A toda-poderosa do Facebook, Sheryl Sandberg fala sobre seu livro, ‘Faça Acontecer’. “Temos de pisar no acelerador e assumir mais responsabilidades”, diz a segunda de Mark Zuckerberg
O livro Faça Acontecer, de Sheryl Sandberg, figura na lista dos mais vendidos do The New York Times e pode ser visto nas mãos de mulheres no metrô em diversas estações do mundo. Não, não se trata de um best seller de literatura erótica, mas um livro destinado às mulheres que buscam sucesso profissional. Escrito por ninguém menos que a poderosa diretora de operações do Facebook.
Baseando-se em situações cotidianas, ela resolveu escrever sobre a condição feminina no mercado de trabalho. Sheryl aborda temas clássicos, como conciliar carreira e filhos de maneira heterodoxa, desconstruindo estereótipos. “Muita gente ainda acredita que homens podem ser profissionais, líderes e ter filhos, mas que as mulheres têm de escolher entre uma vida e outra. Desculpe, mas eu discordo.”
Braço direito de Mark Zuckerberg e mãe de dois filhos, a moça, de 43 anos, tem currículo invejável. Formada por Harvard, foi conselheira do Tesouro americano e trabalhou no Google antes de, em 2008, ir parar em uma das empresas mais promissoras do século 21. Não sem ultrapassar obstáculos no caminho, inclusive dificuldades relacionadas ao gênero. “Não aconteceriam caso mais mulheres estivessem em cargos de poder.”
Sheryl conversou com a coluna, por telefone, de Palo Alto. O tempo? Trinta minutos – contados no relógio e voltados somente a seu livro. De maneira didática, discursou sobre dados especialmente coletados para a edição brasileira (publicada pela Companhia das Letras). Entre eles, o “gap salarial” entre homens e mulheres que desempenham a mesma função.
Indagada sobre as críticas feitas ao livro – como, por exemplo, de que ela olha o mundo de uma posição privilegiada –, Sheryl não titubeia: “As mulheres não precisam fazer o que eu fiz. Mas uma mulher que trabalha em uma loja, ao lado de um homem, merece ganhar o mesmo que ele”. A executiva tampouco defende a maneira “masculinizada” de algumas executivas: “Não sou assim”, conta. “Eu choro!”
E o “efeito Sandberg”, ao que parece, alcançou o Brasil. Julia Bussius (editora que cuidou da versão nacional de Faça Acontecer) conta que o livro já causa impacto em muitas mulheres. “Acho que o mais importante é falar sobre o assunto”, diz ela.
A seguir, os melhores momentos da entrevista:
Você fez muita pesquisa sobre as brasileiras para a edição do livro publicado aqui. A que conclusões chegou?
Para começar, vocês têm uma mulher no comando do País. Isso é fantástico. Uma das razões pelas quais escrevi o livro é porque, falando para a minha filha sobre os presidentes americanos, ela me perguntou: “Mãe, por que eles são todos meninos?”. Isso aos 4 anos de idade. Então, ter uma mulher no comando e no Congresso é um grande avanço. Vendo por essa perspectiva, vocês estão na frente dos EUA. Nunca tivemos uma presidente mulher.
Que semelhanças encontrou nas dificuldades das mulheres em diferentes países?
Acho que as questões das mulheres no mercado de trabalho são bem universais. Fiz pesquisas locais para cada edição do livro, com as singularidades de cada país, e, a partir disso, pude perceber que muitos dos conflitos são parecidos. Não há um país no mundo que não tenha homens em 95% dos cargos de CEO. Mulheres encontram barreiras internas e externas para crescer em qualquer canto do mundo. Faça Acontecer é sobre priorizar a agenda feminina nas lideranças. É para trazer à tona a questão da paridade salarial. Precisamos falar sobre isso.
No livro, você fala sobre as barreiras internas das mulheres, como a incapacidade de se colocar no ambiente de trabalho, por exemplo. Acredita que as sociedades estão prontas para mulheres em posições de comando?
Sim! Deixe-me ser justa. Sei que existem muitas barreiras externas. Há pouca flexibilidade nos horários das empresas para as mulheres, falta de oportunidades, políticas sociais. Não acho que são só questões de sabotagens internas. Entretanto, isso não mudará enquanto não houver mulheres em posições importantes. Só as mulheres “consertarão” as barreiras exteriores. As coisas só podem mudar a partir de nós. O magnata Warren Buffett afirma que só foi tão bem sucedido porque competiu com metade da população (risos). Acho que as pessoas estão reconhecendo essa outra metade agora.
Você diz que mulheres que não fogem do estereótipo acabam não sendo valorizadas profissionalmente. E as que adotam características masculinas são mal vistas pessoalmente. Existe um modo de ser líder com as chamadas características femininas?
