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sábado, 25 de abril de 2015

Devemos liberar as armas? Não

José Mariano Beltrame: "Voltar a armar a sociedade é um fator de risco para o aumento das mortes violentas no país. O uso de armas deve ser restrito às forças policiais"

JOSÉ MARIANO BELTRAME
24/04/2015 
Devemos liberar as armas? Não  (Foto: Ilustração: Espaço Ilusório)
Há oito anos à frente da Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, sou categórico em afirmar: o Estatuto do Desarmamento é um instrumento importantíssimo na proteção da vida, bem maior do ser humano. Escrevo esta defesa como uma opinião técnica de um delegado da Polícia Federal amparado pela experiência no Rio de Janeiro, onde há uma cultura das armas. As apreensões em números cada vez maiores realizadas pelas nossas polícias estão aí para ratificar a necessidade do Estatuto do Desarmamento. De acordo com o Instituto de Segurança Pública, apenas no primeiro trimestre deste ano, foram apreendidas no Rio 2.441 armas, entre fuzis, revólveres, pistolas, espingardas, escopetas, rifles, carabinas e metralhadoras.
O acesso fácil às armas ilegais nos causa inúmeras tragédias. Não poderia deixar de lembrar o massacre de Realengo, no qual uma pessoa portadora de sérias perturbações mentais executou 12 crianças com um revólver calibre 38. A arma foi adquirida em uma transação ilegal, que envolveu o assassino, um vigia desempregado e um chaveiro.
O Rio de Janeiro apoia o Estatuto do Desarmamento. A prova disso foram as várias campanhas feitas para entregas voluntárias de armas de fogo e munições. É muito claro: armas devem ser usadas por quem tem habilitação para isso, que são as forças policiais, e sempre no estrito cumprimento do dever. A sociedade civil precisa entender que ter uma arma em casa não apenas fornece uma falsa sensação de segurança, como, não raro, pode acabar parando nas mãos de alguém que, não habilitado para seu uso, acaba cometendo um crime. Inclusive contra o dono dessa arma.
No Rio, também já prendemos quase 1.000 milicianos desde o início da atual gestão. Muitas vezes, a gênese desses grupos paramilitares está em alguém armado – não necessariamente um agente público – oferecendo uma ilusória segurança privada a um grupo de pessoas e termina com cobranças de taxas, abusos e execuções. Por conta desses grupos, a única alteração no Estatuto do Desarmamento que defendo é no sentido de restringir ainda mais o acesso dos servidores públicos às armas. Por isso, considero importante retirar o porte de arma do Corpo de Bombeiros.
A nossa convicção de que o uso de armas de fogo deve ser cada vez mais restrito é tamanha que determinamos, em 2012, a retirada dos fuzis de alguns batalhões da Polícia Militar na Zona Sul. Inicialmente, isso gerou um desconforto nos policiais que, ainda com o DNA da cultura de guerra, se sentiam “nus” ao sair às ruas sem portar essas armas de alto poder de letalidade, capazes de destruir “alvos” a quilômetros de distância.
Com o passar do tempo, no entanto, ficou evidente que a decisão foi acertada. Após o processo de pacificação, na região do 19º Batalhão da PM, responsável  pelo policiamento do famoso e populoso bairro de Copacabana, houve 14 disparos de fogo em 2009, três em 2011 e nenhum em 2012. O mesmo relatório da Polícia Militar apontou uma diminuição considerável de disparos de armas de fogo, no mesmo período, nos batalhões de Botafogo, também na Zona Sul da cidade, e de Olaria e da Tijuca, ambos na Zona Norte. Para não citar apenas dados da “cidade do asfalto”, o Complexo do Alemão registrou, em 2010, antes da pacificação, 23.335 disparos feitos por armas da PM. O número caiu drasticamente em 2012 – foram 2.395 tiros. Mesmo diante do atual quadro de resistência de criminosos em algumas comunidades, posso dizer que não houve retrocesso aos antigos números.
No Rio de Janeiro, buscamos uma cultura de paz e a redução da taxa de homicídios. Isso não quer dizer que os outros índices de criminalidade também não devam ser reduzidos. Mas o crime contra a vida é o mais grave. Já tivemos alguns êxitos. Na cidade, o índice de homicídios caiu de um patamar de 36 por 100 mil habitantes em 2007, para 19 por 100 mil habitantes em 2014. Nas áreas pacificadas do Rio de Janeiro, conseguimos reduzir a letalidade violenta de 61 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes em 2007, para 11 mortes por 100 mil habitantes em 2014.
Infelizmente, em outros municípios do nosso Estado, a situação não é a mesma. Uma das regiões que mais sofrem com o fácil acesso às armas e a banalização do ato de matar é a Baixada Fluminense. Em algumas cidades dessa região, não apenas disputas territoriais de traficantes, mas rixas futebolísticas, traições amorosas, discussões banais de bar são motivos para sacar uma arma e atirar. Na Secretaria de Segurança, estamos fazendo esforços para diminuir o deficit histórico de policiais e até de batalhões na região. Em setembro do ano passado, enviamos 400 policiais para a Baixada. Neste mês, municípios da grande região metropolitana do Rio receberam outros 500.
manutenção do Estatuto do Desarmamento, nos moldes como foi criado por lei em 2003, é fator fundamental para que não tenhamos um aumento da taxa de homicídios. Voltar a armar a sociedade civil é um fator de risco para aumentar as mortes violentas no país. Entre outras colaborações, o Estatuto do Desarmamento, ao elevar a idade mínima para 25 anos de idade para aquisição de armas, contribui para dificultar a compra e venda de armas no segmento que mais morre e mais mata em todo o país: os jovens.
Lembro aqui que a Organização das Nações Unidas (ONU) referenda o entendimento de que o Estatuto do Desarmamento teve forte impacto na redução da violência armada no Brasil. Assim como a Política de Pacificação e o Programa de Polícia Pacificadora se tornaram Política de Estado no Rio de Janeiro, é importante que o Estatuto de Desarmamento continue a ser Política de Estado no país e compromisso presente na agenda de toda a sociedade.

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