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segunda-feira, 25 de maio de 2015

Paternidade sem glamour, por Allan Sieber e Claudia Jouvin

por Rosane Pavam — publicado 24/05/2015 


O cartunista e a roteirista falam sobre 'Quem tá chorando?', seu livro bem-humorado em torno da criação do filho Max
Allan e Claudia
Allan e Claudia revelam as grandes e dificultosas
alegrias em torno da criação de Max

Todos os pais são ridículos. Não seriam ridículos se não fossem pais.

A paráfrase dos versos de Fernando Pessoa cabe com alguma certeza em Quem tá chorando? – A grande viagem dos pais de primeira viagem (Veneta, 88 págs., R$ 34,90), cujos autores são o cartunista Allan Sieber e a roteirista de A Grande Família, Claudia Jouvin.

Sieber, um dos autores geniais dos quadrinhos contemporâneos, descendente quase direto da autocrítica iniciada nos Estados Unidos por um Harvey Pekar ou um Robert Crumb, é autor de linhagem balzaquiana, habituado a ferir de morte a ilusão dos perdidos na vida urbana.

São clássicos, por exemplo, seus Mummy’s Boys, adultos infantilizados que, com a pinta de rockers, bebem suco de morango em lugar de álcool durante as turnês... E continuam a se tornar clássicos seus idiotas urbanos brasileiros caracterizados em tiras rápidas, resolvidas à perfeição em três ou quatro quadros.

sieber01.jpgSieber é grande, e talvez só não soubéssemos, até o momento, que Jouvin, a seu modo direto e delicado, também. E nem pudéssemos imaginar o quanto eles exporiam anarquicamente as grandes e dificultosas alegrias em torno da criação de Max, seu bebê.

A seguir, os dois falam sobre este livro que talvez represente o início de um trabalho em progresso. Os leitores que aprenderão com Quem tá chorando? um dia poderão lhes exigir um Quem tá batendo as portas?, sobre a vida do Max adolescente, embora Allan Sieber julgue isto um pouco pesado demais: “Sem pressão, por favor.”

CartaCapital: Enquanto Allan fazia normalmente seu humor autobiográfico à espera de o nenê Max chegar, Claudia teria tido desde o início planos de relatar a experiência do seu ponto de vista?
Claudia Jouvin: Quando fiquei grávida do Max, o Allan começou a publicar tiras sobre o que estávamos passando. Era uma forma divertida de lidar com aquela mudança gigante que estava acontecendo nas nossas vidas. Eu muitas vezes ficava enchendo o Allan e dando ideias para as tiras. Mas ele nunca aceitava e acabava dizendo: "Por que você não faz as suas"?
Eu sou roteirista, e desenhava só por prazer. Fiquei na dúvida se topava a empreitada, mas no fim foi ótimo voltar a desenhar. Fui desenhando aos poucos desde a gravidez até agora, entre as mamadas e a minha volta ao trabalho. Consegui voltar para a Globo, rodar meu primeiro longa como diretora [Um Homem Só, 2014] e fazer o livro, sem deixar de dar atenção ao Max. Acho que o maior prejudicado com minha falta de tempo nesse período foi o próprio Allan. Mas sobrevivemos!
Allan Sieber: A Claudia estava naturalmente mais atarefada do que eu nesse começo de maternidade. Como ela frisa sempre, nos primeiros meses a mãe é uma espécie de praça de alimentação do bebê, é bem puxado mesmo. Já eu tinha mais tempo de olhar a coisa um pouco "de fora" e ter mais humor em cima de todos os primeiros perrengues, que são muitos... Só a acionei para o livro depois que Max já tinha desmamado, até onde lembro.
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CC: Por que reunir em um só livro sua visão sobre a experiência de pais?
AS: São duas visões: tanto a minha com meu tipo de olhar  - e pai - e a da Claudia, com o humor mais sutil dela e o olhar de mãe. Se lá pelas 5 da madruga conseguimos arrancar um sorriso de pais exaustos nos primeiros meses, já demos nosso trabalho com bem-sucedido. 
CJ: Um casal que divide um filho pode muito bem dividir um livro! E o mesmo serve para os leitores. A gravidez, com a chegada do primeiro filho, é a típica situação em que você se sente completamente perdido, e é sempre bom escutar as experiências alheias, então por que não dividir as nossas? Gostaria muito que os pais de primeira viagem usassem nosso livro para tirar sarro uns dos outros com as situações que relatamos. 

