Por que o sal não fica ao lado do açúcar? Preciso compreender isso se não quiser deixar o meu carrinho vazio de afetos.
POR MÔNICA EL BAYEH
Numa iniciativa de criatividade ímpar, motoristas de ônibus do Rio de Janeiro trocaram seus volantes por guidões. Passaram a ser ciclistas por um tempo. A proposta é vivenciar, ao menos um pouco, o impensado lugar do outro.
Motoristas de ônibus se queixam de todos. Todos se queixam dos motoristas. A troca, no mínimo inusitada, possibilita um olhar novo e afetivo que muda todo o cenário. Eu, no lugar do outro.
O que você faria se estivesse no meu lugar? Isso já deu até filme. É um tema infinito, inesgotável. Tenho meus motivos, razões, convicções. O outro também. Quero que os meus sejam escutados, validados e seguidos. O outro também.
Desço do meu pedestal de único dono da razão. Faço o exercício de treinar minha escuta para o que o outro tem a acrescentar. Só assim uma mudança pode acontecer.
Essa relatividade de perceber que o meu lado é apenas um dos lados da questão dá mais leveza ao trato com o outro. Saio do meu trono. Não sou mais rei poderoso, dono de toda a razão. Sou igual aos demais, donos da mesma rua. Nem minha, nem dele. De todos.
Razão cada um tem a sua. Eu respeito, nem faço questão de estar certa. Tudo é meio relativo, nenhum fato é cru e puro. Há alguns tons de azul que, para mim, são verdes. Não sou daltônica. Apenas é assim que meus olhos interpretam a nuance. Mas se o verde do outro para mim é azul, pouco importa. Quero a beleza da cor na mistura.
Toda questão tem pelo menos dois lados: o de dentro e o de fora. Olhando de fora, temos uma percepção. Mas é o avesso que me conta o que o direito não expõe. No avesso é que há os emaranhados de linhas, os nós que amarraram o caminho, os arremates mal feitos, as gambiarras que a gente ajeita para que a vida siga como puder. É o avesso que me conta as dores e os amores de cada um.
Minha forma de olhar a situação me fornece uma perspectiva. Muitas vezes boa e nítida, como uma foto bem tirada. Mas se eu quiser uma foto panorâmica, isso só o meu ponto de vista não vai me fornecer. A imagem panorâmica é fruto da soma de muitas perspectivas. Por isso, é mais completa. E, normalmente , mais bonita também.
Supermercados me irritam. Num pensamento tortuoso, sal fica num extremo e o açúcar em outro. Até encontrar tudo, corro contra o tempo, perdida e cheia de pressa. Me sinto como se estivesse numa gincana. Brigo, esperneio com o supermercado? Grito que ele não me ama mais, que não me entende? Chamo o gerente e digo que precisamos discutir a relação?
Qual a diferença entre o raciocínio do supermercado e o do meu parceiro? Sabe? Nenhuma. Nos dois casos, diferenças de linhas de pensamento. No meu corretíssimo raciocínio, açúcar tinha que estar ao lado do sal. Nunca, em nenhuma hipótese, separados.
Não posso largar o carrinho, nem chegar sem as compras. Não tenho essa opção. Então, me recolho em minha insignificância e procuro ou pergunto a alguém. Compro e resolvo a questão. Simples assim.
A minha capacidade de tolerância está em mim, não no outro. A diferença está no meu interesse em suportar isso ou não.
Provavelmente, com namorado, marido ou filho, as opiniões diferentes não levariam a esse final tranquilo e feliz. Por quê? Se é a necessidade que me força a aceitar a lógica maluca dos supermercados, por que não posso fazer o mesmo esforço para entender as pessoas com quem me relaciono?
Namorados, maridos, filhos, todos pensam de outra forma, cada um com sua própria linha de raciocínio. Preciso ter a humildade de perceber que os outros não são errados só porque pensam diferente de mim. É o mínimo que preciso fazer, se não quiser sair dali com meu carrinho vazio de afetos.
O contrário não é ruim ou errado, é apenas diferente. E o diferente pode ser muito bom. Por que não? É preciso se colocar no lugar do outro. Nem sempre é possível, nem sempre é agradável. Nem sempre eu quero. Mas ajuda e muito. Mostra vontade de verdadeiramente interagir. É uma atitude simpática. E, vamos combinar, simpatia é quase amor.
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