"Mães não podem ser infalíveis nem precisam ser", diz psicanalista
Thais Carvalho
Do UOL, em São Paulo
Betty Milan resgata em "Carta ao Filho" sua história e tenta descobrir seus erros e acertos como mãe |
Autora de mais de 20 obras literárias, a psicanalista e escritora Betty Milan, 68 anos, está lançando neste mês o livro "Carta ao Filho" (Record). Para se reaproximar e reinventar a relação com o filho, Mathias, 30, com quem se desentendeu e ficou rompida por cerca de seis meses, escreveu um texto reflexivo sobre a sua jornada como mãe.
No intuito de ajudar outras mães com seu exemplo, Betty afirma que errar também é normal para aquelas que têm filhos e que as falhas podem ser revertidas.
"Quis 'desculpabilizar' as mães, que não podem ser infalíveis nem precisam ser. A mãe só aprende a ser mãe com o filho, pois cada filho é um. Isso significa que a mãe erra. Freud, aliás, disse que a mãe sempre erra", declarou em entrevista ao UOL Gravidez e Filhos.
Confira a entrevista completa com a autora:
UOL Gravidez e Filhos: A chamada do livro diz que não há ensinamentos para ser mãe. Como as mulheres devem fazer com a avalanche de informações e palpites que aparecem desde o momento em que descobrem que estão grávidas até a maturidade dos filhos? É preciso filtrar, absorver ou fechar os ouvidos e deixar que a maneira de cada uma ser mãe apareça com o tempo?
Betty Milan: Há ensinamentos relativos aos cuidados básicos, claro. Mas até na maneira de amamentar, limpar ou dar banho na criança é preciso levar em conta a sua particularidade. Estar informado é importante, mas a informação deve ser filtrada. Não se trata de fechar os ouvidos, mas de ouvir escutando, ou seja, deixando-se surpreender e levando em conta o que o filho diz. Escrevi "Carta ao Filho" para escutar o que eu ouvia desatentamente e reinventar a relação com meu filho. Acredito que possa ajudar outras mães.
UOL Gravidez e Filhos: Você acha que "Carta ao Filho" é uma leitura tanto para as mães quanto para os filhos, para que eles consigam enxergar o valor das mães (se isso ainda não aconteceu)?
Betty Milan: Também escrevi o livro na esperança de que fosse lido pelos filhos, que frequentemente culpam as mães disso ou daquilo. Quis "desculpabilizar" as mães, que não podem ser infalíveis nem precisam ser. A mãe só aprende a ser mãe com o filho, pois cada filho é um. Isso significa que a mãe erra. Freud, aliás, disse que a mãe sempre erra.
UOL Gravidez e Filhos: Mesmo com todos os conflitos que mostra no livro, você se considera uma boa mãe?
Betty Milan: O modelo da boa mãe surgiu no século 19 e, a partir daí, as mães quiseram se encaixar nele. Acho que sou uma boa mãe por ter dito ao meu filho que não existe modelo de mãe e mãe modelo também não. Por ter ousado dizer isso em vez de fazer de conta que podia ser o que não sou. Acho mesmo que nada me importa mais. Ser livre não significa dizer o que passa pela cabeça. Sou muito contida e fiz questão de dizer em outras entrevistas que não tenho nada a ver com a mãe licenciosa. No livro eu falo dos meus sentimentos, mas não falo de sexo, por exemplo.
UOL Gravidez e Filhos: Acha que os "erros" cometidos durante a maternidade podem ser revertidos pela própria mãe?
Betty Milan: Com certeza. Desde que ela possa admiti-los. Para tanto, precisa se expressar claramente e foi o que eu tentei fazer no livro. Meu filho se surpreendeu com o texto mas, em carta que escreveu para mim a pedido de uma revista, disse que gostou do texto por ter descoberto uma mãe capaz de olhar a vida com a lente do otimismo. O texto nos apaziguou.
UOL Gravidez e Filhos: A mãe normalmente se culpa e, quando o filho comete erros, acha que o erro foi dela em "deixar tudo". Como lidar com isso?
Betty Milan: Verdade que dar limites é fundamental e os pais que não conseguem fazer isso acabam sofrendo muito. Agora, a tendência é de culpar a mãe, como mostra a expressão "filho da mãe". Uma expressão que não deveria mais ser proferida e denota o ódio de certos homens pelas mulheres.
UOL Gravidez e Filhos: O livro é uma carta sua ao seu filho. Por qual motivo esse livro foi feito? Essa conversa, com os assuntos abordados no livro, existiu com ele ou ele, assim como nós, soube por meio da obra?
Betty Milan: A escrita do livro foi provocada por um desentendimento entre nós e o afastamento dele. Escrevi para estar com ele e descobrir o motivo do desentendimento. Percebi que era demasiadamente apegada e entendi que a mãe um dia precisa dizer "vai", ou seja, cuidar pode ser sinônimo de se separar. Quando acabei de escrever, ele pediu para ler e eu submeti o texto a ele antes de publicar. Inclusive reescrevi certos trechos em função das questões que ele colocou. Foi um grande momento na minha vida e acredito que tenha sido na dele.
UOL Gravidez e Filhos: Qual conselho você daria para uma mãe que está vivendo um momento de conflito com o filho?
Betty Milan: Nunca fui de dar conselho porque não adianta. Mas sei que a escuta é o grande recurso que nós temos. Quando não é possível escutar, como no meu caso, a escrita ajuda porque nos leva a reavaliar a situação e mudar de estratégia.
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