Segundo estudo, se o país investisse US$ 16 bilhões no combate ao problema, seriam criados benefícios na ordem de US$ 35,5 bilhões
AMANDA POLATO
O Brasil cresceu na última década. Mais de 35 milhões de pessoas passaram a integrar a classe média e o poder de compra aumentou. No entanto, 3,7 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos ainda têm de trabalhar para complementar a renda das famílias. Muito já foi feito para acabar com o trabalho infantil e o país vem conseguindo reduzir as taxas. Entre 1999 e 2011, o número de menores ocupados diminuiu 45%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas o ritmo é mais lento do que o esperado. “Em uma década, entre 2000 e 2010, conseguimos tirar 528 mil crianças do trabalho. Nessa velocidade, não será possível acabar com todas as formas de trabalho infantil até 2020”, afirmou nesta segunda-feira (26) Isa Maria de Oliveira, secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI).
O país tem como meta eliminar até 2016 as formas perigosas e degradantes de trabalho infantil, como ocupações na construção civil, em lixões e prostituição, e eliminar até 2020 qualquer tipo de trabalho infantil. O FNPETI acompanha políticas públicas e monitora índices sobre o assunto. Pelas leis nacionais, é proibido trabalhar antes dos 16 anos, a não ser sob a condição de aprendiz (modalidade que mistura aprendizagem e trabalho), a partir dos 14 anos. Ocupações perigosas e no período noturno são permitidas a partir dos 18 anos.
Nos últimos anos, o Brasil conseguiu combater o problema no mercado formal, mas ele persiste em cadeias produtivas (quando há terceirização da produção), na agricultura e dentro das casas – onde a fiscalização é muito mais difícil. Estima-se que 70% do trabalho infantil ocorram hoje no ambiente familiar e não sejam remunerados. “Ninguém vê os serviços domésticos feitos por crianças. Os números que temos hoje são subnotificados”, diz Maria de Salete Silva, coordenadora do programa de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Fernando Botelho, pesquisador da Tendências Consultoria e professor da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o desenvolvimento econômico tem ajudado a combater o trabalho infantil, porque, quanto menos empresas informais, maior a chance de controle por parte do governo. “Uma empresa informal não existe. Como ela será fiscalizada?” Por outro lado, quando o mercado de trabalho está aquecido, há mais ofertas para crianças e adolescentes, que recebem em média 42% menos que adultos na mesma função, segundo pesquisa divulgada nesta segunda no IV Encontro Internacional contra o Trabalho Infantil, em São Paulo.
O estudo, feito pela Tendências Consultoria a pedido da Fundação Telefônica Vivo, mostra que investimentos para combater o trabalho irregular trariam muito mais benefícios econômicos do que se imaginam. Para o futuro dos jovens – e também do país –, diz a pesquisa, é mais vantajoso que o governo os mantenha na escola e ofereça um complemento à renda das famílias (como faz o Bolsa Família) do que compactuar com o trabalho irregular desde cedo. Se o país investir US$ 16 bilhões, considerando transferência de renda, custos de políticas públicas específicas e melhorias na educação, o retorno no longo prazo seria de US$ 35,6 bilhões, já que, com maior escolaridade, a renda dos jovens seria muito maior. O recado é: para cada R$ 1 investido, o retorno vem em dobro.
A erradicação do problema poderia acabar com o círculo vicioso da pobreza que existe no Brasil. O economista Fernando Botelho afirma que quem começa a trabalhar cedo fica menos tempo na escola e tende a ganhar pouco a vida toda. Em geral, os filhos dessas pessoas precisam trabalhar para ajudar a família, e, assim, a pobreza e a exclusão permanecem. “Criança que trabalha tem menos chance de estudar e estuda mal, perpetuando a mazela”, afirma Botelho. Alunos da 4ª série do ensino fundamental que trabalhar fora de casa têm desempenho 11% inferior. “Estamos criando gerações de adultos de baixa escolaridade. É um sistema perverso”, diz Maria de Salete Silva, da Unicef.
Desafios
Ainda existem muitos desafios para o combate ao trabalho infantil. Um deles é a falta de fiscalização e acompanhamento de ambientes domésticos e informais. Especialistas dizem que apenas programas municipais, com apoio da assistência social, poderiam dar conta da chamada “busca ativa”. “Não há liderança no nível federal que articule e incentive a ação dos prefeitos nessa área”, afirma Isa de Oliveira, do FNPETI.
A baixa qualidade do ensino também é apontada como fator de risco para o trabalho infantil. “Os jovens não querem essa escola que é oferecida a eles. No século XXI, a escola ainda é analógica e nos mesmos moldes do século XIX. Os adolescentes só vão pelo diploma, não veem sentido daquilo para a vida e o futuro deles”, afirma Fernando Botelho.
Ainda existem projetos de lei em tramitação no Congresso para reduzir a idade limite para o trabalho que vão na contramão de recomendações internacionais. Outro problema é autorização que juízes dão para que crianças e adolescentes trabalhem, mesmo contrariando as leis brasileiras. Os exemplos mostram que ainda persiste a cultura de que é melhor ser produtivo do que ficar na rua. “O certo é que a criança fique na escola. A defesa do trabalho infantil como solução para problemas tem que acabar. O adolescente tem que perceber que não terá futuro se ficar trabalhando”, diz Maria de Salete.
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