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sábado, 18 de abril de 2015

AS VANTAGENS DE SER INVISÍVEL

De uma excentricidade única e misteriosa, a recém-descoberta fotógrafa Vivian Maier é destaque do ‘Maio Fotografia no MIS 2015’ com exposição inédita no mundo

POR: RENATA VOMERO  /  07/04/2015

Chicago, década de 1950. Você passeia pelas ruas, praças e vielas e, com frequência, vê crianças correndo e pulando de um lado para o outro, muitas delas estão com as mães ou algum parente e outras ainda estão sendo vigiadas por suas babás. Uma dessas governantas, em particular, chama a sua atenção: alta, encorpada, com uma postura rígida e passos pesados, roupas masculinizadas e uma expressão pouco amigável.

Outro olhar mais atento e você verá que ela carrega pendurada em seu pescoço uma câmera Rolleiflex. Excêntrica, é o primeiro pensamento que lhe vem à cabeça, antes de ser disperso pelos gritos das crianças que ela cuida: elas parecem adorá-la. Ela é uma figura vista com frequência pelo bairro, caminha sempre com seus pequenos e tira uma foto aqui e outra ali. Você, inclusive, já a flagrou lhe retratando. Excêntrica.

Muitos anos se passam, talvez uns 50 ou 60. Você passa em frente a uma galeria de arte e um pôster de uma nova exposição chama a sua atenção: aquela mesma babá, aquela mesma imagem, a câmera. Fotógrafa? Sim! Seu nome? Vivian Maier.

Esta, provavelmente, foi a reação de diversas pessoas que passaram pela vida desta norte-americana, nascida em 1926 e falecida em 2009, ao descobrirem a outra faceta da babá. Quando imaginariam que aquela figura peculiar ganharia o mundo por meio de sua arte? Bom, se fosse por ela, talvez ninguém descobriria esse talento, mas o jogo mudou em 2007, quando John Maloof estava em um leilão de antiguidades com a intenção de juntar imagens de Chicago para realizar um livro de memórias sobre a cidade. O historiador levou uma caixa com 10 mil negativos de Vivian Maier por 300 dólares. Resumindo: encontrou um tesouro.

Quando percebeu a qualidade daquelas imagens, Maloof mergulhou em uma imensa pesquisa sobre a fotógrafa. Havia poucos registros sobre Vivian e nenhum deles mencionava seu apreço pela fotografia. John se encantou por aquele mistério e conseguiu trazer à tona a história daquela mulher tão reclusa.

Considerada à altura de nomes como Cartier-Bresson, Vivian Maier chega ao Brasil como destaque do Maio Fotografia no MIS 2015, em exposição inédita intitulada Vivian Maier II – In Her Own Hands, em cartaz de 21 de abril a 14 de junho. “É o trabalho de maior sucesso atualmente no circuito da Europa e dos EUA e ter essa obra sendo apresentada pela primeira vez no Brasil é realmente muito bacana”, comenta André Sturm, curador do Maio Fotografia e diretor executivo e curador geral do MIS.

Composta por 106 fotografias, além de nove filmes gravados em Super 8, esta estrutura e as imagens da exposição são inéditas no mundo, outro fator que traz ainda mais destaque para o evento. “Vivian Maier é um acontecimento em si, sem precedente na história da fotografia. A obra de Vivian tem que ser vista, compartilhada com o público para que possa existir. O Brasil é um país onde as respostas do público são um fenômeno tangível”, revela Anne Morin, curadora da exposição.

MISTÉRIOS E MAIS MISTÉRIOS
Vivian teve uma vida comum – como a maior parte de nós – e passou seus dias reclusa, sem mostrar quem era. Sabemos que era uma babá bastante rígida, como mostra o próprio John Maloof em seu documentário A fotografia oculta de Vivian Maier (2013), mas também muito atenciosa e responsável no cuidado com as crianças.

