Com o slogan "As Vidas das Pessoas Negras Importam", Alicia Garza, Patrisse Cullors e Opal Tometi deram nova cara ao movimento por direitos civis no país: 'o amor é o que vai nos levar a mudar o mundo em que vivemos'
Após o assassinato de Walter Scott, um homem negro, por um policial branco na Carolina do Sul (link), a revista norte-americana Time chegou às bancas na segunda semana de abril com uma capa dominada por letras garrafais: “Black Lives Matter” – “As Vidas das Pessoas Negras Importam”, em tradução livre. O slogan #BlackLivesMatter penetrou no vocabulário moderno dos Estados Unidos. É o grito de guerra de um movimento que começou a atrair a atenção do mundo depois de a polícia matar o jovem negro Michael Brown, em Ferguson, Missouri, em julho do ano passado. Mas #BlackLivesMatter começou antes de Ferguson.
Quando o ex-vigia George Zimmerman foi inocentado das acusações de homicídio depois de matar o adolescente negro Trayvon Martin, em julho de 2013, Alicia Garza, de Oakland, na Califórnia, expressou sua raiva e tristeza através do Facebook. Garza, 34 anos, é ativista e já se dedicava há anos à luta contra o racismo. Ela havia liderado movimentos ativistas na área da Baía de São Francisco, tanto em esforços para expor e acabar com a violência policial como em ações para garantir transporte público gratuito para jovens. Atualmente, Garza é diretora de projetos especiais da Aliança Nacional de Trabalhadoras Domésticas, onde ela se empenha em proteger os direitos de mulheres negras que trabalham em funções como serviços de limpeza, babá e cuidadora.
Garza diz que o momento em que acessou a mídia social, depois do anúncio do veredicto de Zimmerman, foi um abrir de olhos. Ela foi bombardeada com comentários derrotistas de amigos, que perguntavam “O que você esperava?” ou decretavam “Eu sabia que eles nunca iriam condená-lo”. Todos esses comentários apontavam para a mesma coisa: é considerado aceitável que garotos e homens negros desarmados sejam mortos sem que isso tenha consequências.
Garza sabia que o sistema de justiça criminal não iria enfrentar o problema. Para preencher essa lacuna, ela e as amigas Patrisse Cullors e Opal Tometi fundaram o movimento #BlackLivesMatter para provocar discussões de âmbito nacional sobre o modo como as vidas das pessoas negras são desconsideradas nos Estados Unidos e o que as pessoas podem fazer para mudar isso. “Nós realmente sentíamos que precisava haver um espaço a que as pessoas poderiam recorrer, e que não culpasse as pessoas negras por condições que nós não criamos”, explica Garza.
“Quando nós começamos, #BlackLivesMatter era uma série de plataformas em mídias sociais que conectava pessoas na internet para agirem juntas fora da web”, diz Garza. Na época, as três mulheres estavam envolvidas na rede Black Organizing for Leadership and Dignity – BOLD (Pessoas Negras Organizadas para a Liderança e a Dignidade, em tradução livre). O acesso a essa rede nacional ajudava sua mensagem a ser passada rapidamente, e logo organizações de ativistas por todo o país estavam usando o slogan #BlackLivesMatter para lançar luz sobre incidentes pouco noticiados sobre pessoas negras agredidas ou mortas pela polícia.
Agora, mais de três anos depois da morte de Trayvon Martin, a frase se tornou um grito de guerra para uma nova onda de resistência em lugares como Ferguson, Staten Island, em Nova York, e Baltimore, em Maryland, depois que a polícia matou Michael Brown, Eric Garner e Freddie Gray em cada uma dessas cidades. E é mais do que uma hashtag – é um movimento por direitos civis.
O #BlackLivesMatter inspirou o debate nacional sobre raça, preconceito e violência policial. Garza viu algumas dessas discussões em primeira mão quando viajou para Ferguson como participante da Jornada Black Lives Matter.
