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sábado, 6 de abril de 2013


Rita Lee: "Mostrar a bunda é normal. Envelhecer é que é tabu"

Ela foi presa grávida, perseguida pelos caretas da censura, tomou “todas as coisas imagináveis”, cantou a menstruação, o sexo e a menopausa. E fez de seu grito de guerra “Eu sou fêmea!”. Nesta rara e franca entrevista, a maior roqueira do País assume que mente a idade (de 65 para 67) para parecer mais conservada, fala sobre o primeiro orgasmo, o diagnóstico de bipolaridade e a tristeza com a morte de Chorão – alguém que, como ela, “conheceu o inferno”
     
PARA RITA LEE, O PRINCIPAL TABU FEMININO
É O DO ENVELHECIMENTO (Foto: Maurício Nahas)
“Hoje, tô falante porque vou dar uma entrevista. MulherMídia”, twittou Rita Lee aos seus 585.600 seguidores pouco antes de receber Marie Claire em seu apartamento no Morumbi, em São Paulo. Entre a coleção de quadros do ídolo James Dean e bonequinhos de ETs, a maior roqueira do Brasil apareceu com todas as Ritas que a compõem: a loirinha que se vestiu de noiva grávida em um festival da canção, a compositora que desafiou a caretice dos censores e a mulher apaixonada que dividiu com o público a descoberta do prazer ao conhecer o marido, Roberto de Carvalho. Às vésperas de completar 50 anos de carreira, Rita coleciona vitórias – como a marca de 55 milhões de álbuns vendidos, que a transformou na mulher de maior sucesso do País – e muitos tabus quebrados. O maior deles, no entanto, diz a cantora, ainda esta por vir: o envelhecimento. “É esse o maior tabu feminino”, afirma. “A gente se sente desconfortável dentro do próprio corpo e ninguém avisou que seria assim (risos).”

Enquanto discorria sobre este e outros aspectos de sua intimidade, Rita recebeu a visita do filho, Beto, 35 anos, e da neta Izabella, 7. A avó coruja diz que foi a chegada da menina que abriu novos horizontes em sua vida. “Ziza me ensina coisas incríveis do feminino. Antes dela, eu vivia rodeada por homens.” Além de Beto, Rita é mãe de João, 33, e Antônio, 31. Nesta entrevista, regada a café, coca-cola e torta de limão, ela relembrou momentos polêmicos da sua biografia, defendeu o papel da mulher no mundo e disse que o título de “rainha do rock” é brega. Prefere ser “meio marginal, meio princesa”. E também serena. Tanto que batizou o mais recente álbum de Reza e anda conversando com Deus. Nada mais rock’n’roll...

MARIE CLAIRE Você cantou a menstruação em “Cor-de-Rosa Choque” e a menopausa em “Menopower”. Hoje, de qual tabu feminino falaria?
RITA LEE Do envelhecimento. Às vezes, me olho no espelho e falo: “Essa não sou eu!”. Para envelhecer com dignidade, a mulher tem de ter desapego. É muito complexo! Minha cabeça está registrada com 17 anos... Se me perguntarem a idade, é capaz de eu dizer: “Dezes... não, 67!”. Preciso olhar no espelho e falar: “Rita, você está ótima. Não se queixa, não reclama! O corpinho tá bom. Aceite-se, goste-se”. Costumo dizer que tenho 67, tendo 65, e as pessoas falam: “como você está bem”.

MC É verdade que “Cor-de-Rosa Choque” quase foi barrada pela censura militar por falar de menstruação?
RL Lembro vagamente disso... (risos). Mas o que mais vem à memória com a Solange (Hernandes, diretora do Departamento de Censura Federal na ditadura) é a saia justésima de ir até ela, humilde, com fitinha K7, e ela botar para ouvir, pegar a letra e ficar interpretando... Numa das vezes, ela ouviu uma letra com a palavra “arco-íris” e encasquetou que era uma crítica à ditadura!

MC Achei registros antigos de uma música sua “Gente Fina é Outra Coisa”, que não foi liberada pelo DOPS. Diziam os censores: “Na letra, uma jovem insurge-se contra o pátrio-poder (...) apresenta conotação anárquica”.
RL Ai, que ótimo! Eles falavam isso sobre mim? Que currículo maravilhoso! (risos) Onde você pegou isso? Jesus Christ! Eu nunca soube que tinha esses documentos aí...

