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sábado, 14 de maio de 2016

Escala mensura vergonha e culpa em relação ao corpo


02 de maio de 2016 a 08 de maio de 2016 – ANO 2016 – Nº 654

Ferramenta de avaliação é validada em pesquisa 
desenvolvida por graduada em educação física



Pesquisa para validar uma escala que avalia os sentimentos de culpa e vergonha em relação ao corpo em adultos jovens brasileiros foi desenvolvida, na área de Atividade Física Adaptada da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, por Jane Domingues de Faria Oliveira, graduada em educação física, e orientada pela professora Maria da Consolação Gomes Cunha Fernandes Tavares. A docente se dedica a estudos voltados à imagem corporal, considerada na pesquisa como sendo a representação mental da identidade corporal de cada indivíduo, ou seja, o modo de como o corpo se apresenta para cada pessoa. Trata-se de um fenômeno dinâmico, singular, estruturado no contexto da experiência existencial do ser humano e influenciado por fatores emocionais, sociais e fisiológicos.
Nos últimos anos, os avanços teóricos e metodológicos referentes à culpa e à vergonha do corpo têm despertado particulares interesses de alguns pesquisadores. A culpa pode ser entendida como um estado emocional que ocorre quando o indivíduo avalia negativamente seu comportamento. É o que acontece, por exemplo, com mulheres que conseguem, por meio de dietas, exercícios, cirurgias plásticas ou tratamentos cosméticos, alterar suas aparências físicas na direção do padrão cultural vigente de corpo, como forma de aliviar o desconforto de estar distante do ideal de corpo ou de valorizar o investimento feito para atingi-lo. Mas, se apesar dos esforços, ainda se percebem longe do ideal, sentem-se culpadas por não terem se esforçado o suficiente ou falhado pela falta de perseverança.
O surgimento do sentimento de vergonha depende de dois elementos: da reflexão que o indivíduo faz sobre si mesmo em relação a alguma característica da aparência pessoal e do julgamento do que os outros pensam dele. A pessoa com vergonha vive uma experiência intensa, podendo corar, aumentar os batimentos cardíacos, sentir-se exposta, experimentar sensação de isolamento e manifestar uma percepção aumentada em relação às reações dos outros. Por isso a vergonha é um sentimento fundamentalmente social. Para o envergonhado, a observação do outro vem necessariamente acompanhada de um julgamento, diferentemente da culpa na qual esse olhar não se faz necessário.
O indivíduo que vivencia os sentimentos de culpa e vergonha busca proteção do julgamento do outro e de si mesmo. Desta forma, muitas percepções corporais ficam impedidas de ocorrerem, havendo um prejuízo no desenvolvimento da sua imagem corporal, uma vez que esses sentimentos favorecem a fragmentação da identidade, direcionando a energia do indivíduo para referências externas, levando-o a negar e a desconectar-se da sua realidade interna.
Segundo teóricos, faz-se necessário ampliar os conhecimentos a respeito da culpa e da vergonha do próprio corpo, mais especificamente em cenários de atividade física e esporte, nos quais o corpo fica mais exposto (aparência) e a capacidade de êxito esportivo (função) fica à prova. Frise-se que principalmente o adulto jovem, ainda em processo de amadurecimento, necessita a valorização externa de sua aparência, habilidades e capacidades físicas. Nesse contexto, torna-se importante identificar a presença da culpa e da vergonha do corpo, favorecendo assim, a elaboração de estratégias mais adequadas de intervenção, atendendo não somente às necessidades físicas como também, às necessidades psicossociais dessa população.
Esse foi o escopo do doutorado de Jane. Ela esclarece que atualmente o profissional de educação física enfrenta uma valorização acentuada da aparência e do desempenho físico, o que o leva muitas vezes a deparar-se com situações que limitam o desenvolvimento global do aluno em decorrência da necessidade de apresentar resultados diretamente vinculados aos padrões culturais estabelecidos para o corpo.  Esse profissional necessita, então, compreender e dimensionar as regras e padrões inseridos no contexto social e, ao mesmo tempo, preservar e estimular o desenvolvimento e a integridade da identidade corporal do seu aluno. Ela explica: “A culpa e a vergonha são aspectos que podem estar presentes nas relações interpessoais em uma aula de educação física. Saber identificá-las e compreendê-las favorecerá a elaboração de propostas de trabalho corporais mais eficazes e resultados mais satisfatórios”.
Escala BIGSS
