13 de abril de 2015
Com US$ 28 trilhões nas mãos, as mulheres podem mudar radicalmente os estilos de consumo no mundo
Há muito tempo a publicidade da América Latina trata a mulher como alguém que liga aos gritinhos para as amigas quando há uma promoção, sai do shopping de sacolas cheias e não se importa em estourar o cartão de crédito do marido.
Mas um grupo crescente desafia esse conceito e está disposto a mostrar a importância da mulher na promoção de um outro tipo de consumo: o responsável. Ou seja, aquele feito com planejamento, sem excessos ou desperdícios. Que privilegia os itens cuja produção economize água, energia e outros recursos naturais. E que dá prioridade a produtos duráveis e recicláveis.
Esses e outros temas relacionados ao consumo são tão urgentes que foram incorporados aos novos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), a serem adotados no fim de setembro pelos países membros das Nações Unidas. Garantir padrões sustentáveis de produção e compra tornou-se a meta nº 12 dos ODS, que ampliam os esforços inspirados pelos Objetivos do Milênio nos últimos 15 anos.
E por que é importante o engajamento das mulheres? Porque elas, donas de um poder aquisitivo calculado em US$ 28 trilhões, são responsáveis por cerca de 70% das decisões globais de compra. Os dados vêm do Boston Consulting Group e de publicações como a Harvard Business Review.
“As mulheres decidem sobre as compras domésticas, sobre o consumo das férias, de cursos, de tecnologia, então, se elas não estiverem envolvidas, torna-se muito mais difícil promover uma mudança”, avalia Samyra Crespo, diretora da Rede de Mulheres Líderes pela Sustentabilidade.
“Os ODS não deixam ninguém para trás, nem os países ricos nem os pobres. Tudo e todos vão ter que mudar, inclusive o setor privado, que precisará de novos modelos de produção e consumo. Nós, mulheres, podemos atuar nesse setor”, acrescenta a representante do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) no Brasil, Denise Hamú.
O poder das atitudes simples
A Rede de Mulheres, formada por 232 empresárias, altas executivas, autoridades e pesquisadoras de todo o país, é justamente o que quer transformar a brasileira em porta-voz do consumo sustentável no mundo em desenvolvimento.
Samyra lembra que, há quatro anos, o país lançou um plano nacional para estimular a produção e o consumo sustentáveis, e as mulheres tomaram a frente em duas das principais iniciativas.
A primeira foi uma campanha que reduziu em 5 bilhões a quantidade de sacolas plásticas usadas anualmente no Brasil. Aliás, o número só não foi maior por causa de decisões judiciais contra o fim do fornecimento gratuito das sacolas de plástico, segundo o Ministério do Meio Ambiente.
A outra, uma série de estudos e campanhas em curso para estimular a fabricação de produtos de limpeza concentrados e, ainda para, promover o uso correto de sabões, detergentes, amaciantes e outros itens.
“Não é todo mundo que lê o rótulo com atenção ou dosa pelo copinho, por exemplo. Atitudes simples ajudam a economizar água, energia, dinheiro, embalagem, combustível de transporte, etc.”, enumera a presidente-executiva da Associação Brasileira das Indústrias de Produtos de Limpeza e Afins (Abipla), Maria Eugênia Saldanha.
Promover o consumo sustentável é fundamental num país que tem tantos recursos naturais e ao mesmo tempo viu sua classe média crescer e comprar mais nos últimos anos
Compras pouco conscientes
Além disso, destaca a executiva, 40% dos produtos podem ser “concentráveis”, o que também evita o desperdício de água, gera menos resíduos e reduz a emissão de CO2. “Em 2009, a Europa conseguiu economizar 19 mil viagens de caminhão por mês, 5 mil toneladas de embalagens, 30 mil toneladas de químicos só com essa mudança. Imagina no Brasil?”.
A executiva dá uma boa ideia do chão que ainda é preciso seguir para promover mudanças mais intensas nos padrões de produção e compra. Falta não só envolver outros tipos de indústria – além daquelas consideradas tipicamente femininas –, mas também conscientizar mais profundamente o consumidor.
A pesquisa “O que o brasileiro pensa do meio ambiente e consumo sustentável”, do Ministério do Meio Ambiente, destaca que 100 milhões de pessoas adquiriram poder de consumo nos últimos anos.
E, ao mesmo tempo, 2/3 dos brasileiros dizem desconhecer o que é consumo sustentável; 62% conferem o rótulo dos produtos, mas apenas 2% procuram saber se o produto é reciclável ou não; 18% descartam computadores, notebooks e outrosequipamentos tecnológicos no lixo.
Elas preferem os recicláveis
Em países desenvolvidos como Suécia, Japão e Estados Unidos, estudos já apontam: as mulheres passam mais tempo pesquisando sobre estilo de vida sustentável e alternativas ao carro; estão mais dispostas a pagar um extra por produtos recicláveis e orgânicos, e reaproveitam mais o lixo do que os homens.
Especificamente nos EUA, uma pesquisa de 2014 mostrou que 50% das entrevistadas compram comida orgânica e local com o objetivo de preservar o meio ambiente. Só 36% dos homens escolheram a mesma resposta. Elas também estão mais propensas a comer com menos variedade para privilegiar ingredientes locais.
O Brasil ainda não levantou dados tão específicos, mas o esforço da Rede de Mulheres e outros grupos defensores do consumo sustentável é justamente para que o país se torne uma referência.
“Promover o consumo sustentável é fundamental num país que tem tantos recursos naturais e ao mesmo tempo viu sua classe média crescer e comprar mais nos últimos anos”, comenta Adriana Moreira, especialista em meio ambiente do Banco Mundial.
Resta saber se essa consumidora consciente fará o mesmo sucesso no mundo da publicidade.
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