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sábado, 8 de junho de 2013

Fórum debate crise alimentar que causa obesidade e desnutrição

por Amelia Gonzalez
Há muito mais fatores a serem considerados na questão da alta dos preços dos alimentos do que o índice inflacionário.  E há muito mais fatores a serem considerados na questão da segurança alimentar do que o aumento do preço dos alimentos.
Só mesmo uma diversidade de questões pode explicar, por exemplo, que enquanto 870 milhões de pessoas no mundo vão dormir diariamente com fome (dados do último relatório da agência da ONU Food and Agricultural Organisation – FAO), doenças causadas pela obesidade já sejam responsáveis por mais mortes do que a desnutrição (dados da OCDE). Sim, há falta de informação. Saber escolher alimentos, saber dosar os valores nutritivos, saber que nem sempre aquilo que enche os olhos vai alimentar o corpo, são coisas que não se aprende em todas as escolas, infelizmente.
Por outro lado, desde o fim da Segunda Guerra, quando foi montado um sistema admirável para tirar as pessoas da depressão e fortalecer as economias, os alimentos ficaram cada vez mais distantes, fisicamente, de nossas mesas. As embalagens coloridas que passaram a dominar o mercado se, por um lado, facilitam muito a vida das famílias, que não têm mais a figura materna como provedora oficial das refeições, já que as mulheres também saíram de casa para trabalhar, por outro cria um perigoso e equivocado  patamar de nutrição. Parecem mais nutritivas do que produtos in natura.
Esse cenário foi mote de discussão, esta semana em Porto Alegre, no sétimo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional que tem uma rede de executores, entre eles o  Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e a ONG Fase. O título do encontro, que reuniu especialistas do mundo inteiro e representantes de ONGs nacionais, é bem sugestivo: “Que alimentos (não) estamos comendo”?
Conversei por telefone com a socióloga Claudia Job Schmitt, professora do Programa de Pós-graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade  da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, que me atendeu logo depois de ter participado da mesa do Fórum que debateu sobre crise alimentar. Claudia faz questão de esmiuçar essa “crise”, que vai além, muito além, da inflação de 5,80% que nos está assustando.
—- Estamos falando da reprodução da vida social, da vida humana, mas também dos processos metabólicos e da relação que esse processo de consumo de alimentos estabelece com a saúde dos ecossistemas. Quando se fala de alimentação também estamos falando de saúde, de bem-estar, do meio ambiente e, sim, do processo econômico – disse Claudia Schmitt.
A alimentação também é cultura, diz a socióloga. E estamos vivendo uma espécie de pasteurização de um processo que é tão particular a cada povo. Indígenas compareceram ao Fórum para dar seu depoimento:  para eles a questão alimentar passa pelo uso da terra. E, é claro, pela necessidade de preservar seus territórios para continuarem plantando e se alimentando com aquilo que colhem.
Essa homogeneização do sistema agroalimentar, em grande parte permitida pela sociedade, reflete a maneira como as grandes corporações acabaram  tendo poder em toda a cadeia de processamento e de distribuição dos alimentos. Funciona mais ou menos assim: um pequeno criador de animais, por exemplo, pode ser fornecedor de uma grande rede de supermercados, e isso vai  ajudá-lo a se desenvolver economicamente. Só que, para que sua produção seja aceita pela rede de supermercados, que precisa ter escala e agilidade, ele vai precisar dar aos seus animais apenas um tipo de ração, fornecida pela rede de supermercados.
Não, ninguém vai conseguir, depois de ler esse texto, chegar ali na esquina e comprar galinha de roça alimentada à base de milho. Até porque, geralmente a carne desses animais é mais dura, demora mais a cozinhar e não tem aquele gostinho bom de… de quê mesmo? O que será que torna mais saborosa a carne da galinha alimentada por uma ração previamente preparada para que ela cresça rápido?
