04/05/2015 por Pedro Lenza
Nos termos do art. 228 da CF/88, são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial.
Pela regra constitucional, portanto, os menores de 18 anos não estão sujeitos ao Código Penal, mas, na forma do art. 227, § 3.º, IV, à legislação tutelar específica, no caso, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n. 8.069/90), respondendo por atos infracionais.
Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal (art. 103, ECA). Verificada a sua prática, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente uma das medidas socioeducativas previstas no art. 114 do referido estatuto.
A maioridade penal, seja na tradição de outros países, seja no próprio Brasil, normalmente, está prevista em legislação infraconstitucional.
Para conhecimento, analisando o direito brasileiro, de acordo com o art. 10, item 1.º, do Código Criminal de 1830, não eram julgados “criminosos” os menores de 14 anos. Contudo, se provado que os menores de 14 anos tivessem cometido o crime com discernimento, seriam recolhidos presos às “casas de correção” pelo tempo que o Juiz decidisse, até a idade máxima de 17 anos.
Por sua vez, o art. 27, §§ 1.º e 2.º, do Código Republicano de 1890 (Código Penal – Decreto 847/1890), não eram considerados “criminosos” os menores de 9 anos completos e os maiores de 9 e menores de 14, que tivessem praticado o crime sem discernimento. Por outro lado, nesse último caso, se o ato tivesse sido praticado com discernimento, seriam recolhidos “a estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo a ser fixado pelo magistrado, não podendo a prisão exceder a idade de 17 anos” (art. 30).
Em seguida, mantendo a tradição de previsão da matéria em legislação infraconstitucional, o Código Penal em vigor (Decreto-lei 2.848/1940), em seu art. 23 (estando atualmente a regra no art. 27), definiu a inimputabilidade penal para os menores de 18 anos.
Como se disse, a partir de 1988, com a promulgação da Constituição, a regra ganhou status constitucional, passando a depender de emenda para a sua alteração.
No plano internacional, destacamos as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça, da Infância e da Juventude (Regras de Beijing – 1985). De acordo com o seu art. 4.1, “nos sistemas jurídicos que reconheçam o conceito de responsabilidade penal para jovens, seu começo não deverá fixar-se numa idade demasiado precoce, levando-se em conta as circunstâncias que acompanham a maturidade emocional, mental e intelectual”.
Observa-se, assim, no direito internacional, a não indicação de uma idade mínima, cabendo aos Estados a sua definição, apenas não podendo ser demasiadamente precoce.
Nesse contexto, José Afonso da Silva definiu a imputabilidade penal como sendo a “condição de saúde e de idade da pessoa que lhe confere entendimento suficiente para compreender que sua conduta pode ser, ou não, delituosa” (Comentário contextual à Constituição, 9. ed., Malheiros, p. 884).
Pois bem, isso posto, resta saber se esse critério objetivo de idade pode ou não ser modificado, destacando-se a discussão na PEC 171/1993, que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.
Reconhecendo a natureza de direito e garantia fundamental mesmo fora do catálogo do art. 5.º, CF/88 (aliás, nesse sentido já decidiu o STF – ADI 939, Min. Sydney Sanches), resta saber se a regra do art. 228 esbarra ou não na cláusula pétrea dos “direitos e garantias individuais” prevista no art. 60, § 4.º, IV, “d”.
Embora parte da doutrina sustente de modo distinto, para nós é perfeitamente possível a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, uma vez que a Constituição, ao estabelecer os limites materiais ao poder de reforma, apenas não admite a proposta de emenda (PEC) tendente a abolir direito e garantia individual.
Essa previsão de limites materiais, à exceção dos textos de 1824 e 1937, é constante em todas as Constituições pátrias: a) 1891: fixando pela primeira vez, não admitia projetos tendentes a abolir a forma republicano-federativa, ou a igualdade da representação dos Estados no Senado; b) 1934, 1946, 1967, EC n. 1/69: não admitiam projetos tendentes a abolir a Federação ou a República; c) 1988: ampliou as hipótese das denominadas cláusulas pétreas.
Interessante observar que em todas Constituições não se admitiam as PECs que “tendessem a abolir” as matérias ali indicadas e não as que tratassem dos temas.
Nesse sentido já interpretou o STF ser possível a alteração de matéria definida como cláusula pétrea desde que seja mantido o seu núcleo essencial (cf. MS n. 20.257, j. 08.10.1980, discutindo PEC que aumentou o prazo de mandato parlamentar; MS 23.047, ADI 2.024, ADI 3.105, ADI 3.128, análise da “reforma da previdência”; ADI 3.367, CNJ e separação de poderes).
Refletindo esse entendimento, como bem anotou Barroso, “a locução ‘tendente a abolir’ deve ser interpretada com equilíbrio. Por um lado, ela deve servir para que se impeça a erosão do conteúdo substantivo das cláusulas protegidas. De outra parte, não deve prestar-se a ser uma inútil muralha contra os ventos da história, petrificando determinado status quo. A Constituição não pode abdicar da salvaguarda de sua própria identidade, assim como da preservação e promoção de valores e direitos fundamentais; mas não deve ter a pretensão de suprimir a deliberação majoritária legítima dos órgãos de representação popular, juridicizando além da conta o espaço próprio da política. O juiz constitucional não deve ser o prisioneiro do passado, mas militante do presente e passageiro do futuro” (Curso de direito constitucional, 5.ª ed., Saraiva, p. 203. Nesse sentido a permitir a alteração, desde que preservado o núcleo essencial, cf., dentre outros, Ingo Sarlet, Daniel Sarmento, Gilmar Mendes etc.).
A sociedade evoluiu, e, atualmente, uma pessoa com 16 anos de idade tem total consciência de seus atos, tanto é que exerce os direitos de cidadania, podendo propor a ação popular e votar (cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de direito constitucional, 32. ed., p. 373).
Não estamos nesse momento a analisar o papel da “pena”, a questão das penitenciárias no Brasil. Esse é um outro problema, de natureza sociológica, psicológica, política. Estamos a sustentar a possibilidade de redução da maioridade penal por emenda, sem que isso enseje afronta à Constituição. O núcleo central de proteção estará preservado. Observaremos a adequação do texto constitucional à evolução social. Se, contudo, os representantes do povo não entenderem a conveniência política, rejeitarão a proposta. Mas, como se disse, essa análise deixará de ser jurídica.
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