da história afegã poderiam se ver afetadas pela menção aos 32 anos de guerra.
Ainda vivem muitos “do regime comunista, do regime Talibã, dos mujaidines”, e seus filhos poderiam acabar se enfrentando, afirmou Nang, que também acusou a imprensa de ser excessivamente crítica, enfatizando as falhas ainda existentes no sistema e exagerando seu impacto. O que o país precisa durante a fase de construção do Estado é mais apoio, correção de erros e ajustes do sistema, um processo que corre o risco de sair dos trilhos devido à negatividade, acrescentou. Envolverde/IPS
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