A jornada reuniu mais de 500 pessoas negras de várias partes do país em Ferguson, onde os participantes ofereceram suas habilidades e conhecimento para a causa, incluindo ajuda médica, assistência legal e consultoria e apoio para o novo núcleo do movimento criado na cidade após a morte de Michael Brown.
“Foi incrível”, diz Garza. “Pessoas negras de todas as esferas vindo juntas para amar umas às outras, comprometidas com nossa transformação coletiva.”
Um dos motivos de o #BlackLivesMatter ter se espalhado para tão longe é o fato de ser mais inclusivo do que a maioria dos movimentos tradicionais em prol dos direitos civis. “Nossa diversidade é um componente importante”, diz Garza. “Nós discordamos de um modelo que tenha por base seguir um líder carismático, em geral um homem heterossexual.”
Líderes do movimento incluem, por exemplo, muitas mulheres negras e não-heterossexuais. Em parte por causa dessa diversidade, #BlackLivesMatter está mudando o cenário do novo movimento por direitos civis nos Estados Unidos.
Há idosos, mães e seus filhos, pessoas não-heterossexuais, todas unidas em torno deste movimento e determinadas a levar as vidas das pessoas negras para o centro da conversa e exigir que suas vozes sejam ouvidas. “O amor é o que nos sustenta ao longo de todas as dificuldades que surgem com este trabalho. Mesmo o amor pelas pessoas que discordam”, diz Garza. “No fim das contas, o amor é o que vai nos levar a um lugar onde possamos mudar o mundo em que vivemos.”
Todas estão unidas em torno de um conceito básico: as vidas das pessoas negras importam. E seja nas nossas interações simples e diárias ou com nossas maiores instituições governamentais, todas as vidas devem ser valorizadas.
Embora seu trabalho requeira que ela viaje frequentemente, Garza diz que a unidade do movimento #BlackLivesMatter em Oakland ainda é o seu lar. Duas vezes por mês, o grupo se encontra para se organizar em torno de tópicos como educação política, fé e espiritualidade, estratégia do movimento em longo prazo e planos de ação direta.
“É um lugar maravilhoso para ver novos líderes do movimento surgindo e membros apoiando e nutrindo um ao outro”, diz Garza. “E para ver a negritude celebrada e valorizada.”
Tradução: Maria Teresa de Souza
Matéria original publicada no site da revista norte-americana YES! Magazine.
Opera Mundi
Após o assassinato de Walter Scott, um homem negro, por um policial branco na Carolina do Sul (link), a revista norte-americana Time chegou às bancas na segunda semana de abril com uma capa dominada por letras garrafais: “Black Lives Matter” – “As Vidas das Pessoas Negras Importam”, em tradução livre. O slogan #BlackLivesMatter penetrou no vocabulário moderno dos Estados Unidos. É o grito de guerra de um movimento que começou a atrair a atenção do mundo depois de a polícia matar o jovem negro Michael Brown, em Ferguson, Missouri, em julho do ano passado. Mas #BlackLivesMatter começou antes de Ferguson.
Quando o ex-vigia George Zimmerman foi inocentado das acusações de homicídio depois de matar o adolescente negro Trayvon Martin, em julho de 2013, Alicia Garza, de Oakland, na Califórnia, expressou sua raiva e tristeza através do Facebook. Garza, 34 anos, é ativista e já se dedicava há anos à luta contra o racismo. Ela havia liderado movimentos ativistas na área da Baía de São Francisco, tanto em esforços para expor e acabar com a violência policial como em ações para garantir transporte público gratuito para jovens. Atualmente, Garza é diretora de projetos especiais da Aliança Nacional de Trabalhadoras Domésticas, onde ela se empenha em proteger os direitos de mulheres negras que trabalham em funções como serviços de limpeza, babá e cuidadora.
Garza diz que o momento em que acessou a mídia social, depois do anúncio do veredicto de Zimmerman, foi um abrir de olhos. Ela foi bombardeada com comentários derrotistas de amigos, que perguntavam “O que você esperava?” ou decretavam “Eu sabia que eles nunca iriam condená-lo”. Todos esses comentários apontavam para a mesma coisa: é considerado aceitável que garotos e homens negros desarmados sejam mortos sem que isso tenha consequências.
