Contribua com o SOS Ação Mulher e Família na prevenção e no enfrentamento da violência doméstica e intrafamiliar

Banco Santander (033)

Agência 0632 / Conta Corrente 13000863-4

CNPJ 54.153.846/0001-90

quinta-feira, 23 de agosto de 2012


Um coração sem tamanho

Abigail do Rosário, a “grande mãe de Santa Catarina”, já tinha três filhos quando decidiu receber em sua família outras crianças que ninguém queria


Humberto Maia Júnior
PORTAS ABERTAS
Abigail, na escada do ônibus que leva parte de seus 57 filhos – 54 deles adotivos.
Ela não pensava em adotar até ver uma criança abandonada.
“Não consegui ficar em paz”, afirma (Foto: Eduardo Zappia/ÉPOCA)
Abigail do Rosário, de 55 anos, é mãe de 57 filhos. Sim, 57. Ela e o marido, Carlos do Rosário, dizem que nunca imaginaram chegar a uma família tão grande. Apenas, sem coragem de dizer não, aceitaram pouco a pouco novos integrantes depois que seus três filhos biológicos já estavam crescidos. Assim vieram Sofia, Temize, Cidinha, Max, Jeremias, Rebeca, Josias e tantos outros nomes que fazem parte do grupo de 54 filhos adotados pelo casal. Somente a carroceria do caminhão de Carlos tem espaço para receber aqueles adesivos, tão na moda, que representam a família do motorista. “Quando os policiais me param na estrada, sempre me perguntam se é verdade que tenho tantos filhos”, diz Rosário, de 56 anos.
Muitos dos filhos adotivos são portadores da síndrome de Down ou de doenças, como encefalite e hidroencefalia. Outros são filhos de pais com problemas mentais ou dependentes de drogas. “Aceito os reprovados no ‘controle de qualidade’”, diz Abigail, sem medo de ser acusada de politicamente incorreta. “Ela é a grande mãe de Santa Catarina”, afirma Nádia Regina Machado, assistente social em Joinville, Santa Catarina, que intermediou várias adoções do casal.

Os processos para a chegada dos novos filhos começaram em 1986. Natural de Joinville, Abigail morava em Campinas, São Paulo, e planejava terminar o segundo grau, enquanto o marido concluiria a faculdade de teologia. De férias em Joinville, ela visitou uma amiga que adotara Marina, de 6 anos, e pretendia devolvê-la ao orfanato. “Não consegui ficar em paz até conversar com meu marido sobre a adoção. Ele me deu total apoio”, diz. Marina foi a primeira daqueles que Abigail chamou de “filhos do coração”. Quando voltou ao orfanato para entregar o relatório de adoção, ouviu uma menina de 8 anos, Suzana, chamá-la de “mãe”. Acabou levando a garota para casa. Na terceira visita ao orfanato, meses depois, adotou as irmãs biológicas Marciane e Marilene. Abigail e Carlos ganharam fama, e juízes de varas da infância e assistentes sociais passaram a procurá-los quando lidavam com casos complexos de adoção.

Atualmente, 38 filhos vivem com eles. Três crianças, portadoras de Down, morreram. Outros, crescidos, saíram de casa para formar suas próprias famílias. É o caso de Joana, de 30 anos, que tem três filhos biológicos e, há seis anos, repetiu o gesto da mãe ao adotar uma criança.

Tudo é superlativo na casa de Abigail. Em vez de geladeira, há um frigorífico, e as refeições são servidas em duas mesas, com 40 cadeiras. Às 6h30, ela entra nos oito quartos e acorda as crianças. Em 15 minutos, é servido o café da manhã – são 100 pãezinhos e 13 litros de leite. Há tanta louça para lavar que a ajudante, Andresa Martins, leva mais de duas horas para concluir a tarefa. O almoço é servido ao meio-dia: 3 quilos de arroz, 1 de feijão e 4 de carne. Quem estuda de manhã chega para o almoço, e quem estuda à tarde se apressa para ir embora após a refeição. Às 17h30, as duas turmas se encontram. Em qualquer lugar para onde se olhe há um grupo de jovens e crianças – uns assistem à TV e outros brincam no quintal. Os filhos com deficiência são vestidos e limpos pelos irmãos. A limpeza da casa é feita pelos filhos mais velhos, segundo uma tabela afixada na cozinha. O único desafio sem solução é separação das meias, que se perdem a cada lavagem. “Todo mês tenho de comprar mais”, diz Abigail. Às 22 horas, diariamente, é decretado o sucesso de uma missão quase impossível: todos estão na cama.

“Mãe Abigail” sabe de cor a data de nascimento e as características marcantes de seus 57 filhos. A queridinha hoje é Sofia, a caçula, que, na presença da reportagem de ÉPOCA, ficou enciumada. Chorou, abraçou a mãe e dormiu. Algumas horas depois, o caminhoneiro Carlos voltou para casa após dez dias viajando. Ele é a fonte formal de renda do casal. Mas foi a generosidade alheia que financiou a reforma da casa e o ônibus de 40 lugares que transporta a família. Apegado à fé em Deus, o casal pensa em adotar mais crianças. Abigail lembra que, diferentemente das biológicas, mães adotivas não têm limite de idade. “Não se faz laqueadura no coração.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário