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domingo, 12 de abril de 2015

Proteção das crianças e adolescentes deve ser fundamental no acordo de paz

16.03.2015
Cristiano Morsolin

Adital

Cristiano Morsolin*

Sara Oviedo Fierro é equatoriana, doutora em Sociologia e Ciências Políticas, e vice-presidenta do Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de Genebra. Em sua carreira, destaca-se um forte compromisso com os direitos humanos, participou de diversos eventos e atividades para defender os direitos dos povos indígenas e participou da construção do movimento nacional de mulheres no Equador. Como secretária executiva do Conselho Nacional da Infância e Adolescência, teve um papel chave na construção do Sistema Nacional Descentralizado de Proteção Integral da Infância e Adolescência. Sara Oviedo foi representante principal do Equador no Conselho da Lei do IIN [Instituto Interamericano da Criança], de 2005 a 2013. Presidiu o Conselho de Administração do Instituto Americano da Criança e Adolescente e foi eleita membro do Comitê dos Direitos das Crianças das Nações Unidas para o período 2013–2017.

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Sara Oviedo alerta para direitos das crianças colombianas nos acordos de paz.

O ministro de Relações Exteriores do Equador, Ricardo Patiño, respalda o trabalho de alto nível realizado por Sara Oviedo e destaca que "o Equador está bem representado dado os méritos e a experiência de Sara Oviedo, sua trajetória de vida impecável e a colheita de resultados em sua carreira trabalhista e profissional é um reconhecimento à sua capacidade e liderança no tema da infância e adolescência. As mudanças realizadas em nível legal, institucional e estrutural, com o objetivo de garantir os direitos da infância e adolescência equatorianas, tem nos convertido em referências para muitos Estados, temas como a participação social, consolidada através dos Conselhos Consultivos de crianças e adolescentes; a criação e implementação do Sistema Nacional Descentralizado de Proteção Integral da Infância e Adolescência (SNDPINA); a incidência no investimento para esse grupo de atenção prioritária que, de plano, renuncia ao critério de gasto ou carga social, são entre vários os resultados em justiça para que o Equador ocupe uma cadeira nesse Comitê da ONU” (1).

Consegui entrevistar, por algumas horas, Sara Oviedo, na sede histórica "Palais de Nations”, de Genebra (Suiza), en junho de 2013 e, nos sucessivos intercâmbios com Sara Oviedo, me impacta ver seu forte compromisso em favor da defesa das crianças e adolescentes. 

Importância da Convenção de 1989
Durante sua visita a Santiago do Chile, em outubro de 2014, Sara Oviedo comentou a importância da Convenção dos Direitos da Criança (1989). 

"São 25 anos da Convenção, a Convenção, em seu momento, desatou muito entusiasmo, muita responsabilidade, muito compromisso de todo o mundo, queríamos apostar em uma transformação das crianças e os outros não entendiam muito, se supunha que era uma moda, que era uma coisa que ia passar”. 

"Em todo caso, só vivendo depois e assumindo que os direitos das crianças trazem outras complicações para os adultos, tem se desatado, nos últimos anos, uma sorte de reações negativas aos direitos das crianças, nos reivindica muito o fato de que há deveres, que nós só falamos de direitos, que, por favor, falemos de direitos e deveres, e que o fato de ter assumido direitos às crianças, as tornaram malcriadas, desobedientes, que se sentem sem autoridade para poder dizer às crianças que façam tal ou qual coisa, que as crianças reagem e, em seguida, dizem ‘eu vou fazer uma ligação e vou avisar que você está me maltratando’, ou ‘não quero te escutar, eu tenho direito a ter minha opinião”, etc. 

"Ou seja, convertendo um assunto tão sério como é o direito das crianças em um assunto que, primeiro, criminaliza as crianças, que nós que temos a obrigação de protegê-los e de garantir seus direitos, e, segundo, é que vamos contra os direitos dos seres humanos em geral, ao nos opormos a essa atitude "desobediente” das crianças, estamos nos colocando contra os seres humanos em geral” (2). 