Garza sabia que o sistema de justiça criminal não iria enfrentar o problema. Para preencher essa lacuna, ela e as amigas Patrisse Cullors e Opal Tometi fundaram o movimento #BlackLivesMatter para provocar discussões de âmbito nacional sobre o modo como as vidas das pessoas negras são desconsideradas nos Estados Unidos e o que as pessoas podem fazer para mudar isso. “Nós realmente sentíamos que precisava haver um espaço a que as pessoas poderiam recorrer, e que não culpasse as pessoas negras por condições que nós não criamos”, explica Garza.
“Quando nós começamos, #BlackLivesMatter era uma série de plataformas em mídias sociais que conectava pessoas na internet para agirem juntas fora da web”, diz Garza. Na época, as três mulheres estavam envolvidas na rede Black Organizing for Leadership and Dignity – BOLD (Pessoas Negras Organizadas para a Liderança e a Dignidade, em tradução livre). O acesso a essa rede nacional ajudava sua mensagem a ser passada rapidamente, e logo organizações de ativistas por todo o país estavam usando o slogan #BlackLivesMatter para lançar luz sobre incidentes pouco noticiados sobre pessoas negras agredidas ou mortas pela polícia.
Marcha do movimento Black Lives Matter em Oakland em dezembro de 2014
Daniel Arauz / Flickr CC |
O #BlackLivesMatter inspirou o debate nacional sobre raça, preconceito e violência policial. Garza viu algumas dessas discussões em primeira mão quando viajou para Ferguson como participante da Jornada Black Lives Matter.
A jornada reuniu mais de 500 pessoas negras de várias partes do país em Ferguson, onde os participantes ofereceram suas habilidades e conhecimento para a causa, incluindo ajuda médica, assistência legal e consultoria e apoio para o novo núcleo do movimento criado na cidade após a morte de Michael Brown.
“Foi incrível”, diz Garza. “Pessoas negras de todas as esferas vindo juntas para amar umas às outras, comprometidas com nossa transformação coletiva.”
Um dos motivos de o #BlackLivesMatter ter se espalhado para tão longe é o fato de ser mais inclusivo do que a maioria dos movimentos tradicionais em prol dos direitos civis. “Nossa diversidade é um componente importante”, diz Garza. “Nós discordamos de um modelo que tenha por base seguir um líder carismático, em geral um homem heterossexual.”
Líderes do movimento incluem, por exemplo, muitas mulheres negras e não-heterossexuais. Em parte por causa dessa diversidade, #BlackLivesMatter está mudando o cenário do novo movimento por direitos civis nos Estados Unidos.
Há idosos, mães e seus filhos, pessoas não-heterossexuais, todas unidas em torno deste movimento e determinadas a levar as vidas das pessoas negras para o centro da conversa e exigir que suas vozes sejam ouvidas. “O amor é o que nos sustenta ao longo de todas as dificuldades que surgem com este trabalho. Mesmo o amor pelas pessoas que discordam”, diz Garza. “No fim das contas, o amor é o que vai nos levar a um lugar onde possamos mudar o mundo em que vivemos.”
Todas estão unidas em torno de um conceito básico: as vidas das pessoas negras importam. E seja nas nossas interações simples e diárias ou com nossas maiores instituições governamentais, todas as vidas devem ser valorizadas.
Embora seu trabalho requeira que ela viaje frequentemente, Garza diz que a unidade do movimento #BlackLivesMatter em Oakland ainda é o seu lar. Duas vezes por mês, o grupo se encontra para se organizar em torno de tópicos como educação política, fé e espiritualidade, estratégia do movimento em longo prazo e planos de ação direta.
“É um lugar maravilhoso para ver novos líderes do movimento surgindo e membros apoiando e nutrindo um ao outro”, diz Garza. “E para ver a negritude celebrada e valorizada.”
Tradução: Maria Teresa de Souza
Matéria original publicada no site da revista norte-americana YES! Magazine.
Opera Mundi
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