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sábado, 31 de agosto de 2013

Perigosos peixes de aquário

“10,000 Count,” 1954
“10,000 Count,” 1954
Nossa estranha sociedade sugere exibir dinheiro ou poder, diante da incapacidade de sentir. Também por isso, nova guerra é iminente
Por Katia Marko, na coluna Outro Viver | Imagem de Ikeda Tatsuo
Me nego a viver em um mundo ordinário,
como uma mulher ordinária.
A estabelecer relações ordinárias.
Necessito o êxtase.
Não me adaptarei ao mundo. Me adapto a mim mesma.”
Anais Nin

Os últimos acontecimentos no mundo e a iminência de um novo ataque ao Oriente Médio têm me feito refletir sobre o tema poder versus prazer. Comecei a pesquisar sobre a questão e me deparei com uma análise estatística realizada pelo neuropsicólogo James W. Prescott, do National Institute of Child Health and Human Development, com 400 sociedades pré-industriais.
No trabalho de 1975, intitulado “O Prazer Corporal e as Origens da Violência”, ele coloca à prova, estatisticamente, algumas das principais teses de Wilhelm Reich sobre o desenvolvimento humano e social. A pesquisa aponta que aquelas culturas que dão muito afeto físico a seus filhos, e não reprimem a atividade sexual de seus adolescentes, são pouco inclinadas à violência, à escravidão, à religião organizada. Já nas culturas onde o castigo físico às crianças é constante, e há grande repressão sexual na adolescência, tendem a conviver com homicídios frequentes, torturas, cultivo da inferioridade da mulher e a crença em seres sobrenaturais que intervêm na vida diária.
Prescott afirma que diversas condutas sociais e emocionalmente anormais, resultantes do que os psicólogos chamam “privação materno-social” – isto é, carência de cuidados ternos e amorosos – são causadas por um único tipo de privação sensorial, privação de contatos somato-sensoriais. Provenientes da palavra grega que designa o corpo, este termo se refere às sensações de contato e de movimento corporal que diferem do sentido da visão, da audição, olfato e gosto. “Creio que a privação do contato corporal, das carícias e do movimento, constituem as causas básicas de boa quantidade de transtornos emocionais que incluem os comportamentos autista e depressivo, a hiperatividade, as perversões sexuais, a busca de riqueza e poder, o abuso de drogas, a violência e a agressão.”
Vivemos em um mundo onde o poder e a violência se sobrepõem. A luta pela sobrevivência torna a busca natural do prazer irrelevante. Suportamos a dor e a violência. Tomamos como normal o que não é natural. Adotamos um comportamento autodestrutivo. E tudo isso em prol do quê?
No livro Prazer, uma abordagem criativa da vida, Alexander Lowen diz que o poder é antagônico ao prazer. “O prazer se origina do fluxo livre de sensações e de energias dentro do corpo, e entre o corpo e seu meio. O poder se desenvolve através do represamento e controle da energia. Se desenvolve a partir do controle e funciona através dele. Não pode funcionar de outra forma. Ele é controlador e demolidor. Ergue uma parede entre o homem e o seu meio. Protege-o, mas também o isola.”
Lowen faz uma analogia interessante. Segundo ele, a pessoa que mora num apartamento numa cidade moderna, aquecido no inverno e refrigerado no verão, trabalhando em um escritório em condições semelhantes, é como o animal no zoológico ou o peixe no aquário. Sua sobrevivência está assegurada e seu conforto provido, mas a excitação e o prazer em espaços abertos, os estímulos das mudanças de estação e a liberdade de áreas ilimitadas lhe são negadas. “Não passa de um pobre peixe que trocou a liberdade e os perigos do oceano ou do rio pela segurança do aquário.”
A sociedade de massa, ao lado da busca por sucesso, nos induz a uma obsessão pelo poder. Na avaliação de Lowen, a luta pelo êxito se desenvolve a partir da necessidade de se conseguir reconhecimento, alcançar a identidade mesmo que só seja pública, e sentir-se importante. “A luta pelo poder nasce da necessidade de superar sentimentos íntimos de impotência e de compensar sentimentos de desespero. Para as pessoas, o sucesso se apresenta sob dois aspectos. Um é o da riqueza; o outro o da autoridade. Ambos proporcionam a quem os possua uma sensação de poder que servirá para criar uma pseudo-individualidade parecida com a do bem-sucedido.”
Comunidade Osho Rachana completa agora em setembro nove anos. Eu moro lá há cinco. Neste tempo já experimentamos diferentes formas. Agora debatemos a nossa visão de comunidade para os próximos anos. Como queremos viver? Quais são nossas prioridades, nossos valores? E a questão poder versus prazer está bastante presente também. Como ir além da sobrevivência e viver com mais alegria e criatividade.
O mestre indiano Osho afirma que somente quando o ser humano renasce, ele pode compreender qual é a beleza e a grandiosidade da infância. E compara a criança ao sábio. “O sábio não é superior e a criança não é inferior. A única diferença é que a criança não sabe o que ela é, não compreende a imensa inocência que a envolve, e o sábio sabe.” Quem sabe curar as feridas da infância e da adolescência seja o início para a busca de uma vida mais prazerosa. Utopia? O mundo não vai mudar? Bem, eu quero fazer a minha parte.

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