Outro dia toquei aqui na questão da mulher nostradâmica, aquela que vê uma teoria do fim do mundo em tudo que aparece pela frente. A mulher descrente.
Mal escrevi e lá chegaram e-mails, mensagens e comentários pedindo, carinhosamente, que o cronista discorresse melhor sobre o tema.
O que você, estimada leitora, me pede chorando que eu não faço sorrindo? Recupero aqui duas ou três coisas que sei sobre a fêmea que vive sob o eterno signo da desconfiança.
Contra ela, tudo conspira.
Sim, com vocês, por incrível que pareça, a mulher que parece ter nascido de uma costela de Nostradamus. Ela existe. Apocalíptica, sempre acha que nada vai dar certo em relação aos homens.
É o fim do mundo. É anti-Pollyana por excelência.
Tudo bem, sabemos que não está fácil para ninguém. Ainda mais nestes tempos do homem-de-Ossanha, aquele macho frouxo que diz que vai e não se move, como no samba de Vinícius e Baden Powell.
A criatura nostradâmica não acredita nunca. Jamé.
Ao contrário da mulher da música “Folhetim”, de Chico Buarque, ela jamais dirá um “sim”.
Mesmo quando todas as condições históricas estão dadas para o enlace. Ou pelo menos para um sexo decente.
“Sei não, está bom demais para ser verdade”, ela pensa.
Sim, posso ler daqui os seus pensamentos.
“Não, não vou cair mais nessa, sei o tamanho de tombos do gênero,” prossegue nas suas reflexões, nervosa, nervosíssima.
Daqui a uma hora se encontrará mais uma vez o pretendente. Pretendente não, porque ela já elimina de véspera.
Encontrará alguém, digamos assim.
Ele a convidou para jantar fora. Quanto tempo alguém não a tratava ela com tanta distinção e classe!
Ela se sente valorizada, mas está com medo, pode ser apenas mais um truque. “Que que eu faço, Diós mio?”, bate o desespero enquanto escolhe a roupa –outro drama.
“Ele só quer sexo. Vai ficar comigo e na manhã seguinte esse telefone emudecerá de vez”, segue o pensamento apocalíptico.
Projeta o futuro no pior cenário. Sim, não à toa, baseia-se no repertório deixado por outros canalhas.
Então liga para a amiga, a amiga mais cética, porque ela está querendo ouvir algo desencorajador mesmo.
A amiga recomenda muito pé atrás. A amiga já levou muitos tombos e, de alguma forma, é humaníssimo, sente uma certa ponta de inveja.
Falta meia hora para o novo encontro. A nostradâmica senhorita confere o cabelo e acha péssimo. Está desesperada como uma daquelas mulheres dos filmes de Almodóvar.
“Por que esse cara vem logo para o meu lado”?”, bate de vez a paranoia delirante.
O carro dele para na frente da casa dela. Há tempos não ouvia aquela buzina que parece tocar a mais romântica do Stevie Wonder, algo como “You Are the Sunshine of My Life”.
A buzina chama para a vida lá fora.
“Não pode ser verdade”. Em vez de ir às nuvens, ela insiste na desconfiança enquanto aperta o T de térreo.
Entradas, drinques, o jantar está ótimo, a conversa incrível.
“Só pode ser truque”, aciona de novo todos os botões do painel da desconfiança feminina. “Não fico com ele hoje de jeito nenhum, nem me venha com esse papinho de don Juan de araque”.
Com licença, vai ao banheiro. Não resiste e resolve consultar de novo a amiga, pelo celular. Está em pânico. A amiga recomenda mais pé atrás ainda.
“Demorei muito?”, ela pergunta. Sim, só de telefonema foram dez minutos. Mas ele, todo afável: “Imagina, demorou quase nada”.
Sobremesa, café, a conta.
No carro, ela nota -como aprendeu com o livro “O corpo fala”- que ele a deseja, como nunca.
Em vez de corresponder, se esquiva mais ainda: “Não caio nem morta nos braços desse truqueiro”.
Assim age a nostradâmica criatura. Corta o drama logo nos primeiros ensaios. Vai que dá certo, não é mesmo? Imagina a confusão que estaria formada na vida. Imagina o rebuliço na existência.
Como um Bartleby, o escriturário, personagem enfezado do livro homônimo de Herman Melville, para tudo nessa vida a nostradâmica diz “prefiro não”ou “prefiro não fazer”.E nem vem com essa de que ela diz não querendo dizer sim. Necas de pitibiriba.
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