Eu mesma não sou uma mulher que segue esse estereótipo de líder com características masculinas. Eu choro! Definitivamente, não digo que mulheres têm de ser como homens. O que digo é que posições de liderança podem ser ocupadas tanto por homens quanto por mulheres.
Outro estereótipo que você desconstrói é o de que as mulheres em posições de poder abandonam a vida pessoal.
É tudo questão de reputação. Vivemos em um mundo em que homens podem usar a palavra “e” e nós, mulheres, temos de usar a palavra “ou”. Todo mundo acredita que homens podem ser profissionais, líderes e ter filhos. Já as mulheres têm de escolher. Discordo. Vamos ser claras. Mais da metade da população que sustenta os filhos no Brasil é de mulheres. Elas estão trabalhando full time. São, sim, trabalhadoras e mães. Então, acho que a imagem da mulher no mundo tem de ser fiel à realidade. Temos de adotar nossos dois lados. E ajudar outras mulheres a fazerem o mesmo.
Você defende a paridade salarial entre os sexos. Por que elas ainda ganham menos?
Tradicionalmente, em todas as culturas, trabalhos feitos por mulheres são menos valorizados do que os realizados por homens. Na mesma profissão. E os salários refletem isso. Existe um gap salarial em todos os lugares do mundo. No Brasil, a diferença está entre 13% e 30%. Isso é uma das coisas que as mulheres precisam mudar. Eu sempre digo – e sei que é difícil em diferentes culturas, como no Brasil, onde isso não é comum – que homens têm de fazer mais tarefas domésticas. Se fizerem, valorizarão mais.
Barack Obama defendeu a paridade salarial em sua campanha, dizendo que suas filhas mereciam ganhar o mesmo que homens no futuro. Michelle Obama é uma primeira-dama muito ativa. Acha que ela é um exemplo?
Michelle é um excelente exemplo de mulher forte. Uma mulher que tem questões dela e trabalha em seus próprios termos.
Concorda que mulheres fortes assustam os homens?
Sempre digo que o homem certo é o que aprecia a força da mulher. Por isso, temos de lutar contra essa suposição estereotipada de que “homens conduzem e mulheres seguem”. Isso acontece desde sempre. Somos criadas para sermos bonitas como nossas mães, enquanto os meninos são educados para serem inteligentes, como os pais. Isso nos impede de ocupar cargos de poder e faz com que homens tenham medo de mulheres fortes.
Uma das mensagens que você mais levanta em suas conferências é o da antecipação feminina de responsabilidades, como a maternidade. Isso é uma das maiores dificuldades das mulheres?
Não estou dizendo que mulheres precisam buscar inclinar-se sobre a carreira pelo resto da vida. Nem que, se você tiver um filho, não é uma boa ideia trabalhar em casa durante um tempo. O que digo é que, cinco anos antes de ter um filho, não é hora de desacelerar. Porque, se você apostar na carreira, será mais valorizada na empresa; e, quando tiver um filho, a empresa será mais flexível. Você terá mais chance de uma licença maternidade tranquila.
Como?
Viajando para divulgar o livro, sempre pergunto se as mulheres, em suas empresas, almejam ser CEOs. A maioria diz “não”. A justificativa? Elas têm filhos. Sempre rebato com uma pergunta instigante: “Quem estabelece os horários das empresas?”. Os CEOs. Se elas fossem chefes, estabeleceriam os horários. Eu, por exemplo, vou embora às 17h30. Então, não é que não tenho reuniões às 18h. Ninguém que trabalha comigo tem. Então, não se antecipe em uma responsabilidade que você ainda não tem. Pise no acelerador.
Uma das críticas a seu livro é que você escreve de uma posição privilegiada. Estudou em Harvard, tem infraestrutura em casa. O que acontece com as mulheres que não dispõem desse pacote? Elas não podem se sentir culpadas por não conseguir conciliar as coisas da mesma maneira?
Eu me sinto afortunada por tudo que tenho. Mas a mensagem do livro é para buscarmos igualdade em todos os níveis. Não digo que todas as mulheres do mundo têm de fazer o que eu fiz. Mas uma mulher que trabalha em uma loja, ao lado de um homem, merece ganhar o mesmo que ele. Precisamos lutar por isso. As mulheres precisam ter mais autoconfiança, coragem para pedir aumento. Isso vale para qualquer classe social e cultural.
Pretende concorrer a algum cargo público?
Não. Amo meu trabalho e também o que estou fazendo com este livro. Quero continuar os dois. Quero ver mais mulheres em reuniões, governos. Podemos fazer isso!
Vai escrever outro livro?
Não. Só queria escrever este mesmo./MARILIA NEUSTEIN
Nenhum comentário:
Postar um comentário