Rafael Barifouse
Em São Paulo e outras cidades do país, moradores de diversas origens e classes sociais começam a se juntar e sair às ruas. Em comum, estes movimentos têm um objetivo que parece simples, mas que dá bastante trabalho para ser conquistado: tornar os espaços públicos mais agradáveis.
Se você aceitar o convite destes grupos, poderá plantar flores nos canteiros de uma avenida, participar de debates e oficinas na praça, fazer performances às margens de um rio, cuidar de uma horta comunitária ou dançar embaixo de um viaduto madrugada adentro.
"Fazer isso é importante, porque a vida pública está morta", diz a arquiteta Laura Sobral, de 29 anos, que se casou na rua, em pleno Largo da Batata, no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.
É uma excentricidade que fez todo o sentido para Laura. Ela criou há pouco mais de um ano, junto com amigos e vizinhos, o coletivo "A Batata Precisa de Você" e passou a organizar atividades neste local.
No passado, o Largo da Batata teve papel importante no surgimento da cidade, servindo como entreposto comercial para a capital e o interior. Quando Laura decidiu realizar eventos semanais por lá, uma grande reforma no Largo que custou R$ 150 milhões e tomou mais de 11 anos acabara de ser finalizada. O resultado, no entanto, desagradou alguns moradores da região - inclusive a arquiteta.
"Você não vê onde foi parar tanto investimento. Este era um local de caráter popular, e a obra acabou com este espírito. Virou um deserto, rota de passagem. Por isso, decidimos estar aqui toda semana", disse ela na última sexta-feira de abril, pouco antes de dar início a mais um evento do coletivo.
Naquele dia, haveria uma tenda para estampar camisetas, intervenções artísticas na calçada, um debate e um baile de forró para fechar a noite. Também já foram instalados no Largo jardins, bancos, uma mesa de pingue-pongue e uma cobertura feita com guarda-sóis.
"Este tipo de ação gera conflito, dá trabalho, exige manutenção, mas é isso que a gente acredita que é a vida na cidade", explica Laura, que planeja realizar atividades também em outros pontos da cidade.
Margareth Uemura, coordenadora de urbanismo do Instituto Pólis, ONG voltada para o estudo de políticas públicas, explica que ações desta natureza ocorrem há tempos nas periferias diante da ausência de projetos de urbanização. Mas ganharam mais destaque a partir do momento que passaram a ser realizadas também nas áreas centrais da cidade.
"Trata-se de um amadurecimento histórico. Desde a nova Constituição, foram sendo criados instrumentos democráticos de maior participação popular. Assim, o cidadão começa a entender que tem voz, e o poder público - que ainda tem o dever de zelar pela cidade - entende que pode compartilhar esta gestão", afirma Uemura.
A polêmica do capim santo
A alguns quilômetros do Largo, em uma rua pacata do bairro City Lapa, a nutricionista Neide Rigo, de 53 anos, também enfrentou muita briga para fazer sua horta comunitária vingar.
Ela e uma vizinha resolveram transformar um terreno baldio, tomado por lixo e mato, e foram de porta em porta na vizinhança em busca de apoio. "No começo, não teve muita adesão. Mas, quando pegamos na enxada, os vizinhos começaram a se juntar a nós", relembra ela.
A meta inicial de limpar o terreno acabou virando algo mais ambicioso. Hoje, ali há mais de cem espécies, entre plantas aromáticas, ervas, legumes, verduras. A iniciativa, no entanto, gerou confusão.
"Certos vizinhos diziam que ali não era lugar de horta, mas a gota d’água foi quando tiramos um capim alto que nascia na calçada e substituímos por capim santo. Isso revoltou alguns moradores. Diziam que estávamos atrapalhando a acessibilidade, que o capim ia raspar nas pernas das pessoas", afirma Neide. "Mas nunca ninguém havia reclamado deste terreno antes ou da falta de calçada na parte debaixo dele."
No entanto, a disputa teve um final feliz. O capim santo foi de fato removido, mas a horta ficou e, com a polêmica, a subprefeitura enviou operários para recuperar a calçada existente e pavimentar outros trechos.
