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domingo, 19 de abril de 2015

Como os fetiches sexuais de um psicólogo influenciaram a criação da Mulher-Maravilha

Biografia de William Moulton Marston conta como ele, um feminista, projetou na personagem suas próprias experiências

RAFAEL CISCATI

17/04/2015

CRIATURA  E CRIADOR A Mulher-Maravilha e seu criador, William Moulton Marston.  O autor gostava de amarração erótica (Foto: Divulgação)
CRIATURA E CRIADOR
A Mulher-Maravilha e seu criador, William Moulton Marston.
O autor gostava de amarração erótica (Foto: Divulgação)

"Nem as mulheres querem ser mulheres”, escreveu o psicólogo americano William Moulton Marston, aos 48 anos, a Max Gaines, um editor de histórias em quadrinhos, no início dos anos 1940. Marston esperara chegar à meia-idade para escrever gibis. E estava cansado das personagens femininas fracas. Queria criar uma “super-mulher”. Em dezembro de 1941, publicou a primeira história da Mulher-Maravilha, um dos personagens de quadrinhos de maior sucesso da história. Ela tinha força sobre-humana e uma origem envolta em mistérios, em mais de um sentido. Nos quadrinhos, a Mulher-Maravilha vem de uma ilha onde mulheres vivem isoladas. Na vida real, a origem da personagem envolve feminismo, amarração erótica e uma relação a três.

Quando a criou, Marston tinha quatro filhos e duas mulheres, ambas cultas e independentes. O trio vivia sob o mesmo teto, numa relação consensual. “Marston e sua família eram mestres na arte de dissimular”, afirma a historiadora americana Jill Lepore, pesquisadora na Universidade Harvard. Ela é autora do livro The secret history of Wonder Woman (A história secreta da Mulher Maravilha, prevista para chegar ao Brasil em 2016 pela Editora Record). No livro, uma biografia mista de Marston e da personagem, Jill reconta as circunstâncias da criação da Mulher-Maravilha. Defende que ela é fruto do movimento feminista que explodiu nos Estados Unidos nas décadas de 1910 e 1920. E diz que Marston não precisou procurar muito ao buscar inspiração para criar a personagem: usou como referência as mulheres com quem vivia, suas predileções sexuais e intelectuais.

Marston era psicólogo e ficara famoso como inventor do detector de mentiras (ele também deu a sua personagem um laço mágico, que obriga o laçado a dizer a verdade). Era apaixonado desde a adolescência por Sadie Holloway, com quem se casou. Eram intelectuais progressistas. Ele defendera o direito feminino ao voto. Ela, advogada, brigara com os pais para estudar e trabalhava fora. Na gíria do início do século XX, Sadie era uma “amazona”. Uma mulher rebelde. Jill descobriu que os Marstons eram ainda mais libertários do que aparentavam. “Eles eram adeptos de uma sexualidade radical”, diz Jill. Em 1925, Marston dava aula de psicologia na Universidade Tufts quando se apaixonou por Olive Byrne, uma de suas alunas, que também trabalhava fora. Olive foi morar com o casal e passou a ser apresentada à sociedade como governanta da casa. Marston teve dois filhos com cada uma. Nas palavras de Sadie, os três criaram “um lar com amor para todos”.

A terceira mulher da história surgiu na vida de Marston por encomenda da DC Comics. Os grandes sucessos da editora, Super-Homem e Batman, despertavam a desconfiança dos pais, que julgavam seu conteúdo violento. Marston dera uma entrevista defendendo os gibis. Procurado pela DC para integrar seu conselho editorial, o psicólogo propôs criar uma heroína. Os editores concordaram. Surgiu Diana, a princesa das amazonas, nascida numa ilha mística. Sob o nome de Mulher-Maravilha, ela vai para os Estados Unidos lutar em favor da “liberdade, da democracia e das mulheres”. Ela salvava seu amado de enrascadas, dizia que não se casaria até “o mal desaparecer da face da Terra” e advogava a independência feminina.

SÉCULO XXI A atriz israelense Gal Gadot, que interpretará a Mulher-Maravilha no cinema  (Foto: Divulgação)
SÉCULO XXI
A atriz israelense Gal Gadot, que interpretará a
Mulher-Maravilha no cinema (Foto: Divulgação)

Outras referências da vida de Marston são visíveis na personagem. Como Sadie, Diana era uma “amazona” – mas uma amazona da mitologia grega. Como Olive, Diana usava braceletes – mas para desviar balas. Marston queria transformar Diana em uma peça de propaganda e educar os meninos para viver num novo mundo, com mulheres fortes. “Muitos acadêmicos acreditavam no poder de influência dos quadrinhos sobre as crianças”, diz Matthew Smith, professor de estudos de mídia da Universidade Wittemberg. “Marston achava que, ao escrever a Mulher-Maravilha, prestava uma contribuição importante ao feminismo.”

O psicólogo também acreditava que, para sua contribuição funcionar, o sexo devia fazer parte da receita. Ele pediu que a Mulher-Maravilha fosse desenhada com base nas pin-ups que Alberto Vargas publicava na revista masculina Esquire: esguias, com seios fartos e cabeleira vistosa. Diana vivia laçando adversários e sendo amarrada por eles em posições exóticas, com cordas e correntes – ecos das preferências sexuais de Marston, adepto de amarração erótica, ou bondage. A personagem era um tipo de cavalo de Troia: infiltrava-se nos lares americanos em histórias menos violentas para ensinar às crianças que “o ideal de superioridade masculina e o preconceito contra as mulheres”, nas palavras de Marston, eram prejudiciais. Mas levava também uma pitada de sensualidade.

Marston morreu em 1947, mas a popularidade da Mulher-Maravilha atravessou décadas. Ela aparecerá nos cinemas em 2016 (em Batman e Super-Homem: a origem da justiça) e num filme próprio, em 2017. A atriz que lhe dará vida, a israelense Gal Gadot, foi criticada na internet por, segundo alguns, ser magra demais. Muitos internautas pareciam mais preocupados com as curvas da atriz do que com a história que será contada. Talvez a propaganda feminista de Marston não tenha bastado. “Super-heróis são ótimos batendo em vilões”, diz sua biógrafa, Jill Lepore. “Mas são péssimos lutando por igualdade.” 

Época

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