No Brasil as políticas de segurança pública sempre foram feitas por leigos, de improviso e com finalidade demagógica. Em regra, os principais cargos governamentais ligados à segurança pública não são ocupados por criminólogos, mas por pomposos advogados, promotores de justiça, juízes, delegados de polícia e estudiosos das leis em geral. Até hoje, o país não investe no estudo da criminologia e na formação de criminólogos, havendo pouquíssimos profissionais gabaritados. Essa é uma das razões pelas quais a política criminal brasileira pouco evoluiu desde o final do século passado, persistindo nas antigas fórmulas que nunca diminuíram a violência: mais prisões e leis penais mais rigorosas.
Com base nesse senso comum, desde os anos noventa, o país aumentou em mais de 700% o número de seus presos, assumindo a lamentável 3ª posição no ranking das nações mais punitivas do mundo, perdendo apenas para os EUA e a China. Esse superpovoamento das prisões agravou ainda mais as péssimas condições dos cárceres e praticamente impossibilitou o controle estatal sobre a população prisional. Relegados à própria sorte, os presos foram obrigados a se organizarem e, não por acidente, surgiram as chamadas facções, as quais espalham o crime à vontade, por meio de telefones celulares e da internet. Em vez de reduzir a criminalidade, nosso sistema penal tem incluído pés-rapados na pior criminalidade organizada.
Não bastasse isso, a polícia brasileira também é uma das mais violentas e assassinas do mundo. Segundo dados oficiais, no primeiro semestre de 2011, uma em cada cinco pessoas assassinadas na capital paulista foi morta pela PM. Naturalmente, esse modelo caseiro de segurança pública não teve bons resultados: 10% dos assassinatos cometidos em 2014, em toda a humanidade, ocorreram bem aqui, no Brasil, conforme denunciado recentemente pela Anistia Internacional.
Não satisfeito, o Congresso Nacional quer mais do mesmo. No momento, a grande aposta no combate à violência é a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos, por meio de projeto de emenda constitucional, recentemente chancelado pela comissão de constituição e justiça da Câmara dos Deputados (a despeito de a Constituição Federal vedar a redução de direitos fundamentais pelos legisladores!).
Os argumentos e o debate sobre o assunto, em geral, não vão além do velho senso comum e da demagogia. Para o Congresso, pouco importa o que a academia tem a dizer sobre o assunto. É indiferente o fracasso dos mais de 50 países que optaram pela redução. O relevante é aumentar a repressão sobre os jovens do país inteiro, mesmo que não exista qualquer estudo sério a indicar que tal medida reduzirá a criminalidade nas mais diversas regiões do país.
Aliás, ninguém parou para pensar que as causas da violência na capital paulista são diferentes, por exemplo, das causas presentes no interior da Bahia. Para ilustrar esse fato, é interessante lembrar do famoso caso de Diadema, em São Paulo, o qual também revela como deveriam ser formuladas as políticas de segurança pública. Em 1999, essa cidade tinha a maior taxa de homicídios do país. Após um profundo estudo sobre as causas desse morticínio, em 2002, a prefeitura pôs em prática diversas medidas, principalmente, uma lei de fechamento de bares após as onze horas da noite, acompanhada de políticas de inclusão social e proteção dos grupos mais vulneráveis, como adolescentes e mulheres. Em dez anos, os homicídios foram drasticamente reduzidos no município, em quase dez vezes, sem o incremento da repressão, transformando a cidade em exemplo para o mundo.
A discussão sobre a redução da maioridade penal, da forma como está sendo conduzida, não passa de um grande engodo. Essa questão deveria ser debatida cientificamente, com a confrontação de dados de outros países e o estudo das causas da violência no país. Até porque, a criminalidade juvenil é uma questão de alta complexidade, com causas múltiplas e variadas, diferentes em cada uma das diversas regiões do nosso imenso país. Enquanto a segurança pública for feita de improviso, apenas conseguiremos incrementar a criminalidade e a repressão da juventude miserável, que certamente se incluirá entre os principais clientes do sistema penitenciário.
Filipe Fialdini é professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).
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