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segunda-feira, 20 de agosto de 2012


Quando o amor é doença

MARTHA MENDONÇA
  
Ao longo desta semana, vamos apresentar uma série sobre amor patológico, um transtorno do comportamento que afeta a vida de milhares de homens e mulheres. Serão cinco posts, um por dia, com depoimentos de quem vive ou já viveu esse drama e explicações de especialistas. Os nomes apresentados na matéria foram trocados.

 “Quando meu amante não me quis mais, senti mais dor do que na morte da minha mãe. Logo minha mãe, que foi tão boa pra mim. Ele foi mau. Me fez  sentir a mulher mais maravilhosa do mundo, depois deixou de me amar. Eu o persegui, xinguei e agredi. Minha vida se tornou ingovernável.”
 O relato de Tânia, carioca, 41 anos, é interrompido pelas lágrimas inúmeras vezes. Professora, casada e mãe de um adolescente, ela se tornou viciada – no jogo e no amor. O alcoolismo do marido e a independência do filho crescido a jogaram num vazio. Há cinco anos, nas tardes livres, começou a freqüentar um bingo. Era apenas um passatempo. Até que ela conheceu Paulo, solteiro e mais jovem do que ela. Em uma semana, estavam apaixonados. Uma nova rotina se fez: eles passavam as tardes apostando – quase sempre com o dinheiro dela – e, antes que ela voltasse para a família, passavam algumas horas no apartamento dele, ali perto.
“Era muita adrenalina. Da roleta à cama dele, eu me sentia numa aventura, num filme. Depois de um mês, ele disse que queria ser meu noivo. Sabia muito bem que eu era casada, mas ali no bingo, a gente vivia um mundo paralelo. Ele fez o anúncio na frente de todo o pessoal que jogava e me deu um anel, ajoelhado no chão. Eu nunca me senti tão poderosa.
 Depois de um ano, tudo começou a mudar. Paulo sumia várias tardes. Dizia que havia conseguido um trabalho, que não queria mais ser sustentado pelos pais. Tânia passou a persegui-lo. Durante dias seguidos, passava horas no estacionamento onde ele guardava o carro, para ver se ele chegava com alguém. Sua vida era saber de todos os seus passos. Subornou um porteiro. Tentou contratar um amigo para segui-lo. No bingo, quando Paulo aparecia, ela não permitia que ele conversasse com nenhuma outra mulher. Tiveram brigas públicas. Ela já não ligava para o olhar dos outros. Passaram a se agredir fisicamente.
Eu não ligava pro meu filho, minha casa, nada. Eu vivia em função dele. Um dia, ele disse que não queria mais, que eu levava a vida dele para o fundo do poço. Falou que eu era louca. Foi pouco antes de um Natal. Na ceia, com meu marido, meu filho e o resto da família, chorei sem parar. Ninguém sabia o que eu tinha. A quem perguntava, eu dizia que estava deprimida.”
No dia seguinte, Tânia foi à casa de Paulo. A mãe atendeu a porta e ela invadiu. Começou a gritar e quebrar tudo pela frente. Agrediu o ex-namorado com socos e pontapés. Chamaram dois porteiros para tirá-la de lá. Mas ela não parou. Continuou seguindo o ex-namorado. Contentava-se em vê-lo passar na rua. Teve distúrbios de ansiedade, insônia, desmaios. A família nunca soube o motivo. Hoje, ela tem apoio psiquiátrico e participa de um grupo de apoio. Ainda pensa no ex – e sofre –, mas tem conseguido se controlar.
“Até quando, não sei. Mas esse amor ainda dói muito.”
O que Tânia chama de amor pode ser, na verdade, uma doença. Dentro das classificações psiquiátricas, ela se insere nos chamados Transtornos Impulsivos do Comportamento – junto com o vício no jogo, nas compras, na comida. Nos meios médicos, é chamado de Amor Patológico – e tem sido cada vez mais reconhecido como doença. No Rio, a Santa Casa, referência em Psiquiatria, iniciou este ano o tratamento específico deste tipo de transtorno. Doze pacientes começaram a ter sessões individuais e trabalhos em grupo. Há cinco anos, um núcleo da Universidade de São Paulo (USP) também mantém um ambulatório especializado, além de estudar o Amor Patológico.  “A ideia dessa dependência afetiva é bastante nova. Esse reconhecimento é muito importante, porque é algo que causa enorme sofrimento a muitas pessoas”, diz a psiquiatra Analice Gigliotti, chefe do Setor de Dependência Química e Outros Transtornos do Impulso da Santa Casa.
 O Amor Patológico ainda não é, oficialmente, uma doença mental. As dependências comportamentais estão entrando, progressivamente, no Manual de Estatística e Diagnóstico das Doenças Mentais, a DSM. Trata-se da bíblia dos transtornos mentais, reelaborada periodicamente pela Associação Americana de Psiquiatria. Na próxima edição, que sairá ainda este ano, a compulsão por jogos será registrada. “Aos poucos, a coleção de registros e a existência de um padrão farão com que os transtornos sejam incluídos no Manual”, diz Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria.
 Desde a década de 80, a psicologia e medicina estão percebendo que, da mesma forma que há dependências químicas, de substâncias, há a dependência de determinados comportamentos. A novidade é medicalização do transtorno. O reconhecimento do problema – que tem um padrão, daí ganhar um tratamento específico – é o primeiro passo para o processo de controle de atitudes que podem prejudicar vidas.
No fundo de tudo, a busca do prazer. O vício não é no jogo, na droga ou na pessoa – é no prazer. A explicação é neuroquímica: a paixão, como a droga, libera a dopamina no cérebro. É essa substância que causa a sensação de prazer, de conforto, de felicidade e bem-estar. Depois de experimentá-la, como viver sem ela? No caso do Amor Patológico, essa sensação é personificada. Como viver sem aquele alguém ou com a ideia de que ele não nos ama como gostaríamos?
Quem sofre do Amor Patológico não consegue ter um relacionamento amoroso saudável. Seu foco obsessivo é o parceiro, a relação. Aceita um relacionamento destrutivo, tolera humilhações. Sofre com a falta de atenção do ser amado – real ou imaginária. Reage de forma desesperada à rejeição. Tem necessidade de controle do outro – mesmo quando este já virou ex. Às vezes por toda a vida.

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