As crianças invisíveis da Europa
por Sabine Clappaert, da IPS
Bruxelas, Bélgica, 4/4/2013 – Dario, de 22 anos, chegou à Bélgica procedente do Brasil em 2005, ainda adolescente. “No começo foi difícil. Não falar o idioma me impediu de fazer alguns trabalhos, e também havia o risco de ficar doente, porque não tinha, nem tenho, seguro de saúde”, contou. Felizmente, disse Dario (nome fictício) à IPS, a grande comunidade brasileira em Bruxelas o recebeu de braços abertos.
“Naturalmente que há a exploração financeira e moral por parte de certas pessoas que se aproveitam, mas eu não me queixo. A vida é uma sequência de experiências boas e más, é parte do risco que assumo para melhorar minha vida”, acrescentou. A promessa de um futuro melhor é o principal motivo para que dezenas de meninos, meninas e adolescentes cheguem à Europa, levados por suas famílias ou mesmo sozinhos, embora não haja nenhuma garantia de que o que encontrarão terá valido a viagem.
Estima-se que na União Europeia (UE) existam entre 1,6 milhão e 3,8 milhões de imigrantes ilegais, mas não há dados confiáveis sobre qual porcentagem deles são crianças. É quase impossível encontrar dados precisos já que estes menores representam um grupo multifacetário e diverso, segundo especialistas. A maioria procede de outros países europeus, como Hungria e Romênia, mas também chegam em boa quantidade do Iraque, Paquistão, Afeganistão e da Nigéria.
Muitos entram na UE com suas famílias ou, no caso dos adolescentes, individualmente, além dos que nasceram de pais sem status legal em um determinado país. Os motivos para as migrações também variam, e incluem reunificação da família, proteção contra perseguições ou melhores condições de vida, bem como oportunidades educacionais e econômicas. Muitas destas crianças, principalmente da Hungria e da Romênia, também são vítimas de tráfico.
No ano passado, a polícia britânica, com ajuda das autoridades romenas, desmantelou uma complexa rede de tráfico administrada a partir da Romênia, que usava crianças para embolsar centenas de milhares de libras mediante crimes de rua e fraudes relativas aos benefícios. Em uma série de blitze realizadas ao amanhecer sob o nome “Operação Norman”, os funcionários encontraram 103 crianças imigrantes lotando 16 domicílios de Londres.
A operação aconteceu em um contexto de aumento da quantidade de crianças que chegavam à Europa sem companhia, arriscando-se a serem detidas. Embora algumas se acertem para entrar nos sistemas de assistência social, outras acabam vivendo na clandestinidade. A crise financeira intensificou a situação, especialmente em países da fronteira da UE, como a Grécia.
“Apesar dos esforços da Comissão Europeia (órgão executivo da UE) para promover regulações harmonizadas, o contexto normativo do bloco para a proteção de crianças imigrantes ilegais ainda é muito diverso”, disse à IPS a especialista Maria Grazia Giammarinaro, representante especial e coordenadora do combate ao tráfico de seres humanos na Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (Osce).
“A implantação da legislação nacional é ainda mais fragmentada. Portanto, lamentavelmente, um sistema comum e efetivo de proteção à infância não existe no âmbito da UE”, acrescentou. Organizações como a Plataforma para a Cooperação Internacional sobre Imigrantes Ilegais (Picum) deu o alarme sobre a necessidade de garantir os direitos humanos básicos das crianças “invisíveis” da Europa.
“As crianças sem documentos legais estão diante de uma tripla vulnerabilidade: como crianças, sobretudo; como imigrantes, e devido ao seu status irregular”, disse à IPS a ativista Michele LeVoy, da Picum. Muitas famílias simplesmente desconhecem seus direitos a moradia, alimentação e educação, apontou. Incontáveis obstáculos se interpõem entre os direitos no papel e a prática, apesar dos numerosos instrumentos internacionais e regionais que são explícita e legalmente vinculantes e que garantem o acesso das crianças aos seus direitos civis e sociais. “Na Espanha, por exemplo, as crianças ilegais têm, teoricamente, o mesmo acesso aos serviços de saúde que os cidadãos espanhóis”, esclareceu LeVoy.
Mas a implantação de uma nova lei sobre cuidados com a saúde, em setembro do ano passado, que busca restringir o acesso dos adultos ilegais a estes serviços, também teve impacto em seus filhos. Em alguns países, apenas os cuidados médicos “essenciais” ou “urgentes” podem ser gratuitos para crianças ilegais, termo definido de modo tão amplo que leva à aplicação discricional e imprevisível da legislação sobre saúde. As barreiras relativas à educação são igualmente complexas. Embora as constituições de vários países concedam todos os direitos à educação, a burocracia costuma manter as crianças ilegais fora do sistema.
“As barreiras práticas e concretas, mais do que a discriminação legal direta, tornam quase impossível a integração” ao sistema educacional, segundo LeVoy. “Em toda a UE se costuma impedir que crianças ilegais se matriculem nas escolas apenas por não terem documentos de identidade e um domicílio permanente. A admissão depende da decisão dos diretores das escolas, e estas decisões são arbitrárias”, observou
Giammarinaro acredita que “os Estados-membros deveriam estabelecer procedimentos efetivos baseados no interesse da criança, cuja implantação real deveria ser adequadamente controlada, especialmente no caso de crianças não acompanhadas e separadas” de suas famílias.
Uma segunda tendência perturbadora é o aumento dos registros de menores estrangeiros não acompanhados que desaparecem dos centros de recepção de imigrantes e dos cuidados residenciais, frequentemente sem deixar rastro. Estudo da Agência da União Europeia dos Direitos Fundamentais indica que é generalizado o desaparecimento de crianças de abrigos e instalações semelhantes e que há um alto risco de estes menores serem vítimas do tráfico humano.
“As meninas, os meninos e adolescentes em movimento são particularmente vulneráveis aos abusos e à exploração”, apontou Giammarinaro. “Podem ser explorados sob a forma de prostituição, trabalhos forçados ou mendicância organizada, e podem ser impelidos a cometer crimes. Portanto, a prevenção do tráfico e a proteção das crianças ilegais estão intrinsecamente ligadas”, destacou.
Os especialistas identificaram jovens de 13 a 18 anos como um importante grupo de risco para o tráfico na Europa oriental. Inclusive as crianças conscientes dos perigos do tráfico dizem que em todo caso estavam prontas para migrar usando vias inseguras, segundo uma investigação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) feito na Moldávia.
As percepções idealizadas de um estilo melhor de vida, juntamente com os relatos de êxito de pessoas que estiveram no exterior, animam os jovens mais pobres a assumirem riscos, segundo os investigadores. Com desemprego generalizado em toda União Europeia, muitos governos percebem que a única solução, ainda que no curto prazo, é a expatriação dos “imigrantes indesejados”.
Em 2010, a Osce aconselhou que crianças migrantes, ilegais, não acompanhadas, separadas e traficadas não fossem automaticamente devolvidas aos seus países de origem, reassentadas ou transferidas a um terceiro país, declarando que as preocupações sobre o controle de migrações não podem passar por cima dos interesses das crianças. Envolverde/IPS
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