Por ocasião de uma mensagem difundida através do governo do presidente Rafael Correa, Sara Oviedo aprofundou os protocolos e ferramentas para fazer cumprir a Convenção.

"A Convenção para cumprir com seus propósitos de proteção integral das crianças e adolescentes (NNA) conta também com três Protocolos Facultativos, que abordam mais extensamente alguns aspectos, que, em seu momento, não pude fazer a Convenção, os dois primeiros foram aprovados em 2000 e entraram em vigor no início de 2002: 

-Protocolo Facultativo sobre a participação das crianças nos conflitos armados. Ratificado por 158 países, atualmente, incluindo os Estados Unidos.
-Protocolo Facultativo sobre a venda de crianças, exploração sexual comercial infantil e a utilização de crianças na pornografia. Ratificado por 168 países até o momento, incluindo os Estados Unidos. 
-Protocolo Facultativo sobre Comunicações, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2011 e que entrou em vigor em abril de 2014, ratificado por 14 países. 

Adicionalmente, conta com 17 Comentários Gerais, que desenvolvem diferentes artigos da Convenção dos Direitos da Infância, que têm requerido mais ampliação ou fundamentação, por exemplo, se explica em que consiste a aplicação da Convenção dos Direitos da Criança (OG #5), se aprofunda no interesse superior da criança (OG # 14), etc.” 

"Para realizar o acompanhamento do cumprimento dos direitos humanos das crianças e adolescentes, ao qual se comprometeram os Estados ao ratificar a Convenção, foi formado para seu mandato (da CDN) o Comitê dos Direitos da Criança, com a finalidade de "examinar os progressos realizados no cumprimento das obrigações contraídas pelos Estados Partes”, segundo o artigo # 43 da CDN. O Comitê está formado por 18 especialistas eleitos pelos Estados Partes e funcionou durante os 25 anos, nos quais realizou o acompanhamento do cumprimento por parte dos Estados da garantia dos direitos dos NNA. Anos nos quais promoveu também a ratificação dos Protocolos” (3).
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Para Sara Oviedo, ao invés de proteger adultos criminalizam o direito das crianças.

Desafio para a sociedade civil conjuntamente com o Comitê dos Direitos da Criança.

A vice-presidenta do Comitê da ONU acrescenta o desafio para a sociedade civil conjuntamente com o Comitê de Direitos da Criança. 

"É avançar no desenho de um sistema de acompanhamento das recomendações do Comitê, que deveria definir alguns indicadores de cumprimento de cada um dos direitos, e traçar uma linha de base com o primeiro informe de cada país e ir medindo em cada entrega periódica. A aplicação deste sistema de acompanhamento deve ter a participação ativa do setor público e da sociedade civil, esta última deveria aplicar também seu próprio acompanhamento no país para preparar o informe alternativo e realizar, de forma permanente, o monitoramento dos avanços. Se deixa a sociedade civil essa ação de monitoramento para cada cinco anos, os Estados não se verão internamente obrigados a avançarem, de sua intervenção depende o êxito do acompanhamento. Na sociedade civil, devemos contar com a participação direta das crianças e adolescentes”.

"Acompanhamento que obrigará a humanidade a cumprir com os direitos das crianças e adolescentes, dando o salto qualitativo proposto” (4).

Outra base do pensamento de Sara Oviedo é a participação ativa das crianças e adolescentes. Os mecanismos de monitoramento para a eliminação da violência contra as crianças e adolescentes foi o tema que expôs a vice-presidenta do Comitê dos Direitos das Crianças, Sara Oviedo, durante o XXI Congresso Pan-Americano das Crianças e Adolescentes - órgão do Instituto Interamericano das Crianças e Adolescentes (IIN), realizado em Brasília, no dia 12 de dezembro de 2014.

