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quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Quando a justiça se molda à relatividade dos afetos

Um menino que tem dois pais registrados. Quanto mais amor melhor, não concorda?

POR MÔNICA EL BAYEH
Na vida existe o que a gente deveria ser E o que a gente consegue ser. Esses dois eixos muitas vezes seguem paralelos. Só se encontram no infinito. Seguimos sendo o que podemos. Num equilíbrio precário. Nem sempre suficientemente bom. Muitas vezes aos trancos e barrancos. Empurrando com a barriga em muitos momentos. Assim vamos levando o trabalho, o amor e a vida.
A situação se agrava quando temos filhos. Acho que nenhuma função nos pega tão desprevenidos quanto essa última. Não há preparo suficiente. Ser pai e mãe é viver cara a cara com o inusitado. Em regime de vinte e quatro horas. Sem substituição.  Num plantão ininterrupto. Somos jogados na dor e delícia da vida selvagem. Sem direito a ré, retorno ou desistência do cargo. Um trabalho árduo, artesanal, improvisado. E que demanda coragem e iniciativa. Muitas vezes bem além do que se tem disponível.
Ser pai e mãe era para ser cargo vitalício e com dedicação integral. Acontece que vai além do suportável para algumas pessoas. E elas acabam pulando do barco no meio do trajeto. Assustadas com a responsabilidade da função que têm pela frente , fogem. Se valem da tranquilidade de ainda contar com alguém para segurar o leme. Ou, às vezes nem isso. E largam os filhos à deriva. Largam porque também estão internamente à deriva. Essa é a forma que sabem fazer. Não podem ou conseguem reagir diferente. Uma pena. Fazem falta.
Essa história aconteceu em Manaus. Casal novo, despreparado. Filho pequeno, choros e fraldas. O pai pulou do barco. A mãe seguiu no leme. Com sorte encontrou outro parceiro que lhe ajudasse a navegar. Navegaram por águas calmas e turbulentas. Juntos conseguiram criar o menino. Nem estou aqui para questionar quem é o pai de verdade. Mas a função paterna quem exerceu foi esse companheiro da mãe. Ele ensinou o menino a jogar bola. Brigou, brincou, levou e buscou. Viu saúde, viu doença. Se fez querido. Soube ser importante.
No vazio do pai que abandonou o barco, ele remou e deu rumo. Semeou uma relação de amor. Floriu onde era puro vácuo. Agora demanda ser pai de todas as formas. Inclusive legalmente.O menino é registrado pelo pai biológico que ainda é vivo. Não podia ser adotado pelo pai afetivo. Mas no desejo de legalizar um amor tão grande, procuraram a justiça buscando uma solução.   
A decisão do juiz foi inusitada e linda. Se há dois pais na vida do menino, então que seja legalmente também assim. A justiça precisa representar o que se vive.  O que o menino vive é uma relação de uma mãe e dois pais. Amor quanto mais melhor, não é mesmo?O juiz bateu o martelo. O menino agora tem, oficialmente, dois pais. E o direito de usar o sobrenome dos dois. Como não houve exclusão de ninguém, a relação de todos fica mais leve. Foi soma sem subtração. Sem retaliação, nem culpas.
Vida costuma ser assim mesmo. Cada um dá o que pode. Na medida do que recebeu. Do jeito que aprendeu a fazer. A gente só dá o que tem. Não cabe condenação. Foram respeitadas as diferenças, a capacidade de amar de cada um. Legitimou-se o vivido. Sem moldes pré-concebidos. A vida é o que cada um consegue construir nela. E quantos modelos de  famílias não temos por aí?
Acho fantástico quando a justiça sai da seara do certo e errado e se molda à relatividade dos afetos possíveis. Precisamos de mais juízes corajosos, criativos e inovadores como Dr. Dídimo de Barros Filho.
Essa é uma história de lucros e de final feliz. Parabéns a todos.
perfil Mônica El Bayeh - blog da Ruth (Foto: ÉPOCA)

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