Salve o São Jorge que há em cada um de nós!
Mônica El Bayeh
Somos todos guerreiros, inexperientes nas artes do dia-a-dia. Nessa batalha, cara a cara com o inimigo e a morte, as dificuldades nos esfolam. Seguimos meio capengas com nossos amores desfeitos, corações aos frangalhos, gambiarras de saúde, injustiças no trabalho ou, pior, às vezes nenhum trabalho. Nus em nossa angústia, impotentes e sozinhos para encarar o exército inimigo. Contar com quem nessas horas de solidão?
Somos jogados nessa estrada nublada, sinuosa que é a vida sem direito a mapa ou manual de instruções. A gente tateia meio no escuro, na base do ensaio e erro, enfrentando um desafio por hora, de cara limpa, desprovido de armadura, espada ou cavalo puro-sangue. De transporte, no máximo um jegue desnutrido que mais empaca do que anda. Às vezes, nem isso.
Nessas condições, tombo é o que não falta. Temos muitas horas de cara no chão. Para ficar de pé e juntar forças para seguir, é preciso acreditar que alguém é por nós. Alguém, em algum lugar, com algum nome, olha, protege e vai tentar dar uma ajudinha. Sem essa crença – para alguns, ilusão – fica muito difícil levantar, passar cuspe no joelho ralado e voltar para o campo de batalha.
São Jorge para a igreja católica, Ogum para a Umbanda, representa para muitos essa proteção. Ele é o vencedor de demanda. E demanda, vamos combinar, é o que não falta por aqui.
A oração que invoca o valente Jorge nos dá a fé de que sim, seremos invencíveis. Os inimigos terão pés, mas não nos alcançarão; terão mãos, mas não nos tocarão; terão olhos, mas não nos verão. E, nem em pensamento, eles poderão nos fazer mal, porque estamos protegidos pelas roupas e as armas de Jorge. Isso é lindo. De verdade, quase um colo; como se de algum lugar viesse a mensagem: “Vai, enfrenta que eu te ajudo”.
Jorge garante: nos protege de armas, facas, cordas e correntes. Não seremos pegos, vistos, atingidos. Sim, podemos ter ajuda contra os inimigos de fora. Só há um problema: quem nos protegerá contra nós mesmos, os inimigos de dentro?
Quem desatará nossas mãos que, podendo abraçar, nada fazem? Que, podendo remar, deixam o barco à deriva; que, tendo as sementes, não plantam. E, plantando, esquecem de regar e deixam tudo morrer seco?
A gente pede que Jorge nos abra os caminhos. Mas quem soltará nossos pés que, temerosos, não rumam pelos novos caminhos abertos e insistem nas mesmas e velhas trilhas, nas velhas e infrutíferas relações?
Quem abrirá nossos olhos, que insistem em não ver a verdade e se enganam com qualquer justificativa oca? Quem nos salva dos nossos pensamentos e das nossas ruminações que nos exaurem a alma com previsões de desgraças, tragédias e garantem que nem adianta tentar, porque a gente não vai mesmo conseguir?
Somos as mais fortes cordas e correntes que amarram nosso destino, a pior trava que se pode ter. Atiramos em nossa autoestima, sangramos nossa energia, sabotamos nossa esperança. Quem nos salva de nós mesmos?
Estar vestido com as roupas e as armas de Jorge não quer dizer que vamos por aí de armaduras, roupas vermelhas e espadas na mão. Não, isso seria mais cômico do que efetivo. Vestir as armas de Jorge é manter uma postura valente diante da vida. Um pensamento vivo e criativo, que pensamento é a arma mais eficaz. É não se contentar com pouco, não partir do ¨já perdeu¨. Enquanto há vida, há luta. A luta mantém a vida em andamento.
Não ter medo de repensar, mudar, recomeçar. Deixar brotar as ideias contrárias, confusas, permitir que elas se movimentem, mudem de lugar e se esbarrem atabalhoadamente, até que uma nova ordem interna surja. Essa é a nossa arma, nossa roupa, nossa coragem. Nada começa já pronto e arrumado, é assim que surge o novo.
O significado de Jorge, o vencedor de demandas vai além, muito além de pedir e ficar ajoelhado rezando enquanto o santo nos segura em um braço e com o outro resolve tudo como uma mãe super protetora. A espada de Jorge não aponta só para o inimigo, ela aponta para nós também. Aponta e manda ir em frente, se virar. O santo garante uma proteção, uma ajuda. Mas quem resolve, é você. Porque ele é santo, não é babá.
Vestir as roupas e as armas de Jorge é vestir a responsabilidade pela própria felicidade, em vez de esmolambar como coitado infeliz. É levantar e seguir, porque cair faz parte da vida e só quem cai é que aprende a se levantar. É ficar firme nos desafios, sem perder tempo reclamando, cobrando porquês e explicações de Deus ou seja lá de quem for. É ter coragem, assumir o controle dessa luta diária e travá-la dignamente, de alma inteira. Manter o foco, saber o que é realmente importante sem se perder em firulas.
Quando o mundo parece grande demais e a gente se dá conta do quanto é insignificante; quando tudo em volta empaca, e nada se pode fazer; mesmo assim é preciso que se faça. Nessas horas é preciso montar a vida, como Jorge em seu cavalo. Empunhar a espada da coragem e seguir confiante, ou nem tanto. Mas seguir do jeito que der.
Muitas das vezes, a maior luta de um guerreiro é procurar ser feliz com o possível, sabendo usar o que a vida lhe deu. É aproveitar o fogo e combinar um churrasco com o dragão. Porque viver é assim, e pensar é urgente. Essa é a grande mensagem, é só esse o jeito de vencer as demandas da vida, não tem outro.
Salve Ogum, Salve São Jorge Guerreiro! Salve o guerreiro valente que está em cada um de nós!
* Mônica El Bayeh, carioca, é professora e psicóloga.
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