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terça-feira, 30 de abril de 2013


O perfil do assassino

Após homicídios em massa, busca do público por explicações oscila entre loucura e ideologia

Por Francisco Carlos Teixeira
O atentado de Boston, em 15 de abril, chocou a opinião pública. Após breve hesitação, o FBI e a presidência dos EUA classificaram-no como um ato terrorista. Tratava-se, claramente, de uso de violência, com armas de destruição em massa, contra civis, com objetivo de atingir o poder constituído. Terrorismo clássico. Quando, por meio das onipresentes câmeras de vigilância, surgiram os primeiros retratos dos suspeitos, os irmãos Tamerlan e Dzhokhar Tsarnaev, de 26 e 19 anos, irrompeu uma nova vaga de espanto: eram membros “incluídos” da comunidade local, com acesso à universidade — engenharia e medicina —, além de histórico esportivo e de participação coletiva, incluindo uma disputada bolsa de estudos. Os testemunhos de amigos, colegas e vizinhos davam conta de jovens comuns, sem qualquer indício de uma breve explosão de violência, sendo Dzhokhar considerado inclusive “popular” — referência ambicionada entre jovens americanos.

Apenas no caso de Tamerlan — o irmão mais velho, ex-estudante de engenharia, esportista, casado e com uma filha de três anos — havia uma única frase, em um meio eletrônico, na qual dizia “não ter amigos, não entender os americanos”. Havia, ainda, notas ruins seguidas — mas, naquele ponto, ainda não se sabia que ele estivera longo tempo fora dos EUA.


Este foi o ponto de partida para a criação rápida e superficial de um diagnóstico de “inadequação” ou “incapacidade adaptativa” para explicar o comportamento de Tamerlan. Em seguida, o tio dos suspeitos, enquanto falava à imprensa chocado e colérico, chamou os sobrinhos de losers, fracassados, um forte adjetivo desabilitante nos meios norte-americanos. Assim, o “perfil psicológico” de ambos — incluindo o “popular” Dzhokhar— foi montado para explicar a ação dos irmãos Tsarnaev.


De ‘inadequação social’ a ‘radicalismo político’

A mídia americana — tanto a conservadora quanto a “liberal” — rapidamente construiu um caso sobre a patologia social dos irmãos Tsarnaev. Na mesma esteira, a mídia brasileira abraçou tal análise, trazendo os brutais atentados de Boston para o âmbito do terrível tiroteio de Sandy Hook/Newtown, Connecticut, em dezembro de 2012. Assim, tratar-se-ia de um caso de inadequação social, possivelmente de alguma psicopatologia. Tal versão, rapidamente aceita entre nós (“claro, quem mata inocentes só pode ser louco!”), foi divulgada por vários comentaristas, jornalistas e cientistas sociais.

Sob essa ótica, Sandy Hook, em 2012, e Boston, em 2013, deveriam ser examinados sob a mesma luz, bem como o duplo ataque de Anders Breivik, na Noruega, em 2011. Neste caso, um jovem educado, branco, de pouco mais de 30 anos, com recursos e trabalho, decidiu matar seus conterrâneos e destruir a sede do governo democrático e transparente de Oslo. Deveria haver algo errado com o jovem, já que a Noruega estaria acima de quaisquer suspeitas (mesmo que abrigue uma ativa comunidade de extrema-direita racista). Da mesma forma os quatro jovens alemães de Zwickau, cidade industrial próspera e de pleno emprego na Alemanha, deveriam ser doentes por planejar e executar o assassinato de 11 pessoas, sendo 10 de origem turca.


No entanto, as respostas fáceis logo desabaram, como desabaram nos casos de Oslo e de Zwickau, na Alemanha. Sem dúvida, em Sandy Hook, em 2012, e em Realengo, no Rio, em 2011, estávamos em face de uma crise pessoal e psicológica profunda, da qual não temos, no momento, material de qualidade para examinar. No caso dos jovens assassinos de Realengo e de Sandy Hook podemos ver um surto psicótico em desenvolvimento. Porém, nos casos de Beate Zschäpe e seus dois parceiros de Zwickau, dos irmãos Tsarnaev e de Anders Breivik, temos claros objetivos e envolvimentos políticos, cobertos ou não por ideologias bem especificas.


Beate e seus amigos Uwe Mundlos e Uwe Bohnhardt compunham uma rede que se intitulava “Clandestinidade Nacional-Socialista“ (ou seja, nazista). Anders Breivik nutria claro ódio contra negros, árabes e mestiços e acusava-os de conspurcar a raça nórdica de seu país, além de advogar uma forte islamofobia. Por fim, a imprensa americana relatou que Dzhokhar teria declarado às autoridades que o atentado foi uma resposta à ação americana no Afeganistão e no Iraque. Em suma, a área de conforto da explicação fácil desabou. Nada provaria um “problema pessoal” e, sim, uma “questão social e política”, como diferenciaria o sociólogo Wright Mills.


Ruía também um último esforço do “politicamente correto” — “não devemos falar que eram muçulmanos ou supor ligações com redes terroristas” —, esquecendo, contudo, que, com seu diagnóstico de psicopatologia, retratavam pessoas caladas, diferentes e casmurras como potenciais terroristas. A “zona de conforto” agradava a todos: o FBI (que deixara escapar uma preciosa informação dos russos), a presidência dos EUA, a família Tsarnaev e a população em geral, posto que “problemas pessoais” e “pessoas que surtam” — numa psicologia prêt-à-porter que explica tudo no caso “do outro” — são sempre possíveis.


Contudo, depois de idas e vindas, uma junta médica declarou Breivik capaz e determinou que ele deveria submeter-se a um julgamento comum. Beate Schäpe, a única sobrevivente da “Clandestinidade Nacional-Socialista”, começa a ser julgada na Alemanha. E Dzhokhar foi formalmente indiciado ainda no hospital.


Motivações políticas, ideológicas e religiosas são, sim, capazes de mobilizar indivíduos e mesmo massas para o mal. Este se banaliza, como já foi descrito, e existe no cotidiano, ao nosso lado. Instituições e entes poderosos cultivam o ódio e imprimem em pessoas — em qualquer uma ou precisamos de um contexto e de uma história de vida singular para isso? — a vontade de matar. Por isso são redes, materiais ou imateriais, mas sempre redes com objetivos e métodos. Devemos mudar o nosso lugar de observação, enxergar no outro uma dor que não vemos do nosso próprio lado de conforto, e lutar contra isso. Se possível, contra a causa da própria dor. Caso seja impossível, deve-se utilizar a lei, penalizar o ódio e sua pregação e qualificar os crimes daí decorrentes.


Francisco Carlos Teixeira da Silva é historiador, autor de “Vox, voces“


http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2013/04/27/o-perfil-do-assassino-494652.asp

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