Nossa estranha sociedade sugere exibir dinheiro ou poder, diante da incapacidade de sentir. Também por isso, nova guerra é iminente
Por Katia Marko, na coluna Outro Viver | Imagem de Ikeda Tatsuo
“Me nego a viver em um mundo ordinário,
como uma mulher ordinária.
A estabelecer relações ordinárias.
Necessito o êxtase.
Não me adaptarei ao mundo. Me adapto a mim mesma.”
Anais Nin
como uma mulher ordinária.
A estabelecer relações ordinárias.
Necessito o êxtase.
Não me adaptarei ao mundo. Me adapto a mim mesma.”
Anais Nin
Os últimos acontecimentos no mundo e a iminência de um novo ataque ao Oriente Médio têm me feito refletir sobre o tema poder versus prazer. Comecei a pesquisar sobre a questão e me deparei com uma análise estatística realizada pelo neuropsicólogo James W. Prescott, do National Institute of Child Health and Human Development, com 400 sociedades pré-industriais.
No trabalho de 1975, intitulado “O Prazer Corporal e as Origens da Violência”, ele coloca à prova, estatisticamente, algumas das principais teses de Wilhelm Reich sobre o desenvolvimento humano e social. A pesquisa aponta que aquelas culturas que dão muito afeto físico a seus filhos, e não reprimem a atividade sexual de seus adolescentes, são pouco inclinadas à violência, à escravidão, à religião organizada. Já nas culturas onde o castigo físico às crianças é constante, e há grande repressão sexual na adolescência, tendem a conviver com homicídios frequentes, torturas, cultivo da inferioridade da mulher e a crença em seres sobrenaturais que intervêm na vida diária.
Prescott afirma que diversas condutas sociais e emocionalmente anormais, resultantes do que os psicólogos chamam “privação materno-social” – isto é, carência de cuidados ternos e amorosos – são causadas por um único tipo de privação sensorial, privação de contatos somato-sensoriais. Provenientes da palavra grega que designa o corpo, este termo se refere às sensações de contato e de movimento corporal que diferem do sentido da visão, da audição, olfato e gosto. “Creio que a privação do contato corporal, das carícias e do movimento, constituem as causas básicas de boa quantidade de transtornos emocionais que incluem os comportamentos autista e depressivo, a hiperatividade, as perversões sexuais, a busca de riqueza e poder, o abuso de drogas, a violência e a agressão.”
Vivemos em um mundo onde o poder e a violência se sobrepõem. A luta pela sobrevivência torna a busca natural do prazer irrelevante. Suportamos a dor e a violência. Tomamos como normal o que não é natural. Adotamos um comportamento autodestrutivo. E tudo isso em prol do quê?
No livro Prazer, uma abordagem criativa da vida, Alexander Lowen diz que o poder é antagônico ao prazer. “O prazer se origina do fluxo livre de sensações e de energias dentro do corpo, e entre o corpo e seu meio. O poder se desenvolve através do represamento e controle da energia. Se desenvolve a partir do controle e funciona através dele. Não pode funcionar de outra forma. Ele é controlador e demolidor. Ergue uma parede entre o homem e o seu meio. Protege-o, mas também o isola.”
Lowen faz uma analogia interessante. Segundo ele, a pessoa que mora num apartamento numa cidade moderna, aquecido no inverno e refrigerado no verão, trabalhando em um escritório em condições semelhantes, é como o animal no zoológico ou o peixe no aquário. Sua sobrevivência está assegurada e seu conforto provido, mas a excitação e o prazer em espaços abertos, os estímulos das mudanças de estação e a liberdade de áreas ilimitadas lhe são negadas. “Não passa de um pobre peixe que trocou a liberdade e os perigos do oceano ou do rio pela segurança do aquário.”
A sociedade de massa, ao lado da busca por sucesso, nos induz a uma obsessão pelo poder. Na avaliação de Lowen, a luta pelo êxito se desenvolve a partir da necessidade de se conseguir reconhecimento, alcançar a identidade mesmo que só seja pública, e sentir-se importante. “A luta pelo poder nasce da necessidade de superar sentimentos íntimos de impotência e de compensar sentimentos de desespero. Para as pessoas, o sucesso se apresenta sob dois aspectos. Um é o da riqueza; o outro o da autoridade. Ambos proporcionam a quem os possua uma sensação de poder que servirá para criar uma pseudo-individualidade parecida com a do bem-sucedido.”
A Comunidade Osho Rachana completa agora em setembro nove anos. Eu moro lá há cinco. Neste tempo já experimentamos diferentes formas. Agora debatemos a nossa visão de comunidade para os próximos anos. Como queremos viver? Quais são nossas prioridades, nossos valores? E a questão poder versus prazer está bastante presente também. Como ir além da sobrevivência e viver com mais alegria e criatividade.
O mestre indiano Osho afirma que somente quando o ser humano renasce, ele pode compreender qual é a beleza e a grandiosidade da infância. E compara a criança ao sábio. “O sábio não é superior e a criança não é inferior. A única diferença é que a criança não sabe o que ela é, não compreende a imensa inocência que a envolve, e o sábio sabe.” Quem sabe curar as feridas da infância e da adolescência seja o início para a busca de uma vida mais prazerosa. Utopia? O mundo não vai mudar? Bem, eu quero fazer a minha parte.
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