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sábado, 30 de maio de 2015

Paulo Sérgio Pinheiro: “Baixar a maioridade penal não reduz crimes violentos”

É "covarde" e "demagógica" a proposta de reduzir a maioridade penal para 16 anos, afirma Pinheiro, especialista em violência e ex-ministro da Secretaria dos Direitos Humanos no governo FHC
                           
ALINE RIBEIRO
27/05/2015                    
Paulo Sérgio Pinheiro, ex-ministro dos Direitos Humanos e criado do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Ele convocou ex-ministros  a se posicionar  contra a PEC 171, que propõe a redução da maioridade penal no Brasil (Foto: Roberto Setton)

Assim que chegou de Genebra, em abril, o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro se assustou com o avanço da proposta de redução da maioridade penal, de 18 anos para 16. Em sua ausência de 15 dias, a Proposta de Emenda Constitucional que trata do tema (PEC 171), até então engavetada havia mais de 20 anos no Congresso, foi aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados. O pedido de alteração da lei nunca chegou tão longe. Pinheiro foi ministro da Secretaria dos Direitos Humanos do governo Fernando Henrique Cardoso e já foi consultado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como especialista em violência contra a criança (atualmente, também pela ONU, acompanha as violações de direitos humanos na Síria). Pinheiro colocou seu currículo de peso a favor de uma articulação política. Em uma semana, conseguiu apoio do atual ministro Pepe Vargas e de outros sete ex-chefes da Pasta nos governos FHC, Lula e Dilma, para publicar uma carta de repúdio à redução da maioridade penal. “A proposta é racista, demagógica, covarde, oportunista e completamente incompetente”, afirma.
 
ÉPOCA – Havia 22 anos que a PEC 171 estava engavetada no Congresso. Por que ela voltou a ser debatida?
Paulo Sérgio Pinheiro –
Até agora, ela vinha sendo barrada pelo envolvimento do Brasil com a Convenção dos Direitos da Criança, refletido aqui pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A proposta é, evidentemente, oportunista. Aproveita-se de uma crise política conjuntural grave. Crianças e adolescentes em conflito com a lei podem ser imputadas no Brasil a partir dos 12 anos de idade – algo que muitos deputados parecem desconhecer, porque não leem e não conhecem o Estatuto, ou porque precisam agradar, com soluções simplistas para a violência, as empresas de armas e munições e as igrejas evangélicas fundamentalistas. A política de segurança e a luta contra a violência do Estado brasileiro não pode ser ditada, como disse o ministro José Gregori, pela bancada da bala, pelos interesses daqueles que justamente promovem a violência através das armas e das munições. E, digo eu, muito menos por leituras fundamentalistas e ideológicas dos textos bíblicos.
 
ÉPOCA – A maioria da população brasileira é a favor da redução da maioridade penal. Este ambiente favorável dá força à aprovação desse projeto no Congresso?
Pinheiro –
É compreensível que a população apoie essa proposta, diante da dificuldade de a segurança pública ser garantida para toda a população. Não culpamos a população. Estamos solidários com as vítimas de crimes. A maioria da população é favorável à PEC 171 porque é engabelada por parlamentares que vendem sua aprovação como a solução para diminuir a violência. Mas política criminal não é Fla versus Flu, nem é para ser resolvida por pesquisa de opinião. Cabe ao governo e a nós, que somos contra a PEC 171, ajudar a sociedade a superar os mitos açulados pelos deputados.
 
ÉPOCA – A pena máxima para menores infratores, prevista no ECA hoje, é a internação por três anos. Não importa se o adolescente cometeu um crime mais brando, como furto, ou um crime hediondo. É preciso aprimorar o ECA?
Pinheiro –
Essa noção é falsa. Os adolescentes que cometeram infrações mais graves (nota da redação: mais de uma infração grave) podem chegar a ficar detidos nove anos, e sem os mecanismos de defesa dos adultos que cometem crimes semelhantes. O estatuto é bom. O problema é que o ECA é mal aplicado. Os recursos são escassos, a formação do pessoal é precária, os salários dos funcionários reduzidos. O problema não é a lei. O problema é a gestão de aplicação e implementação da lei. Mas reformar instituições é um processo lento que não dá voto.
 