Para investigar o nível de culpa e vergonha por causa do próprio corpo ou por um comportamento relacionado a ele há necessidade de um instrumento psicometricamente válido. Dentre os instrumentos disponíveis a pesquisadora optou pela “Body Image Guilt and Shame Scale” (BIGSS) por se tratar de instrumento muito pertinente para educação física.  Essa escala apresenta 15 cenários comuns do cotidiano das pessoas. Em cada um deles o avaliado deve localizar a probabilidade de ter uma reação de culpa ou vergonha por causa do corpo ou por algum outro comportamento relacionado a ele e, também, por estar focado em questões relacionadas à aparência e ao peso corporal.
A BIGSS assenta-se teoricamente na teoria da auto-objetificação, descrita como uma forma de autovigilância, caracterizada pelo controle constante da aparência do corpo, na medida em que a pessoa passa a ser avaliada tão somente por sua aparência e não por sua competência. Essa circunstância pode levar a um estado de vergonha do corpo, ansiedade física e desligamento das sensações corporais.  O instrumento, então, poderá ser utilizado pelos profissionais de saúde e principalmente por profissionais de educação física, com vistas a possibilitar intervenções mais adequadas em relação aos indivíduos acometidos pelos sentimentos de culpa e vergonha, a fim de proporcionar maior aderência e evolução na prática da atividade física.
A propósito da pertinência da abordagem a autora constata: “não existia no Brasil nenhum instrumento disponível que avaliasse de forma confiável e válida a culpa e a vergonha do próprio corpo em adultos jovens”. Em vista disso, o objetivo do seu estudo foi traduzir, adaptar culturalmente e validar a “Body Image Guilt and Shame Scale” (BIGSS) para a língua portuguesa no Brasil para amostras de referências de brasileiros adultos jovens de ambos os sexos.
Essa escala foi criada em 2003 pelos psicólogos Ted Thompson, Dale L. Dinnel e Nicole J. Dill, na School of Psychology da University of Tasmania, na Austrália, os quais concederam permissão para trazê-la ao Brasil. A pesquisa constou de duas fases: 1) tradução e adaptação cultural e 2) avaliação psicométrica.
Para a condução da primeira fase, foi utilizado o protocolo proposto pelo Guideline da American Orthopaedic Surgeons/ Institute of Work and Health (BEATON et al., 2002) que envolve cinco etapas: 1) duas traduções independentes do instrumento original realizadas por brasileiros com fluência na língua inglesa; 2) síntese das traduções com a participação de um juiz de síntese com conhecimento do tema; 3) duas retrotraduções, realizadas por falantes nativos da língua inglesa, com domínio do português; 4) reunião com um comitê de peritos, composto pelos tradutores, retrotradutores, linguista, metodologista e profissional de saúde, para a discussão da versão final, buscando as equivalências semântica, idiomática, conceitual e cultural com o instrumento original; e finalmente, 5) o pré-teste que foi realizado com representantes da população alvo.
Para a avaliação psicométrica, segunda fase da pesquisa, foi realizada uma coleta de dados em uma amostra composta por 640 sujeitos com idade entre 18 e 39 anos de ambos os sexos, sendo 341 homens e 299 mulheres. A partir das respostas foi organizada uma planilha, que considera cada alternativa proposta no questionário, e então utilizado um software para análise.
A partir dessa análise a pesquisadora identificou na amostra feminina reações de culpa mais intensas que de vergonha, especialmente quanto às comparações sobre a própria aparência, aos comentários recebidos pela aparência do corpo e ao comportamento alimentar.
Entre os participantes do sexo masculino observou-se uma maior tendência aos sentimentos de culpa, especialmente no que diz respeito à falta da prática de atividade física e no comprometimento nas questões relacionadas ao peso corporal.
Avaliação
Jane considera que a BIGSS revelou-se uma escala confiável e que poderá fornecer sustentação ao trabalho do profissional da área de saúde, especialmente para o profissional de educação física, em relação à satisfação corporal e aos aspectos emocionais como culpa e vergonha, que permeiam o cotidiano das pessoas. Para ela, além do aspecto fisiológico, o profissional de educação física precisa considerar outras facetas que envolvem o ser humano, o que passa a constituir um diferencial no trabalho que realiza.  Utilizando as informações que essa escala oferece, ele terá condições de conhecer melhor o nível de culpa e vergonha do grupo com que trabalha, podendo direcionar as suas atividades de maneira mais acolhedora e respeitosa.
A pesquisadora enfatiza: “Acredito que este estudo contribuirá para o aprofundamento científico na área da educação física porque disponibiliza uma escala que foi validada com extremo rigor metodológico, permitindo uma abordagem mais precisa do tema pelos profissionais da área da saúde”.
Publicação 
Tese: “Tradução, adaptação cultural e validação do Body image guilt and shame scale (BIGSS) para a língua portuguesa no Brasil”

Autora: Jane Domingues de Faria Oliveira
Orientadora: Maria da Consolação Gomes Cunha
Unidade: Faculdade de Educação Física (FEF)

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