MC Existe até um levantamento do governo que aponta que você foi a artista mais vetada, com 14 músicas, seguida de Aldir Blanc e Juca Chaves.
RL Jura? Gente, não sabia de nada disso! Adorei. Me lembro de uma música, “X-21”, que eu falava da época da minha prisão, em 1976, e que também proibiram...

MC Como foi sua prisão?
RL Me pegaram para bode expiatório. (Gilberto) Gil tinha sido preso em Santa Catarina (por porte de maconha) e ele mesmo fez a sua defesa. E foi solto. Mas os homens ficaram querendo pegar alguém mais para servir de exemplo. Eu estava bem no início da gravidez do Beto, pela primeira vez em muito tempo, não estava usando droga alguma. Morava numa casa na Vila Mariana e chegaram sete policiais, de jeans e blusão de couro. Achei que fossem roqueiros, abri a porta e, quando vi do que se tratava, disse: “Podem entrar e buscar o que quiserem. Estou grávida e limpa”. Eu morava com a Balu, minha madrinha, e ela viu os caras plantarem a prova contra mim, um saco enorme de maconha, para me incriminar. Me tiraram de casa e eu passei por todas as delegacias, tipo troféu, no camburão. Fiquei uma semana no DEIC e depois um mês na casa de detenção do hipódromo.

MC A imagem da roqueira rebelde contrasta com a de grávida? Sofreu pressão no meio do rock quando engravidou?
RL Meeeeu, minha empresária queria que eu tirasse (o bebê). Dizia: “As cocotinhas não vão gostar de te ver grávida, tira”. Eu respondi: “Não, não tem essa! Vou ter o filho”. Ela nunca foi muito com a cara do Roberto...

MC Como você deu a notícia da gravidez para o Roberto?
RL Pouco antes de ser presa, eu liguei para ele, que estava no Rio, e falei: “Ó, você vai ser pai”. Cantei “Daddy you are a fool to cry”, dos Rolling Stones, e disse: “Não tem cobrança nenhuma, é produção independente, cara, só estou te avisando”. Aí, fui presa e, de repente, o Roberto estava ali! Sempre ao meu lado, presente o tempo todo.

MC Quando saiu da prisão, foram morar juntos?
RL Isso mesmo! Tá aí outro tabu da minha vida: um casamento que dura tanto tempo (mais de 30 anos) no meio artístico e, ainda por cima, no rock.

MC E a que atribui isso?
RL Evidente que é uma atração planetária. Sabe como conheci o Roberto? Fui assistir ao Ney (Matogrosso, com quem Roberto tocava em 1975). Aí, passei nos bastidores para dar um beijo no Ney, cheguei no camarim e vi o senhor Roberto de Carvalho com uma mulataça pelada no colo (risos)! Convidei o Ney para jantar em casa e o Roberto disse: “Oba, posso ir?”. E a mulata lá, no colo dele. E eu: “Claro!”. Ao mesmo tempo pensava: “Você, sim, mas ela não!!!”. Ney entendeu, deu uma piscadinha e levou só o Roberto.

MC E como foi o encontro?
RL Já em casa, ele sentou no piano e começou a tocar um jazz maravilhoso... Fiquei louca! Retoquei o batom, botei um perfume e me sentei ao lado dele... Foi aquela coisa! Sabe o coraçãozinho saindo? Não vi mais ninguém! Cadê Ney? Sei lá. Nem me lembro das pessoas indo embora. E ele ficou lá. Moreno gostoso!

MC “Mania de Você” é uma ode à felicidade sexual?
RL Sim! Fizemos depois de uma trepada na casa em que a gente morava, no Pacaembu. Nossa, me lembro tão bem! Sabe aqueles filmes em que começa atransa, corta para o casal em cima do criado-mudo. Aí, corta para o tapete. E corta, vai para a cama... Foi assim! Quando acabou, nasceu a música. Ele pegou o violão e eu escrevi letra, ali. Os dois completamente suados.

MC No sexo, Roberto foi seu melhor homem?
RL Perdi a virgindade bem antes, aos 19 anos. Mas, até então, o sexo não era prazeroso para mim. Achava uma coisa chata pra caramba! Achava até que era sapata. Não rolava com os outros caras.

