'No passado, brincar na rua ensinava valores', diz autor de livro sobre brincadeiras
RAFAEL BALAGO
DE SÃO PAULO
O jornalista João Fortunato, próximo a seu escritório no bairro do Paraíso |
O jornalista passou a infância brincando nas ruas do Jabaquara, zona sul. Depois, na adolescência, viveu na Vila Mariana. Lá seus filhos mais velhos, hoje com 26 e 30 anos, cresceram durante os anos 1980, época em que, para ele, os videogames e a TV começaram a dominar a atenção das crianças.
Hoje, Fortunato se esforça para que a filha Maria Luísa, 9, passe mais tempo com a família e com os amigos.
sãopaulo - Do que você brincava na infância?
João Fortunato - A gente se divertia com o que tinha, pois os brinquedos eram raros e caros. Pião, bolinha de gude, futebol, taco. No verão, eu jogava queimada até de noite na rua.
O que a rua tinha de tão especial?
Era o palco das brincadeiras coletivas, não individuais. No passado, brincar na rua ensinava às crianças valores como respeito, solidariedade e amizade.
Quando começou a mudança?
Tenho dois filhos que, nos anos 1980, já brincavam com videogames, como o Atari. Foi o início do isolamento, que cresceu com a tecnologia. A criança hoje joga pela internet com adversários na China ou nos EUA, dividindo aventuras sem contato pessoal. Continua sozinha.
E os celulares?
Minha filha, que não tem um, não pode ver o meu que quer pegar e jogar. Mas imponho limites. Não sou contra a tecnologia, mas a favor dos baratos de antigamente: a convivência e a amizade.
Na periferia, brincar na rua ainda é comum. Você prevê mudanças?
À medida que mais crianças acessem a tecnologia, a tendência é que passem mais tempo no computador e nos celulares e abram mão de outras atividades.
Qual o papel dos pais no processo?
Não há mais vias tranquilas, exceto as que têm cancela. A insegurança faz com que muitos pais retenham a criança em casa e as encham de atividades, como balé e futebol. Elas vão à escola em horário comercial e, de segunda a sexta, interagem com coleguinhas no recreio. No fim de semana, porém, acabam isoladas.
Como usar bem a tecnologia?
A Maria Luísa pediu um videogame portátil, mas não ganhou, pois favorece o isolamento. Temos só uma televisão, na sala. A mãe gosta de novela, o pai de futebol e a filha de desenho; isso cria ilhas em casa. Que tal vermos TV juntos para brincar, conversar e conviver? Sua filha pequena logo terá 20 anos. É importante criar histórias juntos.
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