CC: Algum livro ou autor inspirou vocês a trabalharem juntos sobre este tema?
AS: Robert Crumb, sem dúvida. Ele sempre falava muito sobre a paternidade. E depois as histórias que ele e a Aline [Kominsky, mulher do desenhista e também autora] fizeram juntos, não sobre serem pais, mas sobre o casamento.  O Guia do mau pai, do canadense Guy Delisle, também foi uma forte inspiração. Eu não conhecia esse livro dele, e um amigo - Fabiano Maciel - me deu para me sacanear. Adorei.  Paternidade sem glamour.
CJ: Os primeiros que vêm à cabeça são o Crumb e a Aline. Mas não foi uma inspiração direta, não. O pediatra do Max me indicou o livro Mothers, da Claire Bretecher, numa consulta, e eu amei o jeito pelo qual ela retratava com um humor ácido as situações que uma mãe enfrenta. Me identifiquei com as tiras, achei justo passar adiante a minha visão sobre o assunto.
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CC: Pode parecer batido, mas talvez não de todo infundado, que vocês nos lembrem Robert Crumb e Aline Kominsky trabalhando juntos... Ambos profundamente autoirônicos, mas com uma diferença de suavidade no tom... Eles são modelos para vocês?
AS: Sim, mas acho que a dinâmica deles como casal é inversa à nossa: com ele, a esposa (Aline) é muito mais demente, e no nosso caso o posto de Campeão do Drama e da Insanidade é ocupado por mim. A Claudia é muito centrada, eu sou extremamente atormentado e, por tabela, atormento ela. 
CJ: Filha de cartunista, casei com um... O Crumb sempre foi uma grande influência pra ambos. Cresci lendo os quadrinhos dele, que roubava da estante do meu pai. Contudo, apesar de admirar o trabalho do casal, eles nunca foram uma influência direta pra mim. Acho que os cartunistas e fãs de quadrinhos vão me odiar depois de falar isso!

CC: Os pais que leem esse livro (e morrem de rir) talvez se sintam muito felizes e identificados com seu trabalho, especialmente por se virem autorizados a ser o que todos realmente são durante o processo (crianças perplexas, apesar de terem se tornado pais).  A esta altura da vida do seu filho, vocês já teriam se enxergado, pelo menos por um momento, tão infantis quanto ele?
AS: Sim, pelo menos eu me sinto muitas vezes tão criança e "indefeso" quanto uma criança frente a novas situações que diariamente se apresentam nessa tarefa de criar uma pessoa nesse mundo tão escroto. O título tem certa ambiguidade relacionada a isso, Quem tá chorando? Às vezes estamos os três  - quase - chorando. Os momentos difíceis são sempre difíceis, ainda mais no meu caso, eu que sou um pouco antissocial e não tenho muita gente com quem dividir minhas dúvidas e perplexidades quanto a ser pai. Claudia escolheu esse título depois de  - muito sabiamente - ter achado um lixo o título em que eu havia pensado anteriormente, Embala que é seu.
CJ: O Allan e eu não somos aquele tipo de adultos que puxam papo ou se jogam no chão para brincar com os filhos de amigos. Mas sempre tratamos com respeito e falamos de igual para igual com eles. Incrivelmente, as crianças adoram isso, elas se sentem respeitadas. Com a chegada do Max, a coisa mudou de figura, pois agora a criança é nossa! Adoro espalhar papéis no chão e fazer mil desenhos com ele. Já tínhamos uma vasta coleção de livros infantis que compramos por conta das ilustrações e Max adora que eu conte histórias para ele antes de dormir. Brincamos muito em casa e na praia, para onde o Allan leva ele religiosamente, no Rio, todas as manhãs.
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CC: O humor precisa da liberdade da criança para ser feito?
AS: Precisa de um olhar o mais livre possível. Tentar olhar com os olhos de uma criança. Mas obviamente nem sempre isso é possível e velhos vícios e preconceitos sutilmente aparecem. Tento filtrar.
CJ: Acho que a criação em geral. O humor, acho que tem uma acidez mais cínica, adulta. Pelo menos o tipo de humor que estamos acostumados a fazer. 
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CC: Em algum momento vocês temeram lançar o livro e serem alvos de uma crítica negativa futura de seu filho?
AS: Eu sou muito paranóico e sempre penso o pior. Claro que já pensei num Max maiorzinho não muito contente em virar assunto para meus quadrinhos. Mas é aquela coisa: pai a gente não escolhe...
CJ: Para fazer humor, você não pode ter medo de bater, nem de levar pancada. E como nossa proposta era dividir um ponto de vista íntimo, não tinha como não se expor. Se a gente se preocupasse com críticas negativas, a coisa toda ia perder a graça.
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CC: Antes de vocês começarem o trabalho, houve alguma discussão sobre o que poderia ou não ser contado sobre a experiência? (Noto que, enquanto Claudia ironiza em alguns momentos o papel do pai, Allan raramente faz isso em relação à mãe...)
AS: Não houve essa discussão. O que existe são tipos de humor, eu acho umas coisas engraçadas, já a Claudia acha outras. Eu não sacaneio a posição de mãe porque vim de uma familia de seis filhos, que minha mãe, dona Eva Iolanda, criou sozinha, sem babá nem nada. E vi tudo o que Claudia passava. Não tem como você não admirar essa figura de uma mãe que se importa de verdade com o filho, mas ao mesmo tempo não quer criar a melhor-pessoa-que-já-existiu-na-terra, não cai nesses truques primários.
CJ: Às vezes eu perguntava pro Allan: "Posso falar isso?", mas ele nunca pedia a minha autorização! Talvez porque eu brinque mais com as atitudes dele do que ele com as minhas. O humor do Allan sempre foi muito autocrítico, e quando eu ironizo ele, é sempre mais bonitinho do que quando ele se retrata. A verdade é que ele é um pai maravilhoso, e eu me derreto toda ao ver ele e o Max juntos.

