Tayná Leite
Feminista, Advogada, Executiva, Palestrante e uma mulher atrás das perguntas certas...
Publicado: 05/04/2015
Enquanto lia o Blog da Lola, me deparei com este texto e não consegui tirar ele da minha cabeça... ficou martelando lá no fundo como uma goteira chata quando você não fecha a torneira do banheiro direito...
Todas as mulheres que eu conheço tem pânico do estupro classicamente retratado na mídia. O do desconhecido na esquina escura, provavelmente fedendo a cachaça, que tapa a sua boca ou coloca uma arma na sua cabeça enquanto te penetra violentamente. Já ouvi de mulheres e já falei também muitas vezes que reagiria a um assalto se o cara quisesse me levar junto pois "melhor tomar um tiro do que ser estuprada". De fato, é esse o estupro que temos em mente quando pensamos no tema. Só que essa é mais uma historinha da carochinha que nos é contada e nos coloca em perigo. Não apenas o perigo físico, mas o psicológico que nos acompanhará por toda a vida.
Diz a Lola: "A maior parte dos estupros é cometida por conhecidos (parentes, amigos, namorados, maridos) da vítima, e em sua casa. Isso não ensinam pra gente. É muito fácil limpar a barra dos homens ao pensar que quem estupra é um monstro. Porque não é. É um cara que pode ser muito simpático em outras oportunidades, mas que aprendeu que "forçar a barra" não é estupro. Aprendeu que quando a mulher diz "não" ela só está se fazendo de difícil. Aprendeu que as mulheres adoram ouvir cantadas de teor sexual na rua. Aprendeu que mulher não gosta muito de sexo, então, se ele não insistir, não vai rolar".
Se você é homem pode ser que não entenda esse post de início, mas te peço de coração que leia até o final. Talvez você ache que jamais estuprou ou abusou de alguma mulher pois "depois de forçar um pouco a barra ela gostou" ou "ela acabou cedendo" ou coisa parecida que você ou seus amigos se reforcem para justificar suas ações.
Se você é mulher, talvez nunca tenha assumido que isso aconteceu com você. Talvez tenha colocado na sua cabeça que de alguma forma insinuou que queria ou que de fato queria mas depois não quis mais e que não seria legal pedir para ele parar mesmo que estivesse odiando aquilo. Sabe como são os homens né? Depois que sangue desce para a cabeça de baixo... não é culpa deles, tadinhos! #sqn
Talvez pense que a partir do momento em que pegou carona acabou consentindo mesmo que por dentro estivesse chorando e tenha chego em casa e ido correndo tomar banho. Talvez pense que ninguém mandou beber demais. Provavelmente você não contou para a sua amiga o que aconteceu pois ficou com vergonha de ser julgada, pois não sabia se ela ia entender que você não queria mas fez mesmo assim porque não sabia como se desvencilhar. Talvez ela seja daquelas que diga "também quem mandou já ir logo beijando o cara na balada! Tem que ser como eu que sou difícil!" Talvez ele não tenha te penetrado a força, mas tenha colocado mãos e pau onde você definitivamente não queria. Talvez não tenha saído uma gota de sangue, mas por incrível que pareça você se lembra EXATAMENTE desse dia, dessa balada, daquele cara, do que estava vestindo mesmo que isso tenha acontecido 15 anos atrás em uma balada aleatória! Por que será?
Ao navegar e conversar sobre o tema, uma parcela importante da população (não apenas masculina) parece acreditar que fazer doce faz parte do joguinho além de ter uma visão bastante flexível e distorcida do que venha a ser consentimento.
Pois bem, lendo vários textos sobre o assunto e esse último da Lola em especial, além de matérias e artigos sobre os horrores que ocorrem nas universidades, bem como minhas próprias rodas e conversas entre amigas cheguei à conclusão de que o homem médio que abusa sexualmente de uma mulher nos casos descritos acima realmente acha que aquilo é NORMAL e que faz parte de algum tipo de jogo do acasalamento que lhe ensinaram.
Ele assistiu por anos a filmes em que alguém vai entregar a pizza e, simplesmente porque a mulher se agachou para pegar uma moeda, sem mais nem menos, o entregador de pizza saradão está enrabando a cliente que, a julgar pelos grunhidos, está achando aquilo sensacional. Isso é o que eles têm na cabeça desde pequenos. Que mulher gosta de homem macho que tem pegada. E ter pegada pode sim, na cabeça deles, significar dar aquele beijo roubado e uma "forçadinha" para ela ceder.
