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segunda-feira, 18 de maio de 2015

A redução da maioridade penal é constitucional? Não

04/05/2015 por Guilherme Peña de Moraes

A questão da constitucionalidade, ou não, da PEC n° 171, de 19 de agosto de 1993, que dispõe acerca da imputabilidade penal dos maiores de dezesseis anos, tem a ver com a extensão e profundidade da cláusula pétrea sobre a qual versam os arts. 60, § 4°, inc. IV, e 228 da Constituição da República.

Por isso, o texto é dividido em três partes. Os “direitos e garantias individuais” são reconhecidos na primeira, sobretudo a proteção dos direitos fundamentais dos adolescentes. A segunda é relativa à limitação material explícita ao poder constituinte reformador que proíbe a deliberação de proposta de emenda “tendente a abolir” o cerne imodificável da Constituição. Os argumentos da inconstitucionalidade da redução da maioridade penal no Brasil são revelados na última.

1. Extensão da Cláusula Pétrea
Definidas como formalidades que asseguram o exercício dos direitos individuais, pelo mecanismo da coerção, de condutas contra eles direcionadas a permanecerem nos limites do ordenamento jurídico, com a finalidade de preservar os seus titulares de violações de qualquer natureza, as garantias individuais são protegidas contra a reforma da Constituição, em consonância com o art. 60, § 4°, inc. IV.

Temos o entendimento de que a cláusula pétrea, no mínimo, contém as garantias individuais da legalidade (art. 5º, inc. II), certidão (art. 5º, inc. XXXIII), petição (art. 5º, inc. XXXIV), inafastabilidade do controle judicial (art. 5º, inc. XXXV), irretroatividade da lei (art. 5º, inc. XXXVI), juiz natural (art. 5º, inc. XXXVII), individualização da pena (art. 5º, inc. XLVI), devido processo legal (art. 5º, inc. LIV), contraditório, ampla defesa (art. 5º, inc. LV), proibição da prova ilícita (art. 5º, inc. LVI), presunção de inocência (art. 5º, inc. LVII), publicidade do ato processual (art. 5º, inc. LX), comunicabilidade da prisão (art. 5º, inc. LXII), afiançabilidade do delito (art. 5º, inc. LXVI), assistência jurídica (art. 5º, inc. LXXIV), razoável duração do processo (art. 5º, inc. LXXVIII) e, bem assim, a inimputabilidade penal dos adolescentes, de forma a sujeitá-los às medidas de advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e/ou internação em estabelecimento educacional previstas na legislação socioeducativa.

2. Profundidade da Cláusula Pétrea
A partir da consideração de que à matéria a qual se refere o art. 228 é deferida proteção normativa contra a reforma constitucional, sobreleva a questão do limite além do qual a propositura legislativa que se pretenda deliberar possa ser tendente a aboli-la.

Nesse sentido, a fórmula “tendente a abolir” há de ser interpretada com moderação. Ela não pode expor os princípios básicos da ordem constitucional, que lhe conferem identidade. Todavia, ela não deve obstar a decisão majoritária dos órgão de representação popular que tenham a legítima pretensão de ajustar a Constituição à realidade que lhe é subjacente. A cláusula pétrea, que não resulta na intocabilidade dos enunciados linguísticos da Constituição, tem o condão de impedir a deliberação de proposta de emenda que possa importar em descaracterização do núcleo essencial do bem jurídico tutelado por ela.

No tocante à inimputabilidade penal dos menores de dezoito anos, em essência, as medidas socioeducativas cominadas aos atos infracionais análogos aos crimes e contravenções penais, quanto aos autores do fato, adolescentes em conflito com a lei, devem respeitar a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Pelo sistema biológico, as penas de reclusão, detenção e multa podem ser aplicadas, isolada ou cumulativamente, às pessoas que não sejam destinatárias da proteção oferecida pela legislação juvenil,  que lhes defere preferência na formulação de políticas públicas de promoção social.

3. Redução da Maioridade Penal
As omissões do Estado em debelar a fome, garantir o acesso universal à rede dos serviços públicos, em especial, saúde e educação, e promover a emancipação sustentada das famílias em situação de extrema pobreza e, de outro lado, as ações de     violência, física ou psíquica, que, perpetradas por indivíduos, ou mesmo por organizações, provocam o medo, cooptam os adolescentes e intimidam a sociedade, formam o pano de fundo da explosão da criminalidade no Brasil e, por via de consequência, da PEC n° 171, de 19 de agosto de 1993, que gira em torno da imputabilidade penal do maior de dezesseis anos.

Conquanto a propositura legislativa, desvinculada da implementação de políticas públicas de segurança e administração da justiça penal, não se nos afigure efetiva para a repressão da delinquência juvenil, a proposta de emenda foi admitida,   em 31 de março de 2015, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, que, em 7 de abril de 2015, procedeu à instalação da Comissão Especial de que tratam os arts. 34, inc. I, e 202, § 2o, do seu Regimento Interno.

Dentro dessa perspectiva, em que pese a opinião de alguns dos mais festejados autores do País (SILVA, Denis Cortiz da. A Possibilidade Jurídica da Diminuição da Maioridade Penal no Brasil. Disponível em: http://jus.com.br. Acesso em: 21.04.2015; ANDRADE FILHO, Arício da Silva. A Constitucionalidade da Redução do Termo Inicial da Maioridade Penal. Disponível em: http://www.nenoticias.com.br. Acesso em: 21.04.2015, e LEIRIA, Cláudio da Silva. Redução da Maioridade Penal: por que não?. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br. Acesso em: 21.04.2015), a propositura legislativa, por força de dois argumentos, é inconstitucional.

A um, porque a maioridade penal é objeto da cláusula pétrea em epígrafe e, portanto, inderrogável. O limite material explícito ao poder constituinte reformador,  que reúne o grau máximo de entrincheiramento de normas jurídicas, nesse contexto, desvela os valores fundamentais que devem ser preservados de maiorias transitórias.

A dois, mesmo que aceita a flexibilização de direitos e garantias individuais, que, destarte, não seriam considerados como dogmas, expostos à possibilidade de reformas constitucionais que não fossem tendentes a aboli-los, porque o núcleo essencial da cláusula pétrea sob exame é atingido, em última instância. A proteção integral dos adolescentes, entendidos como tais os menores de dezoito anos, nessa ordem de ideias, ocupa o núcleo dos institutos cuja preservação nelas se protege. Descaracterizado o núcleo essencial da incapacidade de culpabilidade das pessoas em desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em benefício das quais o poder constituinte originário conferiu a proteção integral, forçoso é reconhecer a inconstitucionalidade da redução da maioridade penal que ora se propõe.

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