MC O quê? Orgasmo?
RL Isso mesmo, não tive orgasmos antes do Roberto. E acho que todo esse prazer teve muito a ver com a minha gravidez. Eram fogos de artifício! Eu tinha um vulcão lá dentro. E a gente era bem coelho. Trepava para caramba. Um filho atrás do outro.

MC Além do sexo, qual a importância dele naquele momento na sua vida?
RL Ele me segurou. Era uma torre. Ele parou de tomar drogas muito antes que eu. E segurou os meninos. Segurou a coisa toda.

MC Você já disse que abusou de maconha e do álcool e, numa entrevista à Marie Claire, em 1994, declarou ter tomado mais de 2500 ácidos. Como se tratou? Não havia rehabs...
RL Ah, era hospício mesmo. Rehab é um nome bonitinho para a Clínica Tobias daquela época. Precisei passar por isso. Quando fiquei muito mal, Roberto me pegou em um momento em que eu não estava tão alterada e disse: “Para os meninos, isso não é legal. É melhor você se cuidar fora daqui”. Eu concordava com ele e ia para a Clínica Tobias. Cheguei a um ponto tipo Chorão (do Charlie Brown Jr., que foi encontrado morto em seu apartamento no dia 6 de março), sabe? Eu adorava o Chorão. E entendo muito bem o inferno que ele passou. Conheci aquilo de perto. Sinto muito não ter estado com ele no final. Ele estava sozinho... Eu passei por essa barra, mas não estava sozinha. Tinha meus três meninos e o Roberto, minha mãe, meu pai. Mas só fui me afastar mesmo das drogas há uns sete anos, quando Ziza (a neta) nasceu.

MC E como você está hoje?
RL Gostando mais de mim e percebendo que fiz coisas boas. É o meu processo de envelhecer com dignidade, ver os pontos bons, afastar mágoas que tinha comigo mesma. Eu me perdoei de tudo. Estou me achando legal. Roberto sempre me fala: “Pô, se ache legal. Você é legal, é bonita!”. Então, estou aqui, tem umas pelanquinhas, umas rugas, mas estou bem. Tem uma hora que ou você entra na sala de espera da morte ou vê a vida de forma mais leve. Resolvi torcer a favor, mas preciso me policiar. Não sou suicida, mas tenho um lado autodestrutivo. Digo, a coisa do católico, sabe?

MC A culpa católica?
RL Exato! Para mim é difícil até para aceitar elogio. Se dizem que estou bem, já vou dizendo: “Imagina! Olha minha ruga aqui”. Parece que preciso destruir aquela boa impressão para me sentir melhor. Agora estou treinando para dizer simplesmente “Obrigada”.

MC Faz terapia?
RL Faço, com um psiquiatra muito bom. Já fiz muita terapia mentindo. Pagava o cara para mentir. Aí, enchia o saco e saía. Esse psiquiatra é legal. Tem um ping pong bom comigo. E tem a coisa do químico, né?

MC Coisa do químico? Você toma remédios psiquiátricos?
RL Sim. Por mais natureba que eu queira ser, maracujina não faz efeito. Recentemente, soube que sou bipolar. Tomo lítio. Mas foi até bom ter recebido o diagnóstico da bipolaridade. Desde criança, oscilei entre a euforia e a depressão. Agora, sei que não passo de uma estatística, não é? Antes, me achava diferente, hoje sou apenas mais uma e gosto disso. Só penso que, se eu fosse um pouco mais vaidosa, faria uma plástica (risos).

MC E por que não faz?
RL Não quero! Aí entra o meu joguinho de aceitar envelhecer. Os meninos estão bem! Roberto está bem... É uma fase muito boa. E tem a Ziza. Ela me ensina coisas com o feminino dela, que nunca vivi, pois sou mãe de homens. Ela vem com um lado cor-de-rosa que eu nunca tive e até implicava. Ela me mostrou o feminino forte.

MC Qual o paralelo entre você e as garotas de hoje?
RL Fico tão retrô quando me comparo com as meninas... Elas são espertas! Fico orgulhosa de ver. No meu tempo, tinha de ter pau para ser roqueira. Tinha de ter culhão para fazer rock. E a mulherada está conquistando cada vez mais espaço. Mas é muito recente. Ainda existe uma luta pela igualdade em vários aspectos. Essa coisa de mulheres que ainda ganham menos que homens, na mesma área de trabalho, é um horror, uma vergonha.