CC: Allan, por que trabalhar sempre com tiras de três ou quatro quadros para encarar o assunto? E, Claudia, por que evitar o uso da tira?
AS: Eu faço tiras de três ou quatro quadros há muito tempo, uns 15 anos no mínimo, então para mim é um meio muito fácil de expressão. Não posso dizer que o domino - longe disso -, mas sem dúvida me sinto pelo menos confortável, não é nada massacrante. 
CJ: Porque eu não sou cartunista, e achei uma forma de contar as histórias sem ter de colocar as imagens em quadrinhos. É difícil pra caramba desenhar naquele espaço confinado! Ainda mais quando você não tem experiência. E como roteirista estou sempre preocupada com a forma, resolvi ser mais livre quando fui desenhar.
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CC: O mesmo para a cor. Há alguma razão intencional para não usá-la, Allan? E por que usá-la sempre, Claudia?
AS: Eu tenho alguns pés atrás em relação à cor. Por mim, todo mundo enxergaria como os cachorros, em preto e branco, hahaha. Na verdade, desde que voltei a colorir meus quadrinhos na mão, em aquarela, por 2011, sinto mais prazer em usar a cor do que quando coloria usando aquela cor chapada de computador. Nisso, a última fase  - a atual - do Adão Iturrusgarai, desenhista que sempre admirei, me influenciou bastante. Sujar as mãos é importante. Dar chance ao erro, correr riscos. Odeio desenho bunda-mole, certinho.
CJ: Acho que me empolguei. Voltar a desenhar foi tão prazeroso que decidi fazer o serviço completo. Hoje em dia, tem tantos adultos colorindo livros com desenhos alheios pra aliviar o stress, por que não colorir os meus próprios desenhos? (Risos)

CC: Vocês pretendem acompanhar a vida do Max em novos livros? Continuam a desenhar e narrar essa experiência por meio do humor?
AS:  Por que perder a chance de fazer meu filho passar vergonha, não? Acho que é um pouco isso. Como diz o Paulo Cesar Pereio, "educar é traumatizar". Veja como estou cercado por bons conselheiros...
CJ: Ainda é cedo para afirmar qualquer coisa! É a mesma resposta que dou quando me perguntam se a gente vai ter um segundo filho.

Carta Capital

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