Por Daniela Xavier Artico de Castro
Recentemente várias manchetes vêm sendo veiculadas na imprensa noticiando que o “congresso livrou os planos de saúde de cobranças milionárias”. Notícias com grau de sensacionalismo, citando opiniões de ser um fato “vergonhoso” ou “absurdo”. Diante desse quadro, este parecer visa esclarecer as questões de fato e de Direito que envolvem a matéria.
Na prática, a Lei 12.873 de 24 de outubro de 2013 impactou num real aumento na carga tributária das operadoras de plano de saúde, que sofreram uma elevação de alíquota da Cofind em 1% — passando de 3% para 4% — contudo, a questão de fato é que, desde sempre, estas empresas apuram a base de cálculo do PIS/Cofins, abatendo as despesas pagas com as indenizações correspondentes aos eventos ocorridos com seus beneficiários, conforme disposto na Lei 9.718/98.
A base de cálculo do PIS e da Cofins envolve o total das receitas, independentemente da denominação ou classificação contábil, e admite deduções gerais a todas as empresas e, com relação às operadoras, essas deduções alcançam as indenizações com eventos ocorridos, efetivamente pagos, que não integrem o seu custo próprio.
Toda essa regulamentação tributária comprova que a parcela dos recursos recebidos dos consumidores pela operadora, que é destinada aos pagamentos de eventos (sinistros), não caracteriza receita e, sim, mero repasse. Assim, conclui-se que esses valores apenas transitam pela contabilidade das operadoras, já que por força do inciso I do artigo 1º da Lei 9.656/98, os planos de saúde são responsáveis pelo pagamento dos sinistros ocorridos com seus beneficiários, por ordem e em nome dos mesmos, como seu mandatário, e atuando como gestora desses recursos.
Portanto, a nova Lei 12.873 de 24 de outubro de 2013, apenas “interpretou” o texto da norma anterior, sem trazer nenhuma inovação em seu conteúdo prático, exceto a elevação da alíquota, e consequentemente, aumento da arrecadação.
Segundo o texto, a Lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, passa a vigorar com as alterações. A primeira, “para efeito de interpretação, o valor referente às indenizações correspondentes aos eventos ocorridos de que trata o inciso III do parágrafo 9° entende-se o total dos custos assistenciais decorrentes da utilização pelos beneficiários da cobertura oferecida pelos planos de saúde, incluindo-se neste total os custos de beneficiários da própria operadora e os beneficiários de outra operadora atendidos a título de transferência de responsabilidade assumida”.
A segunda: “Fica elevada para 4% a alíquota da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) devida pelas pessoas jurídicas referidas no parágrafo 9° do artigo 3° desta Lei, observada a norma de interpretação do parágrafo 9°-A, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do 4° mês subsequente ao da publicação da lei decorrente da conversão da Medida Provisória no 619, de 6 de junho de 2013, exclusivamente quanto à alíquota”.
Com a “interpretação” acima, o Governo, na verdade, está se preservando e evitando cair nos mesmos erros de um passado recente, onde foi réu perdedor em inúmeras teses de inconstitucionalidades tributárias que movimentaram o judiciário federal no final dos anos 80 e início dos anos 90. Certamente se esse pleito fosse levado até às instâncias superiores não subsistiria a tese absurda de tributar os valores aqui apontados como deduções legais da base de cálculo.
Nesse ponto, o governo está extremamente técnico e bem assessorado juridicamente, e evitou para si uma possível avalanche de teses tributárias de recuperação de crédito, das quais sairia perdendo, já que o Superior Tribunal de Justiça definiu que a base de cálculo do ISS para as operadoras é apurado considerando as deduções das despesas com os sinistros, conceito que seria aplicado por analogia para o PIS/Cofins.
No julgamento do Recurso Especial 1.137.234, em voto relatado pelo Ministro Mauro Campbell Marques, foi fixada a seguinte ementa: “Os valores decorrentes da venda de ‘planos’ ou ‘contratos de seguro-saúde’ não se sujeitam ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) pelo valor bruto recebido, mas pelo seu valor líquido, assim entendido o que se obtém após deduzidos os pagamentos efetuados aos médicos, dentistas, enfermeiros, laboratórios, hospitais e outros que prestarem os serviços de saúde cobertos pelos planos, valor (líquido) esse que, no fundo, representa a comissão auferida pela empresa que os coloca no mercado. A admitir-se a tributação dos referidos planos pelo seu valor integral (bruto), haverá induvidosamente um duplo pagamento do imposto o que é vedado sobre as parcelas pagas aos terceiros pela execução dos serviços de saúde: um pela empresa captadora dos planos e, o outro, pelos terceiros, contribuintes que são do mesmo imposto, por prestarem os serviços por eles cobertos”.
No mesmo sentido, o ministro José Delgado, ao julgar o Recurso Especial 1.002.704, definiu que: “nas operações decorrentes de contrato de seguro-saúde, o ISS não deve ser tributado com base no valor bruto entregue à empresa que intermedeia a transação, mas sim pela comissão, ou seja, pela receita auferida sobre a diferença entre o valor recebido pelo contratante e o que é repassado para os terceiros, efetivamente prestadores dos serviços”. Citou-se ainda no referido recurso especial, precedente emanado do Ministro Francisco Falcão, nos autos do recurso especial 227.293/RJ.
Ou seja, o governo jamais poderia alterar o conceito de “receita”, já que é proibido à lei tributária de apartar-se da definição, do conteúdo e do alcance dos institutos, conceitos e formas de Direito Privado, conforme preceitua o artigo 110 do Código Tributário Nacional.
Portanto, é pacífica a ilegalidade de possível tributação de PIS/Cofins sobre os valores decorrentes das indenizações pagas a título das utilizações pelos beneficiários da cobertura oferecida pelos planos de saúde.
No final das contas, quem saiu ganhando com o advento da Lei 12.873/2013 foi o próprio governo e não os planos de saúde, como se vem divulgando equivocadamente, pois além de aumentar a carga tributária, o governo evitou contra si discussões jurídicas de altíssimo risco de perda, que impactariam negativamente nos cofres públicos.
Daniela Xavier Artico de Castro é advogada pós-graduada em Direito Tributário Material e Processual, Especialista em Direito Contratual e atuante nas áreas de Direito Médico e Saúde Suplementar em Curitiba.
Revista Consultor Jurídico
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