Por Letícia Penteado
abril 22, 2015
Eu sempre peço a mes filhes para que observem as reações de outras pessoas quando interagem com elas. Particularmente, eu tento ensiná-les a observar as pessoas – de qualquer idade – com quem brincam para verem se a pessoa está também se divertindo, ou se, pelo contrário, está irritada ou triste. E sempre digo que brincadeira só é brincadeira se todo mundo está feliz com ela. Do contrário, não é brincadeira, é agressão.
Isso, para mim, é tão óbvio que me choca a quantidade de pessoas adultas que não têm essa noção. Que gostam de encher o saco alheio por esporte, mesmo quando não têm nada contra a pessoa a quem estão provocando.
Considero isso bizarro. Ninguém gosta de ser irritade. Por que fazer isso com alguém de quem gostamos?De onde vem a necessidade de causar um sentimento que reconhecemos como mau em alguém a quem supostamente queremos bem?
Por que faz parte da nossa demonstração de carinho, de amizade, de amor, estragar um momento de convivência que poderia ser muito mais legal sem isso?
Quando fazem com a gente é chato. Às vezes, mais que chato, doloroso, horrível mesmo. Pessoas que amamos e admiramos caçoando, debochando da gente, se divertindo com o nosso mal-estar. Mas a gente se força a “levar na esportiva”, para não passar por pessoa sem senso de humor, mal-amada, que não sabe brincar, que “apela”. Mesmo porque, já que a motivação é justamente o nosso destempero, quanto mais nos enervamos, mais divertida fica o bullying a brincadeira e mais motivo ainda as pessoas têm para continuar com ela.
Só que existe uma diferença entre saber rir de si mesmo e engolir seus sentimentos para conseguir a aprovação dos outros.
A gente aprende desde cedo a ter vergonha de sentir, porque sentir é fraqueza e mostrar que doeu é mostrar pontos fracos. Temos vergonha de de chorar, de ficar com raiva. Bonito é ser “cool”, não ter emoções, ou melhor, não demonstrá-las, porque não temos como não tê-las. Aparentar frieza enquanto fervemos por dentro.
Creio que seja por isso que fazemos o mesmo com outras pessoas. Tentamos aliviar o nosso ressentimento reprimido causando ressentimento em outras pessoas. Passamos de vítimas a algozes.
Crianças, como sempre, são alvos fáceis: elas não têm para onde correr e dificilmente conseguem conter explosões emocionais. As pessoas adultas se deliciam assustando crianças, frustrando-as às lágrimas. Quando questionadas, muitas dizem que o fazem não é nada demais, que estão “só enchendo o saco”, que “criança chora à toa”. O gaslighting de costume.
Não é verdade. Criança chora porque está se sentindo mal a ponto de chorar, assim como qualquer ume de nós, adultes. É só que nós já estamos calejades, nossos referenciais são outros, sabemos controlar nossas reações. Isso não quer dizer que a dor dela não seja real, ou legítima, mas que a nossa foi reprimida ou relativizada dentro da gente.
Alice Miller, em seu fantástico “O Drama da Criança Bem Dotada” (que não é um livro sobre crianças superdotadas, a tradução do título foi muito infeliz), fala longamente sobre os efeitos deletérios do deboche e ridicularização adultistas sobre suas vítimas. Recomendo vivamente a leitura desse livro que, em algumas poucas páginas, alcança e trata tantas feridas na nossa alma.
É brincadeira? Então todo mundo tem que estar bem com ela. Senão, é violência. Simples assim. Que tal lidarmos com as nossas neuroses ao invés de repassá-las a outrem?
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