16 abr 2015
A sociedade, durante muito tempo, negou a ocorrência do abuso sexual intrafamiliar, considerando-o um fenômeno raro e pontual. Vigorava o segredo, e pouquíssimos casos chegavam a público.
Atualmente, há uma abertura maior para as denúncias e para um gradual enfrentamento da questão: o abuso incestuoso é mais comum do que se imagina. E os abusadores são pais, mães, padrastos, madrastas, tios, tias, irmãos, irmãs – e outras pessoas que têm a confiança da criança por ocupar alguma função parental, mesmo sem consanguinidade, como um padrinho ou uma madrinha.
Na opinião do psiquiatra Cláudio Cohen e do psicólogo Tadeu Roberto de Abreu, ambos profissionais do Centro de Estudos e Atendimento Relativos ao Abuso Sexual (Cearas), da Faculdade de Medicina da USP, para compreender o abuso incestuoso, suas implicações e formas de prevenção, é preciso olhar para a família. Afinal, dizem eles, não se trata de um fenômeno que envolva apenas duas pessoas, o agressor e sua vítima. “O abuso é sintoma de uma família disfuncional”, afirma Tadeu. “Nunca é algo casual. Outros eventos provavelmente já vinham acontecendo e não foram tidos como graves.” Um exemplo é a falta de limites evidentes para as manifestações físicas ou afetivas entre os membros da família, como toques e carinhos excessivos ou inadequados.
“O contato é fundamental para a transmissão de afeto durante o desenvolvimento da criança. Mas em que momento essa proximidade física se torna erotizada e incestuosa? Quando não se estabelecem limites nessa relação”, afirma Cláudio Cohen. E esses limites devem partir daqueles que exercem o papel de cuidadores no ambiente familiar, como o pai e/ou a mãe. A confusão nos papéis desempenhados, que desemboca em funções parentais desajustadas e na indefinição dos vínculos entre os membros da família, aumenta a vulnerabilidade de crianças e adolescentes dentro de casa. Ao contrário do que seria saudável, a libido não é vivida fora das fronteiras familiares.
“Não nascemos éticos nem sabendo o que é moral ou imoral, certo ou errado”, afirma Tadeu. “Na família vamos desenvolver tais conceitos, ter as primeiras noções de relacionamento com o outro – como a de assimetria, entre pais e filhos, que depois servirá de base para as relações de professor-aluno, chefe-empregado…” Segundo Tadeu, se essa assimetria não existe e os próprios pais não têm tais limites internalizados, a família se encontra em uma situação de risco, favorável a atos abusivos. “Por exemplo: não há espaços diferenciados na casa que permitam o desenvolvimento da individualidade, da privacidade, mas não por falta de condições econômicas. Dormem todos na mesma cama ou podem entrar nos ambientes domésticos – como o banheiro – a qualquer momento, sem bater”, diz. “Há pais que beijam os filhos, de qualquer idade, na boca. Isso é péssimo: essa ternura excessiva não vai ajudar aquele ser humano a se desenvolver afetivamente.”
Quando um caso de abuso incestuoso vem à tona, não só a vítima é afetada: todos os demais familiares também. “O abuso não passa somente pela genitalidade, pelo ato sexual”, ressalta o psiquiatra Cláudio. “Se um irmão vê a irmã sendo abusada pelo pai, ele também está – de certo modo – sendo abusado.” Por isso, é preciso ter em mente que a prevenção ao abuso sexual contra crianças e adolescentes começa, antes de tudo, com o respeito a seus direitos e à sua individualidade dentro de casa.
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