Contribua com o SOS Ação Mulher e Família na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar

Banco Santander (033)

Agência 0632 / Conta Corrente 13000863-4

CNPJ 54.153.846/0001-90

domingo, 30 de junho de 2013

Porque a gente chora em apresentação de filho

ISABEL CLEMENTE

Isabel Clemente é editora de ÉPOCA na sucursal do Rio. Há 19 anos tem escrito sobre temas econômicos e sociais que compõem os desafios da história recente do país. Aos domingos, escreverá sobre família e a divertida e desafiante missão de ser mãe (Foto: Rodrigo Schmidt/ÉPOCA)
A letra da música não era comovente. O ambiente, repleto de falatório, tampouco era propício a derramamento de lágrimas. Mas a balbúrdia foi sendo substituída por um murmurinho. Eu me desligara do resto. Diante de mim, a apresentação da filha estava começando.  

Não sou uma neófita nesse tipo de espetáculo. Só de festa junina foram quatro antes desta, fora saudações à chegada da Primavera com menina vestida de margarida, Dia da Família, disputa de natação e balé de fim de ano. Já tinha chorado em todas as edições anteriores. Não sei o que me dá. Mas lá estava eu com minha avalanche interior novamente. 

Primeiro a gente se enternece porque eles são pequenininhos demais. Não compreendem a música, o motivo da festa e precisam de nossa presença para se soltar. Os passos saem desajeitados, o ritmo não combina com a música. Se eles não choram, quem chora somos nós. É tudo tão fofo e engraçado que, combinados, os fatores fofura e graça formam um nó na garganta. Lágrimas para aliviar. 

Depois eles crescem um pouquinho e começam a copiar melhor o que a professora fez lá na frente. Erram bastante, mas tentam acertar, geralmente olhando pro lado. Ou pra trás. Ou pro chão. O descompasso é tão flagrante que beira o comovente. Há um atraso inevitável na imitação. O gesto igual ao da professora costuma sair três segundinhos depois. Se eles não fugirem da cena, continuarão se esforçando e, diante do esforço explícito dos nossos filhos, a gente chora.  

As crianças mais crescidinhas já compreendem melhor o mundo e a proposta da festa. Algumas superaram a vergonha, outras ainda lutam contra ela. É fácil encontrar olhos ansiosos varrendo a platéia de amigos e familiares embasbacados. Beijos cruzam o ar na nossa frente. Às vezes basta um adeusinho para a criança voltar a se concentrar. Se elas estão dançando como era de se esperar, a gente fica lá de longe pensando que é incrível seres tão pequenos com rudimentos de uma ferramenta essencial à vida: confiança. Confiantes, eles dançam de qualquer jeito, só pra participar. E, diante de bem-humorada cena, a gente chora. 

Ali por volta dos 7, 8 ou 9 anos, inicia-se uma nova fase. O filho parecerá tão mais crescido quanto menor for o irmão ou a irmã com quem ele será, invariavelmente, comparado. Tamanho é uma questão de referência. 

Por isso eu esticava o pescoço da arquibancada tentando descobrir onde tinha ido parar minha filha crescidinha, Letícia, que começara a dança perdida do par. Quando meu olhar a encontrou de novo, ela cantava e dançava concentrada, feliz. Houve um tempo em que ela corría na minha direção, no meio da dança, só pra me beijar. Hoje isso seria um mico, pensei. Seus olhos, na certeza de que estamos lá, não mais nos procuram ao redor. 

O show da turma seguia bonito como só as crianças conseguem embelezar uma atuação, mesmo quando erram passos. Nesta fase da vida, elas prestam mais atenção, mas, quando não, já sabem rir de si mesmas.

Não são fofas nem (tão) desajeitadas. Nem querem a gente do lado. Não choram no meio da roda, mas, em segredo, nos solicitam, no meio da noite, no meio do trabalho, no meio de nada. São quase a caricatura de um desenho animado. Adoram gestos exagerados, caras e bocas de quadrinhos. Fazer o outro rir é um de seus objetivos. Ao mesmo tempo, são compenetradas. Entendem o sentido da festa e levam a sério o que estão fazendo. Brincam de ser adultos. Ao vê-la independente e determinada, vislumbrei traços da mulher que ela será num futuro que nos espreita da esquina. Continuarei da plateia assistindo a cada uma de suas conquistas. Lembrarei do bebê gordinho com passos desengonçados, da menininha que vinha me beijar, da garota pendurada de cabeça pra baixo no brinquedão e desta criança determinada a acertar na apresentação.

O que eu posso desejar a essa futura mulher? É tanto e tão variado o que a vida vai exigir da gente. Inspirada pela música daquela dança, desejei que ela tenha muita valentia. E eu acho que foi por isso tudo que eu, novamente, me emocionei. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário