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domingo, 23 de junho de 2013

Umberto Eco

UMBERTO ECO

Uma criança de nome qualquer

Parece que o debate recorrente sobre passar os sobrenomes para os filhos está de volta. Basicamente, ele se resume a isto: será que Peter, filho do sr. Green e da sra. White, deve ser conhecido como Peter Green, Peter Green White, Peter White Green ou Peter White? -para não falar do emprego ou não do hífen na combinação escolhida.

No Ocidente, é de costume denotar a descendência segundo a linhagem paterna, mas não há nada que nos impeça de seguir a linhagem materna, como fazem algumas outras culturas. Afinal, "mater semper certa est" –nós podemos ter certeza de quem é a mãe, enquanto a identidade do pai nem sempre é óbvia: antes da era dos testes de paternidade, um homem tinha que acreditar na palavra da mulher de que ele era o pai da criança. Silvia Vegetti Finzi, uma psicoterapeuta e escritora, sugeriu recentemente no jornal italiano "Corriere della Sera" que dar à criança o sobrenome do pai é uma forma de compensar o pai, reconhecendo ao menos um de seus direitos paternos.

A solução mais óbvia ao problema do nome pode ser encontrada na Espanha, onde a convenção dita que um menino chamado Rodrigo, nascido de Juan Lopez e Juana Gutierrez, será chamado Rodrigo Lopez Gutierrez. Mas suponha que Rodrigo se case com Carmen Lozano Almeida –que sobrenome eles dariam aos seus filhos? Em 1952, eu conheci um padre cujo nome era dom Laurentino Herran Herran Herran Herran: seu pai e mãe tinham ambos o sobrenome Herran Herran. Caso não tivesse se tornado padre, e caso tivesse se casado (improvável, mas não impossivelmente) com uma mulher com o mesmo sobrenome que o dele, seus filhos se chamariam Herran Herran Herran Herran Herran Herran Herran Herran?

Para por um fim a esta série "ad infinitum", a atual lei espanhola indica que os filhos recebam apenas o primeiro sobrenome do pai e o primeiro sobrenome da mãe, e as famílias estão livres para escolher qual nome virá primeiro. Se esta decisão cabe aos pais ou aos filhos, assim que crescem, e de escolha da família. Dado o potencial enorme de desentendimentos, brigas internas e sentimentos feridos, quem deveria escolher? Se cabe aos pais, eu posso imaginar um bocado de divórcios pós-natais; por outro lado, se a decisão couber aos filhos, se ele escolher colocar o sobrenome do pai em primeiro lugar, não correria o risco de ouvir queixas de sua mãe pelo resto da vida sobre não ter sido amada o suficiente? Ou ao escolher o sobrenome da mãe, correr o risco de provocar o pai a deserdá-lo, por parecer ingrato?

Além disso, nós devemos considerar se os sobrenomes devem refletir a descendência da criança não apenas de seus pais e avós, mas também de bisavós, trisavós e assim por diante. Alguém poderia calcular dessa forma: como cada um de nós nasce de dois pais, e cada pai tem dois pais, então segundo a lógica da genealogia, cada um de nós deve ter quatro avós, oito bisavós, 16 trisavós e assim por diante. Poder-se-ia argumentar que, por essa lógica, se remontarmos às origens da humanidade, a Terra seria habitada não por 7 bilhões de pessoas, mas por 7 milhões x 2 à potência de X, com X representando o número de gerações que nos separam de Adão e Eva. É claro, essa matemática é falha e exageradamente simplista já que não leva em consideração coisas como irmãos, entre outros fatores. Mas o sentido de minha fórmula simplista é que, do ponto de vista genealógico, se quisermos que os sobrenomes sejam um pouco transparentes, não deveríamos ter cada um de nós pelo menos uma dúzia deles? Imagine como seriam nossas carteiras de identidade, carteiras de motorista e diplomas.

A esta altura, eu suponho que a solução mais justa seria os pais darem aos seus filhos um sobrenome totalmente novo. Mas isso também traz riscos. Afinal, como seria a vida para os filhos de pais excêntricos, que renunciam nomes de sonoridade inócua, como nomes de capitais ou espécies de flores, e em vez disso tentam fazer uma declaração, ao escolherem nomes como Mussolini, Berlusconi ou Bin Laden?  (Isto não está fora do reino da possibilidade, em uma era em que muitos pais dão aos seus filhos nomes como Benito e Lênin.)

Eu não tenho nenhuma grande solução a oferecer, pois estas são questões de natureza altamente pessoal. De modo que entrego estas reflexões ao leitor –pois, no final, o que há em um nome?

Tradutor: George El Khouri Andolfato

Umberto Eco é professor de semiótica, crítico literário e romancista. É autor de "O Nome da Rosa" e o "Pêndulo de Foucault".

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