Think Olga
Quando você pensa em machismo, o que vem à sua cabeça? Estupro, violência doméstica, restrição econômica, submissão e subserviência. Porém, existem alguns comportamentos machistas que permeiam nosso cotidiano e sequer nos damos conta. Gestos que parecem inofensivos, mas na verdade roubam nossa força, nosso espaço e limitam as possibilidades das mulheres. Mas estamos de olho! A Think Olga traz uma explicação sobre quatro tipos de machismo invisíveis para te ajudar a combatê-los no seu dia-a-dia: manterrupting, bropriating, mansplaining e gaslighting. São comportamentos batizados em inglês sem tradução oficial. Mas também achamos imprescindível pensarmos em versões em português!
A palavra é uma junção de man (homem) e interrupting (e interrupção) Em tradução livre, manterrupting significa “homens que interrompem”. Este é um comportamento muito comum em reuniões e palestras mistas, quando uma mulher não consegue concluir sua frase porque é constantemente interrompida pelos homens ao redor.
Em março, um caso típico ganhou a internet: em um painel do SXSW 2015, evento de inovação, música e cinema que acontece todos os anos em Austin, Texas, uma mulher brilhante discutia a baixa presença feminina na tecnologia ao lado de dois homens, igualmente inteligentes. Eram eles o chairman do Google, Eric Schmidt, o jornalista e biógrafo do Steve Jobs, Walter Isaacson, e a Chefe de Tecnologia do governo americano (Pentágono), Megan Smith. E, apesar de o papo ser sobre ampliar as possibilidades para as mulheres, os homens da mesa não estavam dispostos a ceder espaço a ela. Cada vez que Megan Smith tentava fazer uma colocação, era interrompida de forma desnecessária por um dos dois homens:
- “Sim, Senhora Smith, sei que você pode falar sobre isso melhor que ninguém, mas é que…”
- “Acho que esta pergunta (da plateia) tem bastante a ver com a área da Senhira Smith, mas eu só queria falar que…”
- (falando por cima dela) “Sim, Senhora Smith, mas o que vale a pena ser dito é que…”
Esta postura clássica de manterrupting foi tão impactante que uma pessoa na plateia perguntou porque eles não deixavam Megan falar. O público, que estava incomodado, aplaudiu de pé. Outro episódio famoso é o de Kanye West, que interrompeu Taylor Swift durante seu discurso de agradecimento pelo prêmio de melhor videoclipe feminino do MTV Music Awards, em 2009. Ele invadiu a cena para defender Beyoncé, que concorria com ela na categoria. A interrupção começou com o “Hey Taylor, I’m really happy for you and Imma let ou finish” e acabou quebrando a internet, com uma enxurrada de memes. Mas, disfarçado de piada, ali está o machismo. Não apenas por não dar espaço para que Taylor falasse, mas também por ele se expressar em nome de outra mulher, no caso, a poderosa Beyoncé. Desnecessário e agressivo. Com licença, Kanye, mas nós não vamos mais deixar você terminar…
O termo é uma junção de bro (curto para brother, irmão, mano) e appropriating (apropriação) e se refere a quando um homem se apropria da ideia de uma mulher e leva o crédito por ela em reuniões. Quando colocamos uma ideia, muitas vezes não somos ouvidas. E então, um homem assume a palavra, repete exatamente o que você disse e é aplaudido por isso. Quem já não se viu nesta situação?
Em seu livro “Faça Acontecer”, Sheryl Sandberg, Diretora de Operações do Facebook, convida as mulheres a sentarem à mesa. A serem conscientes de seus lugares e de sua importância na sala de reuniões. Ela explica que somos criadas como delicadas, suaves e gentis, jamais como enfáticas ou assertivas. E quando nos impomos somos vistas como masculinizadas. Não há dúvidas de que isso atrapalha nossa vida profissional.
E este comportamento não é privilégio de algumas áreas. Em todos os mercados funciona assim. Em qualquer sala de reunião. O bropriating ajuda a explicar porque existem tão poucas mulheres nas lideranças das empresas. Além das supostas desvantagens mercadológicas e o preconceito de gênero, ainda servimos de plataforma para o crescimento de colegas homens, pelo simples fato de sermos menos ouvidas e levadas a sério. Garotas do mundo todo, sejamos as donas das nossas ideias!