Durante a sua participação, destacou que os mecanismos devem determinar características, como a participação ativa das crianças e adolescentes, organizados em conselhos consultivos de outros organismos, que os sistemas de proteção para as crianças e adolescentes sejam chave para executar os planos e programas e para a vigilância, inclusive, utilizar outras ferramentas de medição de dados oficiais sobre violência, a articulação de diferentes sistemas existentes, reforçar campanhas de sensibilização e divulgação aplicadas a diferentes níveis nacionais e locais, dependendo da capacidade institucional. 

"Temos que acompanhar a existência de uma política pública integral, especializada, nacional, financiada com a participação social de cada um dos nossos países, com programas e projetos que atendam às famílias, os juízes e promotores, a polícia, os funcionários que trabalham diretamente com as crianças e adolescentes nas escolas e nas instituições para deter realmente a violência contra esse setor” (5). 

Entrevista exclusiva com Sara Oviedo
Entrevistei, com exclusividade, Sara Oviedo – vice-presidenta do Comitê das Nações Unidas pelos Direitos da Criança, no dia seguinte à Marcha pela Vida, que, na Colômbia, mobilizou 100.000 pessoas, sob a coordenação do ex-prefeito Antana Mockus e do prefeito maior de Bogotá, Gustavo Petro.
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Crianças colombianas ainda são recrutadas por grupos paramilitares.

O que você pensa sobre a grave situação de violência que sofrem as crianças da Colômbia?
Em 21 de janeiro de 2015, foi o exame do Comitê das Nações Unidas dos Direitos da Criança, na Colômbia, e justamente em suas observações finais sobre os informes periódicos quarto e quinto combinados desse país irmão, no parágrafo # 27, o Comitê assinalava que "está profundamente preocupado com os altos níveis de violência que as crianças enfrentam e, em particular, sobre os informes de que as crianças seguem sendo vítimas de atos de tortura e outros tratamentos cruéis ou degradantes por agentes do Estado ou grupos armados não estatais; com a alta incidência da violência contra as crianças, perpetrada pelas gangues nas ruas; com a ampla impunidade que prevalece no que se refere aos atos de violência contra as crianças”; não havia passado nem 15 dias e, novamente, outros fatos violentos enlutam todo o país. 

À meia noite do dia 04 de fevereiro de 2015, quatro meninos, entre quatro e 17 anos, eram linchados em seu rancho, na vereda El Cóndor, de Florencia, Caquetá, parece que foi uma consequência fatal por um pleito de terras que mantinham seus progenitores, que, ademais, já estaria no caminho da solução. 

Na terça-feira seguinte, 10, encontraram o corpo decapitado de outro menino, de 13 anos, em Tuluá, Valle. Segundo a Defensoria do Povo, o menino tinha sido "explorado em Cali por uma quadrilha de microtráfico, que ainda não foi identificada” (6). 

Quais são as recomendações do Comitê da ONU?
O que se pode pensar de um país que não dá proteção à sua infância? O que pode estar ocorrendo que os assassinos estão matando as crianças sem nenhum problema? As recomendações do Comitê estão claras para as autoridades, mas será importante começar a agir, houve vários compromissos das mais altas autoridades, consternadas pelos crimes dos quatro meninos de Caquetá, então, não há tempo a perder. 

A segurança das crianças e adolescentes deveria ser um compromisso fundamental nos acordos de paz que estão a ponto de serem concluídos, a proteção deles deveria ser um ponto facilmente acordado e rapidamente posto em prática; assim como recomenda o Comitê que se fortaleça a "coordenação com o processo judicial, com a finalidade de garantir que os direitos das crianças vítimas da violência, que se restabeleçam com rapidez”. 

O que você pensa sobre o compromisso institucional do Estado colombiano?
O defensor do Povo Jorge Armando Otálora também se comprometeu no mesmo sentido, quando "manifestou que juntamente com o ICBF [Instituto Colombiano de Bem Estar Familiar] convocarão todas as instituições do Estado para definir políticas claras de recompensas econômicas e de segurança para testemunhas com a finalidade de que esses fatos não fiquem na impunidade. "Não existe termo que possa descrever um atentado dessa natureza contra as crianças do nosso país. Isso evidencia uma sociedade que não tem sentido de responsabilidade e de proteção” (7). 

