O desafio de cuidar da educação dos meninos
POR PATRÍCIA GOMES
“Menino nessa idade é assim mesmo”, diz uma professora para justificar o comportamento agitado de um aluno de 10 anos. Frases como essa, que são muito comuns em escolas de qualquer perfil socioeconômico e em qualquer região do país, podem retratar um problema muito mais estrutural do que parece à primeira vista. A opinião é da professora de educação da USP Marília Pinto de Carvalho, autora de vários livros sobre relações de gênero na escola e que esteve ontem em evento do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária) para discutir o impacto de gênero e raça na educação . “Precisamos olhar com mais cuidado para a educação dos meninos. Temos que entender o que está acontecendo”, alerta ela.
Motivos para isso não faltam. De acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio) de 2011, a mais recente disponível, o analfabetismo entre pessoas do sexo masculino com mais de 10 anos está em 8,1%, enquanto entre as mulheres está em 7,9%. Mulheres também passam mais tempo na escola em todas as faixas etárias, sobretudo no grupo entre os 20 e 24 anos. Enquanto elas passam, em média, 7,3 anos na escola, eles passam 7,1. “Pegue um indicador educacional, qualquer um. Distorção idade-série, abandono escolar, repetência. Em todos os meninos vão pior que as meninas. Há muitos anos!”, afirma a educadora.
Mesmo com todos os indícios de que há algo de errado na educação dos meninos, afirma Carvalho, os estudos de gênero normalmente se dedicam a entender o gap das mulheres e de sua ocupação no mercado de trabalho. “Essa é uma discussão ainda muito presente, apesar de os dados mostrarem que as mulheres são mais beneficiadas com programas de acesso e que, desde a década de 60, vêm crescentemente ocupando seu lugar na educação”, diz a professora.
Normalmente, cita Carvalho, há duas explicações para o desempenho pior dos meninos: primeiro, esses índices negativos são atribuídos aos garotos porque eles vão trabalhar mais cedo; segundo, porque “os meninos são muito agitados mesmo”. “De cada 10 meninos de 10 a 14 anos, 5 estão defasados, mas só um trabalha. Então isso não explica tudo. Depois, dizer que os meninos são indisciplinados por natureza nos deixaria numa situação total de impotência”, afirma a professora, que defende que as razões que podem ajudar a compreender essa situação são multifacetas e socialmente construídas.
Para ela, existe uma pressão social para que os meninos se comportem de uma maneira que pode influir negativamente no aprendizado. Eles precisam ser livres, ocupar espaços e, nesse sentido, a escola seria um espaço de restrição. Por outro lado, as meninas, que ficam mais em casa – ou porque precisam ajudar as tarefas domésticas ou porque “lugar de menina é em casa” –, veem a escola como um lugar de lazer, encontrar os amigos, exprimir sua criatividade, competir com os meninos. “Não é de se estranhar que as meninas se sintam menos presas na escola”, afirma a pesquisadora.
Para fazer com que essa lógica perversa para os meninos se reverta, afirma Carvalho, é importante começar pela sala de aula. “As professoras [de ensino infantil e fundamental 1] precisam também refletir como elas se veem como mulheres, de forma a não reforçar estereótipos que a sociedade repete”, diz ela. Assim, professores e escolas devem ser capazes de passar o recado que meninos podem ser bons alunos e disciplinados e que meninas podem ser questionadoras. “Temos que ser flexíveis sobre os padrões que nos impõem. Muitas vezes, não é nem uma questão de incentivar atitudes em meninos ou meninas, mas sim apenas não tolhê-las.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário