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domingo, 24 de maio de 2015

Vencedor do Festival de Veneza de 2014, filme sueco completa trilogia sobre o absurdo da vida

Adriano Garrett | São Paulo - 21/05/2015
 
Dirigido por Roy Andersson, longa 'Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência' está em cartaz nos cinemas brasileiros
O enorme e insólito título Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência já prepara o espectador para o estranhamento inevitável que é gerado pelo trabalho de Roy Andersson. Com apenas cinco longas-metragens de ficção no currículo, o primeiro deles realizado em 1970, o diretor sueco obteve seu maior reconhecimento no ano passado, quando este filme, que chega agora ao circuito comercial brasileiro, recebeu o Leão de Ouro, prêmio máximo do prestigiado Festival de Veneza.
 
O trabalho é o último de uma série de filmes intitulada por Andersson como a “trilogia sobre ser um ser humano”. Também composta por Canções do Segundo Andar e Vocês, os Vivos, a série tem como eixo central a temática existencialista, com foco no absurdo da vida.
 
Assista ao trailer do filme 'Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo Sobre a Existência', em cartaz nos cinemas brasileiros:


 
São características dos três filmes a quase exclusividade de planos fixos; a grande profundidade de campo (não há nada propositalmente desfocado); a distribuição não óbvia dos atores no quadro; a pesada maquiagem utilizada pelos artistas; o tom não naturalista das atuações; e a melancólica fotografia que privilegia cores frias.
 
O novo filme de Andersson começa mostrando um homem que observa um pássaro empalhado exposto dentro de um museu. Além de servir como uma das duas referências ao título que aparecem durante a projeção, a cena exemplifica o caminho que será percorrido pelo espectador: em vez de trocar de sala, acompanharemos pelos próximos minutos o desenrolar de esquetes que nem sempre se relacionam ou pretendem fazer parte de uma progressão narrativa clássica.
 
Os dois personagens que aparecem regularmente e servem, mesmo que de forma tênue, como fio condutor do filme, são vendedores que declaram ter como objetivo divertir as outras pessoas com seus três produtos: um saco de risada, uma máscara e um dente de vampiro. Acontece que o nobre propósito é contrastado com a simplicidade das mercadorias e com a tristeza, a palidez e a fala monocórdica dos homens, o que acaba gerando um tipo de humor peculiar, associado ao nonsense.

A divisão em capítulos proposta guarda em si muito das ideias críticas de Roy Andersson a respeito da humanidade. Há três cenas — trazendo um homem que sofre infarto, uma senhora enferma que não quer largar suas joias e um morto que deixou a refeição paga — que são nomeadas de “encontros com a morte”. A inteligência de Andersson é deixar que a terceira esquete seja finalizada sem que um novo capítulo seja nomeado, o que permite o entendimento de que os planos seguintes também podem receber o título.
 
Pois o fato é que não há muita diferença entre vivos e mortos no cinema do diretor sueco, como já ficava claro na cena final de Canções do Segundo Andar, primeiro filme da trilogia. A artificialidade e a apatia da vida contemporânea fazem muitos dos personagens lembrarem zumbis que perambulam pela cidade, mas não atacam ninguém.
 
Uma característica que serve para Andersson destacar essa monotonia é a repetição, seja de situações, músicas ou locais. Muitas das cenas trazem personagens ao telefone falando a mesma frase sem graça (“fico feliz por você estar bem”). Em meio a tanta mecanicidade, qual é o espaço que resta para os sentimentos humanos? Eis um dos muitos questionamentos provocados pelo filme.
 
O uso da câmera sempre fixa faz lembrar os primórdios do cinema, época em que a linguagem da Sétima Arte — que nem era reconhecida como tal — ainda estava engatinhando e se parecia mais a um teatro filmado. No entanto, ao contrário do que pode parecer, Andersson realiza uma direção extremamente sofisticada, sabendo aproveitar cada espaço do quadro e liberando o espectador para acompanhar diferentes ações que ocorrem simultaneamente em tela, como na cena em que um homem fala ao telefone na rua e é possível ver pela janela de um restaurante outro diálogo acontecendo.
 
De modo parecido com a trajetória do personagem de Um Pombo... que tem um questionamento existencial no final do filme, cabe ao espectador aceitar o desafio de Roy Andersson e assumir para si um papel ativo na construção do sentido do filme, pois isso parece combinar com aquela que talvez seja a intenção principal dos filmes do sueco: utilizar o estranhamento para nos tirar da inércia provocada pela banalidade do cotidiano. Quem sabe assim, afinal, poderemos relembrar que estamos vivos?
 
* Adriano Garrett é editor do site Cine Festivais
Opera Mundi

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