Publicado em Pesquisa por Redação
Mariana Melo / Agência USP de Notícias
A atuação dos profissionais ligados à segurança pública, quando esta se faz por práticas de corrupção, suborno e tortura, somados à arbitrariedade do não cumprimento dos códigos de justiça, influencia no aumento da criminalidade em São Paulo e no aspecto violento desta. É o que a jurista e socióloga Alessandra Teixeira chama de “gestão de ilegalidades”.
A conclusão está no doutorado de Alessandra, defendido em 2012, e que recebeu menção honrosa no prêmio Tese Destaque USP, área de Ciências Humanas, em julho de 2013. A pesquisa foi desenvolvida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, sob orientação do professor Sergio França Adorno de Abreu, do Departamento de Sociologia.
Os agentes dessa gestão de ilegalidades não são apenas os policiais, mas todo o sistema envolvido, que inclui os seus responsáveis nos poderes Executivo e Judiciário. Alessandra percebeu que as formas do aparelho policial se inferir nas economias criminais, por meio de mercadorias políticas, extorsões, cobranças e execuções, transformam as percepções que a sociedade tem de violência e segurança. “Ao não cumprir a lei, eles [os policiais] taxam a execução dela” diz a autora, e continua: “Não se trata só da polícia, mas sim da estruturação moldada de forma a fazer entender que a supressão da lei é aceitável”. No caso, para a aceitação de uma ordem pública pretensamente segura.
Prisões correcionais
Na elucidação de ilegalidades que alteraram a concepção do que é a prática legal de contenção do crime, Alessandra estudou como se davam as chamadas prisões correcionais, também conhecidas como prisões de averiguação. As prisões correcionais são diferentes porque acontecem sem que um inquérito ou sentenças oficiais sejam implantados.
Para exemplificar, a pesquisadora cita as detenções por vadiagem ou alcoolismo, comuns nos anos 1930. A mentalidade por trás desta prática, que transformou em banal o conceito de detenção mediante generalização dos crimes cometidos, é, até os dias de hoje, uma das responsáveis por fazer crescer a criminalidade e a violência, no que a autora chama de “prender pessoas à margem da legalidade.”
A estruturação da polícia, para Alessandra, favorece esse paradoxo porque a militarização traz um traço de gerir populações com controle e repressão, que acabam se voltando contra a população: “A delinquência é o resultado de um processo extenuado de radicalização operado pelo aparato repressivo, e a partir da violência do Estado”. A extrapolação destes tópicos também acaba influenciando a forma como a população reage à violência, ou seja, a aceitação fria de eventos que deveriam chocar, como chacinas em regiões periféricas da cidade.
Histórico
A violência e a corrupção dos agentes da segurança pública, segundo a pesquisadora, condiciona a “economia do crime”. Nos anos 1930, a cobrança de subornos para que se mantivesse rentável a exploração da prostituição potencializou a articulação criminal junto à região do Bom Retiro, na área central de São Paulo, que ficou conhecida como Boca do Lixo.
Outra observação da pesquisa é a cristalização do conceito de delinquência urbana, que ocorreu nas décadas de 1960 e 1970, o que coincide com a criação da Polícia Militar. No entanto, segundo Alessandra, desde o início do século 20, a polícia em São Paulo, mesmo sendo predominantemente civil, possuía caráter militarizado. “Desde o Império temos esses traços repressores na atuação da polícia. A reformulação das ações [da segurança pública] acaba se dando a partir destas vertentes” conta.
Para realizar sua pesquisa, Alessandra levantou estatísticas criminais do período de 1930 a 1990 e material publicado pela imprensa, principalmente nos anos 1970 e 1980, além de entrevistas com internos da Fundação Casa e com Luiz Alberto Mendes, autor do livro Memórias de um Sobrevivente.
Mais informações: email alet@usp.br
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