MC Considera-se mais cobrada por ser mulher?
RL Claro! Se fosse um homem lá naquele show de Aracaju (onde, no começo de 2012, Rita, do palco, chamou a atenção de policiais que abordavam seus fãs e acabou sendo levada à delegacia) não teria acontecido tudo aquilo. Homem, quando enfrenta qualquer coisa, é cabra-macho, corajoso.Mulher é a louca. E, olha, não sou feminista, sou femealista! Sou fêmea, da raça.

MC Em 1997, no clipe da música “Obrigado Não”, você causou polêmica ao colocar dois homens vestidos de militares se beijando. Foi proposital?
RL Engraçado isso. Qual o problema, não é? Eu não esperava que tivesse falatório. Nunca faço as coisas para gerar polêmica. Faço por fazer. De repente, eu caio nessas, dá confusão e não entendo o porquê (risos). Aconteceu a mesma coisa no fim do ano passado, quando mostrei a bunda num show em Brasília. Me crucificaram, mas mostrar a bunda é tão rock’n roll, tão antigo, tão normal. Palhaço mostra a bunda no circo. Estamos no país do carnaval, no país da bunda.Qual o problema? Envelhecer é que é tabu.

MC O que mais considera tabu?
RL Sabe que eu acho que defender animais no Brasil também é tabu? Tem sempre aquele que fala: “Com tanta criança abandonada, você defende bicho?”. Mas um problema não exclui o outro! É a mania de achar que defender bicho é coisa de desocupado, de louco. As pessoas não respeitam animais, pensam que eles são objetos.

MC Fale um pouco mais sobre sua relação com os animais.
RL Atualmente, meu programa preferido é ficar com eles. Não tenho mais paciência para balada. Gosto da minha casa e dos meus bichos (além do apartamento no Morumbi, Rita tem uma casa num condomínio na Grande São Paulo). São quatro gatos, cinco cachorros, umas 35 carpas, sete jabutis e cinco tartarugas d’água. E ainda vou pegar mais, viu? Estar com bicho é estar com Deus. A pureza deles é uma coisa admirável. O Afonso (um jabuti), por exemplo, é social, adora a raça humana. E quer namorar pés. Acredita que (em 2011) ele mordeu o pé da Hebe Camargo? Ela apareceu em casa comum sapatinho dourado e ele ficou com um tesão no sapato. Que saudade da Hebe...

MC Você acredita em Deus? Temo hábito de rezar?
RL Rezo muito! Estou rezando cada vez mais. Adoro santinho, adoro divindade. Rezar faz muito bem.É uma coisa de ligação com o invisível. Não tenho uma religião.

MC Qual foi a maior loucura que um fã já fez por você?
RL Ah, teve um que roubou um absorvente interno, usado, do banheiro! (risos). Imagina isso!

MC Ah, mas você não ia querer uma cueca do James Dean, seu maior ídolo?
RL Claro! Usada, de preferência.

MC O que acha do seu título de rainha do rock brasileiro?
RL Acho brega. Para ser sincera, prefiro ser mãe e avó...

MC Mas admite que está entre os maiores nomes da música nacional?
RL É difícil... Não tenho essa percepção. Eu, morando dentro de mim, não acho nada isso. Acho que sou um pouco marginal, um pouco princesa... Realmente, não percebo essa importância toda. Não é falsa modéstia. Mas parece sempre que estão falando de outra pessoa.

MC Hoje, do que você diria que mais gosta em si mesma?
RL De uma certa serenidade que conquistei. Sempre fui muito ansiosa, compulsiva até. Agora, sinto um pouco mais de controle na minha cabeça, nas coisas que eu quero, nas minhas orações. Continuo com a minha música. Estou fazendo uma letra, “Procurada Viva ou Morta”, que é sobre as mulheres. Falo de um universo feminino grande: tem a mãe preta, a Papisa Joana... Pois é aquela coisa ... No fundo, a sociedade ainda acha que a gente ou é puta ou é santa. Ou é a virgem ou é a pecadora expulsa do paraíso. Mas somos todas muito mais complexas do que isso.

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