ÉPOCA – Ainda assim, há uma sensação de impunidade para crimes bárbaros cometidos por menores...
Pinheiro –
Se eles forem para a prisão, aí é que vão virar criminosos mesmo. De carteirinha. As instituições de cuidados de adolescentes no Brasil são ineficazes? São. Mas não todas. Eles querem fazer o quê? Enfiar esses adolescentes entre os quase 700 mil presos hoje, a terceira maior população carcerária do mundo (para a quinta maior população), que ficam amontoados em 300 mil vagas? Quem vão ser esses adolescentes? Não vão ser os filhos dos deputados, nem os meus. Vão ser os pobres, miseráveis, não escolarizados, negros. Os mesmos que estão nas instituições de proteção e justiça. Além de tudo, essa proposta é racista. A maioria das instituições de proteção de crianças e adolescentes funciona mal, mas qualquer uma delas é melhor do que uma prisão de adulto.
 
ÉPOCA – Os apoiadores da PEC afirmam que os jovens hoje são aliciados pelo crime organizado, sobretudo para traficar drogas. Isso não é uma realidade?
Pinheiro –
Os criminosos devem estar gargalhando dessa argumentação. Atrás de criança e adolescente, tem de ter adulto. Porque para haver crimes de economia de massa, como circulação de objetos roubados, tráfico ou roubo de automóveis, precisa haver receptadores. E se não vão poder pegar mais adolescentes de 16 anos, vão pegar de 15 ou 14. A PEC é covarde, porque se abate contra o elo mais fraco, os adolescentes, em vez de se confrontar com as grandes organizações do crime organizado e os adultos que estão atrás dos adolescentes. Há ignorância também sobre quantos dos crimes de homicídio, tentativa de homicídios e latrocínios são praticados por adolescentes entre 16 e 18 anos. Chega a 0,5%. Esses crimes são cometidos, geralmente, por jovens adultos entre 19 e 25 anos. Para que o número de homicídios caia, é essencial que os adolescentes em conflito com a lei não persistam nas carreiras do crime – o que fatalmente ocorrerá se eles forem condenados à reclusão com condenados adultos.
 
ÉPOCA – Não seria razoável dar mais liberdade aos juízes para definir as penas, nos casos mais graves?
Pinheiro –
Isso é perigoso. É arbitrário demais depender de exames psicológicos, deixar na mão do juiz para julgar se o adolescente é responsável ou não. É necessário não pensar em indivíduos, mas em 23 mil crianças e adolescentes que estão em instituições de correção. E, da forma que o sistema judicial funciona no Brasil, altamente discriminatório, com sentenças mais pesadas para afrodescendentes que cometem os mesmos crimes que brancos, não se pode abrir a brecha. Se abrir, vamos retroceder mais ainda.
 
ÉPOCA – Como a maioridade é tratada pelas democracias mais avançadas?
Pinheiro –
Qual é o interesse hoje das grandes democracias? Evitar que os adolescentes entrem no sistema de Justiça criminal, e que se trate mais da responsabilidade deles do que da criminalização, que se possa reeducar e reinserir. Não estou dizendo que isso acontece no Brasil, que aqui é tudo uma maravilha. Os deputados por trás da PEC 171 não têm a menor noção do que é política de segurança hoje, do debate que acontece no mundo. Estão a fim de faturar os apoios financeiros que receberam, de jogar para o público. A proposta é demagógica, covarde, oportunista e incompetente, porque não impedirá o aliciamento nem diminuirá o crime violento.
 
ÉPOCA – Se o senhor tivesse um parente prejudicado por um menor de idade, relativizaria sua opinião?
Pinheiro –
Claro que não. O que ocorre na minha vida, que já chegou aos 71 anos, não tem nada a ver com minhas posições intransigentes a respeito dos direitos dos adolescentes, de qualquer idade, mesmo aqueles que infringem a lei.
 
ÉPOCA – A limitação nos 18 anos foi estabelecida no Código Penal de 1940. Um jovem de 18 anos daquela época é o mesmo de hoje?
Pinheiro –
O Código de 1940 não prevalece. Não se levou em conta o adolescente daquela época. O limite da maioridade penal foi definido pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 1989, ratificada pelo Brasil em 1990. Essa mesma idade foi mantida na legislação nacional.
 
ÉPOCA – Penas longas para assassinos adultos não acabam com o crime bárbaro. Nem por isso abrimos mão delas. A mesma lógica não valeria para os menores?
Pinheiro –
Essa lógica é delirante. Sabemos que penas longas de reclusão não diminuem por mágica a criminalidade, mesmo assim se pretende impor aos adolescentes penas semelhantes. Caso a reclusão fosse a solução, o Brasil deveria ser o paraíso da não violência, com a terceira maior população carcerária do mundo. É isso que parlamentares  estão vendendo como panaceia para a população, justamente amedrontada com a criminalidade.
 
 

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