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domingo, 21 de abril de 2013


Salve o São Jorge que há em cada um de nós!

Mônica El Bayeh

Somos todos guerreiros, inexperientes nas artes do dia-a-dia.  Nessa batalha, cara a cara com o inimigo e a morte, as dificuldades nos esfolam.  Seguimos meio capengas com nossos amores desfeitos, corações aos frangalhos, gambiarras de saúde, injustiças no trabalho ou, pior, às vezes nenhum trabalho.  Nus em nossa angústia, impotentes e sozinhos para encarar o exército inimigo.  Contar com quem nessas horas de solidão?
Somos jogados nessa estrada nublada, sinuosa que é a vida sem direito a mapa ou manual de instruções.  A gente tateia meio no escuro, na base do ensaio e erro, enfrentando um desafio por hora, de cara limpa, desprovido de armadura, espada ou cavalo puro-sangue.  De transporte, no máximo um jegue desnutrido que mais empaca do que anda.  Às vezes, nem isso.
Nessas condições, tombo é o que não falta.  Temos muitas horas de cara no chão. Para ficar de pé e juntar forças para seguir, é preciso acreditar que alguém é por nós. Alguém, em algum lugar, com algum nome, olha, protege e vai tentar dar uma ajudinha. Sem essa crença – para alguns, ilusão – fica muito difícil levantar, passar cuspe no joelho ralado e voltar para o campo de batalha.
São Jorge para a igreja católica, Ogum para a Umbanda, representa para muitos essa proteção.  Ele é o vencedor de demanda.  E demanda, vamos combinar, é o que não falta por aqui.
A oração que invoca o valente Jorge nos dá a fé de que sim, seremos invencíveis.  Os inimigos terão pés, mas não nos alcançarão;  terão mãos, mas não nos tocarão; terão olhos, mas não nos verão.  E, nem em pensamento, eles poderão nos fazer mal, porque estamos protegidos pelas roupas e as armas de Jorge.  Isso é lindo.  De verdade, quase um colo;  como se de algum lugar viesse a mensagem:  “Vai, enfrenta que eu te ajudo”.
Jorge garante:  nos protege de armas, facas, cordas e correntes.  Não seremos pegos, vistos, atingidos.  Sim, podemos ter ajuda contra os inimigos de fora.  Só há  um problema:  quem nos protegerá contra nós mesmos, os inimigos de dentro?
Quem desatará nossas mãos que, podendo abraçar, nada fazem?  Que, podendo remar, deixam o barco à deriva; que, tendo as sementes, não plantam.  E, plantando, esquecem de regar e deixam tudo morrer seco?
A gente pede que Jorge nos abra os caminhos.  Mas quem soltará nossos pés que, temerosos, não rumam pelos novos caminhos abertos e insistem nas mesmas e velhas trilhas, nas velhas e infrutíferas relações?
Quem abrirá nossos olhos, que insistem em não ver a verdade e se enganam com qualquer justificativa oca?  Quem nos salva dos nossos pensamentos e das nossas ruminações que nos exaurem a alma com previsões de desgraças, tragédias e garantem que nem adianta tentar, porque a gente não vai mesmo conseguir?
Somos as mais fortes cordas e correntes que amarram nosso destino, a pior trava que se pode ter.  Atiramos em nossa autoestima, sangramos nossa energia, sabotamos nossa esperança.  Quem nos salva de nós mesmos?
Estar vestido com as roupas e as armas de Jorge não quer dizer que vamos por aí de armaduras, roupas vermelhas e espadas na mão.  Não, isso seria mais cômico do que efetivo.  Vestir as armas de Jorge é manter uma postura valente diante da vida.  Um pensamento vivo e criativo, que pensamento é a arma mais eficaz.  É não se contentar com pouco, não partir do ¨já perdeu¨. Enquanto há vida, há luta.  A luta mantém a vida em andamento.
Não ter medo de repensar, mudar, recomeçar.  Deixar brotar as ideias contrárias, confusas, permitir que elas se movimentem, mudem de lugar e se esbarrem atabalhoadamente, até que uma nova ordem interna surja.  Essa é a nossa arma, nossa roupa, nossa coragem.  Nada começa já pronto e arrumado, é assim que surge o novo.
O significado de Jorge, o vencedor de demandas vai além, muito além de pedir e ficar ajoelhado rezando enquanto o santo nos segura em um braço e com o outro resolve tudo como uma mãe super protetora.  A espada de Jorge não aponta só para o inimigo, ela aponta para nós também.  Aponta e manda ir em frente, se virar.  O santo garante uma proteção, uma ajuda.  Mas quem resolve, é você.  Porque ele é santo, não é babá.
Vestir as roupas e as armas de Jorge é vestir a responsabilidade pela própria felicidade, em vez de esmolambar como coitado infeliz.  É levantar e seguir, porque cair faz parte da vida e só quem cai é que aprende a se levantar.  É ficar firme nos desafios, sem perder tempo reclamando, cobrando porquês e explicações de Deus ou seja lá de quem for.  É ter coragem, assumir o controle dessa luta diária e travá-la dignamente, de alma inteira.  Manter o foco, saber o que é realmente importante sem se perder em firulas.
Quando o mundo parece grande demais e a gente se dá conta do quanto é insignificante; quando tudo em volta empaca, e nada se pode fazer; mesmo assim é preciso que se faça.  Nessas horas é preciso montar a vida, como Jorge em seu cavalo. Empunhar a espada da coragem e seguir confiante, ou nem tanto.  Mas seguir do jeito que der.
Muitas das vezes, a maior luta de um guerreiro é procurar ser feliz com o possível, sabendo usar o que a vida lhe deu.  É aproveitar o fogo e combinar um churrasco com o dragão.  Porque viver é assim, e pensar é urgente.  Essa é a grande mensagem, é só esse o jeito de vencer as demandas da vida, não tem outro.
Salve Ogum, Salve São Jorge Guerreiro!  Salve o guerreiro valente que está em cada um de nós!

* Mônica El Bayeh, carioca, é professora e psicóloga.

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