Conclusão
A forte posição de Sara Oviedo se une ao forte pronunciamento de todo o Comitê da ONU para os Direitos das Crianças para exigir a resposta do Estado da Colômbia e da sociedade civil, que não consegue visibilizar a barbárie que sofre a infância e adolescência por causa do conflito armado. 

O Comitê da ONU para os Direitos das Crianças lamentou que continuem os altos índices de recrutamento infantil na Colômbia e que muitas dessas crianças sejam perseguidas como criminosas no lugar de vítimas.

Nos últimos dias 20 e 21 de janeiro de 2015, a Colômbia se submeteu ao escrutínio do Comitê de Direitos das Crianças, em uma revisão regular a qual são submetidos todos os países das Nações Unidas.

"O Comitê está preocupado com o contínuo recrutamento de crianças por grupos não estatais; e pelo fato de que algumas dessas crianças sejam perseguidas pela Colômbia como criminosas e não tratados como vítimas", reza o informe. 

"As meninas recrutadas são submetidas à violência sexual, de forma sistemática e repetida, incluídos violação, escravidão, gravidezes forçadas e abortos". 

Ante essa situação, o Comitê pede à Colômbia que faça tudo o que for necessário para evitar essa situação, como mudanças legislativas e o estabelecimento dos recursos adequados, especialmente nas regiões mais afetadas pelo conflito. 

Os especialistas também pedem que se leve em conta que as crianças soldados são vítimas, pelo que têm direito a assistência psicossocial adequada, especialmente as meninas vítimas de violência sexual. 

Ademais, o Comitê pede que "se investiguem todas as denúncias e alegações de que forças de segurança do Estado, como a Polícia e as Forças Armadas, tenham podido cometer contra as crianças soldados". 

Por outro lado, os especialistas mostram sua preocupação com a sorte das crianças deslocadas internamente, especialmente as de origem indígena e afrodescendentes.

"Se bem notamos os programas estabelecidos para protegerem as crianças deslocadas, o Comitê continua preocupado porque estes esforços têm sido insuficientes para assegurarem adequadamente os direitos das crianças deslocadas, como é ordenado pela Corte Constitucional". 

Em outro aparte, os especialistas lamentam que "muitas crianças são vítimas de assassinatos ou desaparecimentos, incluídos assassinatos cometidos pelos agentes governamentais, y que existe muita impunidade a respeito". 

"As causas primeiras desses atos violentos, como o crime organizado, a corrupção, as drogas, a pobreza e a marginalidade são insuficientemente tratadas", acrescenta a forte posição do Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança.

NOTAS
(4) http://www.igualdad.gob.ec/comunicamos/lo-nacional/125-noticias/lo-nacional/2014/1265-avances-realizados-y-grandes-retos-de-la-convencion-de-los-derechos-del-nino-a-sus-25-anos-de-su-aprobacion.html
(5) http://xxicongresopanamericano.org/los-ninos-y-los-adolescentes-son-propiedad-de-los-adultos-y-estan-sujetos-a-la-caridad-y-dependen-de-los-criterios-para-adultos-sara-oviedo/
(7) Ibem
(8) http://www.elespectador.com/noticias/politica/onu-alerta-continua-reclutamiento-infantil-colombia-articulo-541946

*Cristiano Morsolin, pesquisador e trabalhador social italiano radicado na América Latina desde 2001, com experiências no Equador, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai, Brasil. Co-fundador do Observatório sobre América Latina SELVAS (Milão - Itália), autor de vários livros, pesquisa as relações entre direitos humanos, movimentos sociais e políticas emancipatórias. Info: https://diversidadenmovimiento.wordpress.com/

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