O termo é uma junção de man (homem) e explaining (explicar). É quando um homem dedica seu tempo para explicar a uma mulher como o mundo é redondo, o céu é azul, e 2+2=4. E fala didaticamente como se ela não fosse capaz de compreender, afinal é mulher. Mas o mansplaining também pode servir para um cara explicar como você está errada a respeito de algo sobre o qual você de fato está certa, ou apresentar ‘fatos’ variados e incorretos sobre algo que você conhece muito melhor que ele, só para demonstrar conhecimento. Acontece muito em conversa sobre feminismo!
Um caso bem ilustrativo foi de um comentarista da CNN, ao falar sobre o caso Hollaback!, em Nova York, e mansplaining assédio sexual em locais públicos para a âncora e para a outra entrevistada:
Algumas pérolas selecionadas (com comentários):
- “Não há nada que uma mulher goste mais do que ouvir o quanto ela é bonita.” (puxa, obrigada por essa informação #sqn)
- “Se ela não gosta de cantadas, ela que não saia na rua.” (ótima ideia! Não, péra.)
- “E por que as mulheres simplesmente não respondem pros caras, já que elas não gostam? (Oi, tem mulher que morre por causa disso, amigo. #exausta)
A verdadeira intenção do mansplaining é desmerecer o conhecimento de uma mulher. É tirar dela a confiança, autoridade e o respeito sobre o que ela está falando. É tratá-la como inferior e menos capaz intelectualmente. Talvez você não tenha percebido isso de forma tão explícita no seu cotidiano, mas com certeza agora irá prestar atenção na maneira como seu chefe ou seu marido falam com você, com os elogios desnecessários ou idiotas que você recebe, nas mensagens bobas de parabéns pelo dia das mulheres. Tá tudo lotado de mansplaining.
Gaslighting é a violência emocional por meio de manipulação psicológica, que leva a mulher e todos ao seu redor acharem que ela enlouqueceu ou que é incapaz. É uma forma de fazer a mulher duvidar de seu senso de realidade, de suas próprias memórias, percepção, raciocínio e sanidade. Este comportamento afeta homens e mulheres, porém somos vítimas culturalmente mais fáceis. No dia a dia, aposto que vocês já ouviram alguma vez – ou várias:
- “Você está exagerando”
- “Nossa, você é sensível demais”
- “Para de surtar”
- “Você está delirando”
- “Cadê seu senso de humor?”
- “Não aceita nem uma brincadeira?”
- E o mais clássico: “você está louca”.
O termo gaslighting surgiu por causa de um filme de mesmo nome, de 1944, em que um homem descobre que pode tomar a fortuna de sua mulher se ela for internada como doente mental. Por isso, ele começa a desenvolver uma série de artimanhas – como piscar a luz de casa, por exemplo – para que ela acredite que enlouqueceu.
Um caso recente, ocorrido dentro da marinha americana, foi noticiado pela imprensa: cinco mulheres afirmaram ter sido vítimas de estupro dentro da corporação. Poucos meses depois, todas foram afastadas por problemas emocionais. Outras mulheres relatam casos dentro da instituição. Após denunciar as agressões, ouviram de volta:
- “Não venha me aborrecer só porque fez sexo e se arrependeu.”
- “Isso nunca aconteceu. Agora pode ir embora.”
Isso é gaslighting. Uma forma de manipulação que desencadeia um total esvaziamento da autonomia da vítima. Uma ferramenta presente em muitos relacionamentos, que levam as mulheres a abrir mão de suas escolhas, de suas opiniões e até de cuidar da sua própria vida. É desempoderamento, opressão e controle. Algo que não deve ser admitido em nenhuma situação.
Manterrupting, bropriating, mansplaining e gaslighting. Saber que estes problemas existem já é parte importante da solução. Estar atenta aos pequenos gestos cotidianos e transformá-los pouco a pouco farão a sua vida, e de muitas mulheres, melhor.
Pequeno dicionário:
#manterrupting: quando uma mulher não consegue concluir sua frase porque é constantemente interrompida pelos homens ao redor.
#bropriating: Quando, em uma reunião, um homem se apropria da ideia de uma mulher e leva o crédito por ela.
#mansplaining: É quando um homem dedica seu tempo para explicar algo óbvio a você, como se não fosse capaz de compreender, afinal você é uma mulher.
#gaslighting: violência emocional por meio de manipulação psicológica, que leva a mulher e todos ao seu redor acharem que ela enlouqueceu ou que é incapaz.
Maíra Liguori é jornalista, publicitária e co-fundadora do Think Eva
Arte: Aline Jorge
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