"Neste ponto, tenho que agradecer a quem foi contra. Por isso, eu aconselho: se há um problema na sua rua, vá lá e plante capim santo. Isso atrairá olhares para o que está errado", diz Neide, que vê com bons olhos iniciativas semelhantes que vem sendo realizadas na cidade.
"A minha geração se encastelou. Mas está surgindo uma nova geração menos medrosa, que sabe que o caminho para termos uma cidade mais humana é as pessoas de bem ocuparem os espaço públicos, de onde elas nunca deveriam ter saído."
Canteiros renovados
Assim como no caso de Neide, as plantas também foram as ferramentas usadas na intervenção promovida pelo português Tomas Tojo, de 24 anos, no Centro de São Paulo.
O coletivo do qual ele faz parte, o Green SP, revitaliza canteiros e, em um domingo de abril, executou seu projeto mais ambicioso até então: plantar 1,2 mil mudas na Avenida São Luis.
O grupo de voluntários naquele dia começou pequeno, mas foi crescendo ao longo da manhã. Leonides Abdala, de 72 anos, mora no interior e, hospedada na casa de um familiar na avenida, ficou curiosa ao se deparar com a movimentação na rua.
"Quando fui para a Espanha, vi cidades muito floridas. Sempre quis que São Paulo fosse assim também. Por isso, decidi participar", afirma ela.
Já a publicitária Andréa Pagni, de 42 anos, soube do projeto pelo rádio e, acompanhada por seu filho, saiu de manhã bem cedo de casa, no bairro de Santo Amaro, na zona sul, a vários quilômetros de distância do Centro, para colaborar.
"Iniciativas como esta fazem falta na cidade. Não podemos só ficar esperando uma atitude do governo. Também temos que ajudar a deixar São Paulo mais bonita, e trouxe meu filho para dar este exemplo", diz Andrea.
Casos assim reforçam em Tomás a crença de que as pessoas "cada vez mais querem estar na rua e ocupar um espaço que é delas".
"Temos que ser proativos e resgatar este senso de coletividade", afirma ele. "O processo exige muita logística. Foram necessários quatro meses de planejamento. E, como nós temos poucos recursos, dependemos da boa vontade de muitas pessoas."
Menos medo e violência
Entretanto, nem tudo é sempre bem recebido por todos. As festas que vinham sendo realizadas aos fins de semana em um túnel interditado para carros no Centro, conhecida como Buraco da Minhoca, foram proibidas.
Primeiro, os moradores reclamaram, e a Polícia Militar interveio. Mas a Prefeitura deu seu aval, desde que fossem seguidas algumas regras. No entanto, em março, o Ministério Público determinou o fechamento do espaço com portões. Agora, coletivos fazem um abaixo assinado para que atividades culturais voltem a ser liberadas ali.
Com diferentes graus de sucesso – e receptividade -, estas ações de coletivos em espaços públicos vêm ocorrendo não só em São Paulo, mas em outras cidades brasileiras. Há o Grupo Poro, em Belo Horizonte, o OPAVIVARÁ!, no Rio, o Cidade Baixa Em Alta, em Porto Alegre, e o Salvador Meu Amor, na capital baiana.
Também é o caso de Recife, em Pernambuco, de onde veio o coletivo Praias do Capibaribe, criado em 2011, para participar dos eventos no Largo da Batata. Na semana seguinte, foi a vez do "Batata" ir para Recife para se juntar às ações promovidas pelo grupo de Recife às margens do rio Capibaribe.
"Desta forma, percebemos que nossa causa não é só local. Há os mesmos problemas em outras cidades também. Em Recife, tentamos revitalizar as margens do Capibaribe e, aqui em São Paulo, o mesmo poderia ser feito nos rios Tietê e Pinheiros, por exemplo", diz a arte-educadora Bruna Pedrosa, de 32 anos, uma das idealizadoras da iniciativa.
"Estar mais na rua é importante, porque reduz o medo, o preconceito, a violência. Tentamos fazer a nossa parte para melhorar a vida na cidade e incentivamos que outros façam o mesmo."
Nenhum comentário:
Postar um comentário