Ela tinha o hábito de carregar consigo a sua vida, guardando muitos objetos, roupas, cartas e recortes de jornais. Era uma acumuladora. Sua relação com a memória era muito forte e talvez venha daí sua paixão pela fotografia. A babá nunca se casou ou teve filhos, muito menos tomou conhecimento teórico a respeito de sua arte. “Maier tinha um domínio das técnicas de fotografia impressionante. É incrível o que ela conseguia capturar com câmeras relativamente simples e baratas. Ela não estudou fotografia, mas fotografou incansavelmente durante anos a fio”, pontua Rejane Dias, diretora executiva do Grupo Autêntica e responsável pela edição do livro Vivian Maier: Uma fotógrafa de rua, lançado em junho passado no Brasil.


Além do talento inegável de Vivian, o que mais surpreende a todos foi o mistério em torno de seu trabalho. Se não fosse por John Maloof, sua arte nunca teria sido descoberta. “O fato de ela nunca ter se mostrado ao público durante toda a sua vida gera um fascínio muito grande nas pessoas. Não sabemos se ela tentou se mostrar, se não foi bem recebida na época, ou se não se interessou por publicar suas imagens porque não desejou a fama, por exemplo. Essa ideia nos excita, porque é muito difícil, hoje em dia, imaginar uma pessoa tão talentosa e criativa preferindo o anonimato”, comenta Rejane. Anne complementa: “Ela era uma mulher que pertencia à casta de pessoas que prestam serviços. São pessoas que nunca foram consideradas pelos demais, gente que estava condenada a ser invisível, a não existir. Creio que o fato de ela nunca ter mostrado suas imagens consistia também em não sair deste perímetro definido por sua condição. Também tem outro fator importante: ela realizava essas imagens para ela mesma e não creio que tinha necessidade de mostrar a ninguém”.

Sua personalidade introspectiva e resguardada é uma contradição em relação aos seus retratos da vida cotidiana das pessoas de Chicago. Eles mostram os cidadãos comuns da cidade confortáveis diante de sua Rolleiflex e dão as maiores pistas sobre quem realmente era a artista por trás daqueles cliques. “Cada imagem era como um autorretrato, mesmo que fossem retratos dos outros na rua, seu rosto se reflete nos das pessoas. As imagens não deixam de falar sobre ela, sobre sua delicadeza, seu senso de humor, sua ironia, às vezes, sua acidez, inteligência e capacidade de ver”, comenta Anne. Também surpreende aos mais observadores o grande número de autorretratos que ela fez. “Muitas fotos são dela mesma, ou seja: uma pessoa tão tímida e tão fechada tinha essa relação de ficar mostrando a si mesma, é uma contradição bem curiosa que as pessoas vão poder entender”, aponta Sturm.

A capacidade de enxergar a natureza sensacional do comum e, acima de tudo, estar em pé de igualdade com os objetos de suas fotos dão o tempero dos retratos da artista. Se sua habilidade em manter-se invisível a quem também o era fosse desconstruída, ela, provavelmente, não seria Vivian Maier. “Será que se ela se visse como uma fotógrafa profissional e aclamada ela teria feito as mesmas fotos? Teria se identificado com os tipos que fotografava? Me parece que não estaríamos falando sobre ela agora”, questiona Rejane. Portanto, foi neste movimento de se colocar no lugar do outro sem revelar-se que Vivian descobriu a sua única forma de se relacionar com o mundo afora. “Ela fotografava aqueles que se assemelhavam a ela, os que viviam na periferias do mundo, aqueles que são marginalizados da sociedade, os que eram condenados ao anonimato, os que não existiam. Os fotografava para deixar em sua história uma pegada de seus passos. Suas imagens eram, antes de tudo, destinadas a ela mesma, era um modo de relação com o mundo,” conta Anne.

Autointitulada uma espiã, Vivian teve a capacidade de nos transportar para o seu mundo, de dar luz ao invisível e de se fazer conhecer por meio de seus retratos. Ela abriu uma janela para que pudéssemos compreender seu universo e seria injustiça e indelicadeza nossa fechá-la diante da já considerada uma das maiores fotógrafas do século 20.





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