Mais do que mudar os hábitos alimentares de uma hora para a outra, penso que esse tipo de Encontro que aconteceu em Porto Alegre serve para disseminar, ao menos, algumas indagações que a gente nem se faz mais. Comer vira quase um ato mecânico na rotina das famílias, quase sempre, e cada vez mais, cheias de compromisso.
—- O convite é fazer uma reflexão sobre o modo como a estrutura de poder padroniza hábitos alimentares. A FAO ainda não lançou seu balanço 2013 sobre índices de desnutrição* . Sabemos que houve um arrefecimento desde 2000, mas que desde 2007 já há uma certa estagnação desses índices. Mas hoje nós temos também problemas de crescimento alarmante e de obesidade,  esses males habitam o sistema alimentar e criam doenças, tanto quanto a desnutrição, impactando o sistema de saúde. Com certeza estamos vivendo uma crise alimentar, mas é preciso saber a dimensão dela, em que setores ela se manifesta – disse Claudia Schmitt.
(*Ontem, no dia seguinte em que conversei com a socióloga, FAO e OCDE lançaram seu relatório com perspectivas para a agricultura nas próximas décadas. Segundo o estudo,  a produção agrícola mundial deverá crescer 1,5 por cento ao ano, em média, ao longo da próxima década, em comparação com um crescimento anual de 2,1 por cento entre 2003 e 2012. Se quiser mais detalhes, entre aqui).
Como precisam viajar muito de um lado para o outro, às vezes até atravessando oceanos, os alimentos hoje também estão na lista negra quando o assunto é emissões de carbono. A agricultura tornou-se especialmente dependente de combustíveis fósseis, contribuindo para o aquecimento global.
—- A elevação dos preços (dos alimentos)  e a  sua disponibilidade têm a ver também com o consumo energético que se torna sensível a oscilações do preço do petróleo. A alternativa possível é a agricultura familiar — afirma Claudia Schmitt.
Quanto mais se alonga o circuito dos alimentos, mais eles se tornam consumidores de energia. E mais nos afastamos da possibilidade de fazer uma conexão direta com aquilo que se está consumindo no dia a dia, sem que seja preciso um rótulo para nos dizer.
Outra questão levantada no Fórum, que terminou ontem, foi a financeirização dos alimentos. Para Claudia Schmitt, o alimento hoje virou objeto de especulação, e provoca alta nos preços à medida que se tem uma concentração de distribuição, de produção.
—- Ainda que no Brasil se tenha um processo diferenciado – disse Schmitt.
No documentário “Zugzwang”, realizado em 2009 por Duto Sperry, a ambientalista e filósofa indiana Vandana Shiva também chama a atenção para uma grave distorção, o fato  de que os alimentos se tornaram muito lucrativos para alguns.
—- Nos Estados Unidos o consumo de cereais subiu cerca de 12% (em 2009) não porque as pessoas estejam comendo mais, mas porque mais cereais estão sendo desviados para biocombustíveis. E agora todos estão querendo obter um lucro de 25% sobre investimentos em itens de alimentação. Isto significa alimentos 25% mais caros para os pobres, o que significa uma redução do direito à alimentação. Quando você não faz parte da propriedade dos ativos de produção, o único acesso à alimentação é através do dinheiro – disse a indiana em seu depoimento para o filme.
Reunir-se em Fóruns, debater essas questões, pode ser o caminho para uma solução. Foi em reuniões criativas como essa que surgiu a ideia de se utilizar apenas alimentos produzidos de maneira sustentável nas merendas escolares aqui no Brasil, o que é considerado excelente por Claudia Schmitt. Não só para nutrir, como para nutrir adequadamente, evitando a obesidade.  Mas há outras possibilidades, como envolver o Sistema Único de Saúde, treinando médicos para que eles possam dar orientação alimentar adequada.
Deixo com vocês, para reflexão, uma frase que ouvi do ecosocioeconomista Ignacy Sachs, professor da École de Hautes Etudes da França, quando conversamos sobre a insustentabilidade de um sistema que ainda deixa tantos famintos no mundo: “Os estômagos não estão vazios por falta de alimentos, e sim por falta de poder aquisitivo”.
Até segunda!
Foto: Uma produção de agricultura familiar na Zona da Mata (Crédito: Divulgação do Forum)

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