Ele não sabe e nem quer saber o como aquilo nos afeta para sempre. O como isso mina a autoestima de uma mulher. O como reforça estereótipos que nos oprimem e deprimem. Como é nojento, como é péssimo sentir o toque de alguém no nosso corpo quando não estamos com vontade e sim com medo. Medo de ser julgada, medo de ser xingada, medo de ouvir que estávamos pedindo e sim, também o medo da violência física! Claro que ele não sabe! Nem entre nós falamos sobre isso! Como esperar que eles saibam?
Pais e mães precisam estar envolvidos nesta conversa com seus filhos. Precisamos explicar aos nossos garotos como agir se eles estiverem numa festa e virem uma menina desmaiada. Precisamos dizer a eles de modo definitivo que, se houver hesitação por parte da garota, seja quando estiverem se beijando ou indo além disso, eles devem parar imediatamente. Precisamos nos certificar de que nossos filhos têm plena consciência de que pressionar uma menina para que algo aconteça nunca é ok, seja através de força física ou coerção verbal. Nós precisamos ser enfáticxs sobre isso. E isso precisa acontecer muito antes de nossos filhos começarem a pensar sobre sexo.
Estou com a Lola de novo. É preciso urgentemente explicar aos homens "não monstros" o que É e o que NÃO É consentimento!
Para os mais grandinhos em muitas situações basta se colocar nos nossos sapatos por alguns minutos. Como você se sentiria se alguém, mulher ou homem, te tocasse em lugares íntimos sem que você quisesse? Ficaria puto? Empurraria? Xingaria? E se essa pessoa fosse do porte do Vanderlei Silva? E se você soubesse que quanto mais você reagisse mais risco correria de ser estigmatizado e exposto para o açoitamento e julgamento moral da sociedade? Não é um exercício tão difícil...
Lembro bem uma vez em uma roda de bar em um happy hour da firrrrrrma alguém em um clássico momento "não sou homofóbico mas...", disse que não tinha nenhum problema com gays desde que o respeitassem e não "chegassem nele". Na hora eu respondi: "ué, mas vocês homens fazem isso o tempo todo com a gente!" "mas é diferente porque vocês gostam de homem". "Quem disse? Eu posso ser lésbica... e mais, mesmo que eu seja heterossexual não quer dizer que eu goste de VOCÊ"! A analogia não é perfeita, mas a lógica aqui é a de como os homens heterossexuais principalmente (mas não todos e não somente) acham normal chegar, pegar no braço, encostar na cintura ou no cabelo de perfeitas desconhecidas, mas no minuto em que são colocados na situação reversa (usando como exemplo uma cantada de um homossexual) acham o fim do mundo! Imagine então numa situação de intimidade?!!!
Sim, a garota pode querer dar uns beijos em você mas talvez ela não esteja afim de você enfiar a mão na calcinha dela ou esfregar o pau na cara dela. E nisso parece que as virgens levam vantagem. É como se: não é mais virgem tem que ir até o final desde o momento em que deu o primeiro beijo! E o mais incrível é que MUITA MULHER acaba acreditando nisso e fazendo coisas que NÃO QUERIA, NÃO DESEJAVA, QUE LHE TRAZEM REPULSA simplesmente por uma coação mental coletiva sobre a qual infelizmente conversamos muito pouco entre nós mulheres!
Meu objetivo aqui está longe de ser o de desculpar ou justificar os homens que cometem abusos alegando ignorância da parte deles até porque nessa me socorro do universal principio da ignorantia legis neminem excusat (em outras palavras: desconhecimento da lei não é desculpa para ninguém!) mas para alertar sim à importância da conscientização e da educação desde a mais tenra infância quanto ao consentimento.
PRECISAMOS falar sobre isso entre nós, mulheres. E antes de mais nada parece fundamental fugirmos da máxima: "homem de verdade não estupra", porque isso nos expõe ainda mais ao perigo. Homem de tudo quanto é tipo estupra e abusa. Pode ser que seu marido, seu filho, seu pai, seu irmão e seu amigo já tenham abusado de alguém e nem tenham se dado conta do estrago. Esse é o TAMANHO da bizarrice do patriarcado. Essa é a bola de ferro que temos amarrada aos nossos pés. É para isso que precisamos nos empoderar. Precisamos falar e precisamos defender e acolher mulheres que tem a coragem de expor o que aconteceu com elas! E mais do que nunca precisamos EDUCAR a nova geração para entender que não é não e talvez também é não! E não: quem cala NÃO CONSENTE!
Nenhum comentário:
Postar um comentário