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segunda-feira, 8 de outubro de 2012


A insustentável (?) diferença do ser
  
Visita de Domingo dupla. Nesta, a jornalista Claudia Penteado fala de nossa busca por identificação nas coisas do amor.

As melhores coisas e as melhores pessoas nascem da diferença.
Robert Frost

Outro dia reencontrei uma amiga que não via faz muito tempo. Não foi um reencontro comum. Foi o reencontro com alguém que eu tinha a sensação de ter perdido de vista para sempre. Bruna era uma dessas pessoas cheias de personalidade. Jornalista, meio hippie, cabelão cacheado e sempre despenteado de um jeito charmoso,  quase nada de maquiagem. Linda, divertida, fazia ioga e corria na lagoa. Um belo dia, conheceu Rodrigo, um publicitário gente boa, daqueles que andam em carros último tipo, usam ternos Armani e relógios Bulgari. Enquanto namoravam, eu cada vez menos cruzava com ela pelas ruas da Gávea, alegremente voltando da ioga em sua bike, indo tomar um chope despretensioso no baixo ou alugando algum filme de arte na locadora.

Um par de anos depois, mudou-se com Rodrigo para o Leblon. Casaram na Itália, eu soube por um amigo em comum. Bruna foi se transformando aos poucos:  alisou os cabelos, adotou a tal da progressiva – fenômeno contemporâneo como o botox e o silicone. Seu visual mudou para algo entre o chique e o sensual.  Passou a dirigir um desses utilitários. Preto e blindado. A bike, ela esqueceu no antigo prédio e volta e meia eu a avistava sendo conduzida pelo velho porteiro, seu Abelardo. Abandonou a ioga e matriculou-se numa academia de ginástica. Ganhou músculos, ficou sarada, passou a usar salto, roupas justas. Fazia um estilo gostosona, sempre bem maquiada e os cabelos impecavelmente arrumados.

Nunca me pareceu esfuziantemente feliz, nas poucas vezes que a encontrei para um café rápido pelo Leblon ou no bate-papo do computador. Comentava que a vida andava corrida, que ela pensava em ter um filho mas que o marido era muito ocupado e que ela andava viajando muito acompanhando-o em compromissos profissionais. Para mim, é como se Bruna realmente não fosse mais a mesma pessoa.

Por isso, reencontrá-la outro dia foi tão significativo. Avistei, como que num passe de mágica, a velha amiga de cabelos cacheados, colchão de ioga nas costas, passeando pelo bairro onde tantas vezes nos esbarramos. O olhar tinha o brilho dos velhos tempos, e tomei um baita susto, parecia ter entrado numa máquina do tempo. “Me separei”, anunciou. “Estou  namorando o Sergio, aquele cara que você me apresentou uma vez no Baixo Gávea, lembra? Ele agora dá aula de ioga na academia onde pratico”, disse. Lembrei do Sergio e revivi por um instante aquela noite no Baixo Gávea, uns 10 anos antes. Bruna estava começando a namorar Rodrigo, encantada com a novidade, olhando para o celular de cinco em cinco minutos, e mal deu atenção ao Sergio, meu colega de grandes olhos verdes do grupo de estudo de filosofia. Quem acabou flertando com ele fui eu, e mantivemos um romance por alguns meses, até que ele foi passar um tempo na Índia e acabamos nos desencontrando. Me casei, ele também…mas pelo visto separou e de alguma forma foi parar nos braços da minha velha amiga.

Foi bom reconhecê-la e de alguma forma perceber que ela havia tomado coragem para fazer as pazes com quem realmente é. Há relações que nos levam para lugares estranhos e nos fazem procurar um jeito de “encaixar” naquilo que consideramos ideal para as nossas vidas ou para quem nos rodeia. Bruna queria se encaixar no jeito que ela provavelmente acreditava ser o ideal de seu homem. Talvez não lhe passasse pela cabeça que Rodrigo  tenha sido atraído pela diferença. Também ele tentou “agradar” a mulher e matriculou-se na ioga, mas não conseguiu manter o ritmo das aulas, em sua vida atribulada. Quase arrumou uma hérnia de disco. Era mais fácil ir para a academia no fim do dia e dar uma corrida na esteira. E a vida foi passando. A medida que Bruna se transformava, aos poucos, na boneca inflável que acreditava ser o ideal de Bruno, ele perdia de vista, meio desconsertado, o sorriso maroto e a alegria de viver da pessoa com quem se casara. Rodrigo foi sim capaz de amar a diferença na mulher, mas acabou entrando no frustrante jogo da simbiose tão comum em casamentos, em que invariavelmente um dos dois se anula mais que o outro, para evitar conflitos e embates. Perto do fim, ambos reconheceram que, ainda que houvesse amor (mais nostálgico que real), a vida a dois tornara-se insustentavelmente pesada e nenhum dos dois estava realmente feliz, com os pés bem fincados no chão e conscientes de quem realmente eram, em suas individualidades. 

Merece atenção especial em nossas vidas o tema “diferença” e o tempo que perdemos tentando encontrar a identificação, o familiar, o que temos em comum com pessoas, coisas ou situações. Boa parte das nossas frustrações – senão todas – vêm justamente do desamparo que sentimos diante do encontro com o que nos causa estranhamento e por vezes nos leva à insegurança, à menos-valia, a sensação de não pertencimento, à rejeição. Afinal, deve haver algo de errado conosco, ao sermos tão diferentes daquilo ou daquele que amamos e/ou admiramos. A diferença no outro ou em algo nos repele mais do que atrai, embora o ditado popular diga que “opostos se atraem”. Não é verdade.

Um estudo realizado pela Universidade de Iowa, nos EUA, revelou que similaridades na personalidade são mais importantes do que concordância em religião, atitudes e valores, quando se trata de um casamento feliz (seja lá o que for isso). No entanto, 85.7% das pessoas ouvidas neste mesmo estudo afirmaram buscar um parceiro com a personalidade diferente, até mesmo oposta.

Prática e teoria, portanto, essas sim, são opostas. E o que nos interessa – e deveria, sempre, interessar – é a prática. Esta, no “mundo real”, tem sido a busca pelo “feitos um para o outro”, pelas “almas gêmeas”.  O resultado costuma ser desastroso: as diferenças, repelidas de um lado e de outro, geram brigas  e a busca de pontos em comum revela-se inútil e infantil. Surgem então Brunas e Rodrigos, anulando seus desejos mais verdadeiros, sem coragem de admirar e assumir suas próprias diferenças e admirar as diferenças no outro. Afinal de contas, construímos e estruturamos nosso ego a partir das identificações que fazemos ao longo da vida. Romper com isso, é também fraturar o Ego. É preciso muita coragem.  Já ia me esquecendo de contar que fim levou o publicitário de terno Armani, ex-marido da minha amiga Bruna. Desiludido com a separação, resolveu tirar um ano sabático para viajar. No caminho de Santiago, conheceu a baiana Mirna, meio hippie, separada, mãe de uma menina de 4 anos e funcionária de uma ONG voltada para o desenvolvimento auto-sustentável. Em pouco tempo, decidiu abandonar a carreira de publicitário e foi morar com ela na Bahia. 

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