mulheres2 América Latina deve render mais em direitos reprodutivos
Mulheres indígenas de Chiapas. Foto: Mauricio Ramos/IPS

por Purnima Mane*
Washington, Estados Unidos, agosto/2013 – Na última década vários países da América Latina e do Caribe registraram crescimento econômico e criaram políticas fiscais para redistribuir a riqueza e reduzir a pobreza e a desigualdade, bem como para melhorar a cobertura e a qualidade da saúde, da educação e dos serviços sociais.
Entretanto, existe na região uma significativa brecha em matéria de saúde e direitos reprodutivos, especialmente com relação a alguns dos principais objetivos do Programa de Ação (surgido da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizada em 1994 no Cairo).
Se tomarmos um dos indicadores básicos de saúde reprodutiva como a mortalidade materna, sua redução não basta para garantir o cumprimento em 2015 de uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
A mortalidade materna média da região é de 80 mortes para cada cem mil nascidos vivos, segundo estimativas de 2011 da Organização Mundial da Saúde (OMS), do Fundo de População das Nações Unidas, do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Banco Mundial.
Além disso, há desigualdades significativas entre os países.
Por exemplo, a mortalidade materna no Uruguai foi de 29 em cada cem mil nascidos vivos em 2010, enquanto na Guatemala chegou a 120. O Haiti é o país em pior situação, com 350 mortes.
Uma proporção significativa dos falecimentos se deve a abortos praticados em condições inseguras, uma importante causa de preocupação na região.
Estima-se que em 2008 o número de abortos foi de 31 para cada mil mulheres entre 15 e 44 anos. Além disso, 12% das 1.100 perderam a vida por interromperem a gravidez em condições inseguras, segundo a OMS.
O aborto só é legal em seis países, que juntos concentram menos de 5% das mulheres entre 15 e 44 anos, segundo dados de 2012 do Instituto Guttmacher.
Além das diferenças em matéria de mortalidade materna e possibilidades de abortar em condições seguras de um país para outro, também há desigualdades internas.
Por exemplo, a fertilidade caiu de forma considerável na Bolívia (DHA, 2008), mas nos setores sem educação foi de 6,1 em comparação com 1,9 em setores escolarizados; e a diferença entre cidades e zonas rurais foi de 2,8 e 4,9, respectivamente. No Panamá, a mortalidade materna é cinco vezes maior entre as indígenas.
E o mais trágico é que América Latina e Caribe ocupam o segundo lugar em quantidade de gravidezes adolescentes em escala mundial, aproximadamente 70 nascidos vivos para cada mil meninas entre 15 e 19 anos.
Cerca de 38% das mulheres engravidam antes dos 20 anos e quase 20% dos nascidos vivos têm mães adolescentes.
A conclusão é clara: o acesso universal a serviços de saúde reprodutiva está longe de ser uma realidade na região.
Considerando os sete componentes do Programa de Ação do Cairo, os países da região conseguiram maior prevalência de anticoncepcionais do que África e Ásia.
Por exemplo, em 2012 a prevalência de anticoncepcionais entre as mulheres casadas na África foi de 26%, enquanto na Ásia chegou a 47%, sem contar a China. Porém, na América Latina e no Caribe foi de 67%, segundo dados do Population Reference Bureau.
Com disse antes, os países da América Latina e do Caribe diminuíram a mortalidade materna regional para 80 em cada cem mil nascidos vivos, uma melhora significativa, especialmente se comparada com a África subsaariana, onde houve 500 mortes, ou a Ásia meridional, com 220, segundo dados do Unicef de 2010.
Mas em outras categorias do Programa de Ação do Cairo, como na expressão e proteção dos direitos sexuais e reprodutivos, que inclui o acesso a abortos seguros e a cuidados posteriores à intervenção cirúrgica, bem como em questões de identidade de gênero ou orientação sexual, ainda há muito por fazer.
As razões dos avanços na América Latina e no Caribe já foram mencionadas: desenvolvimento geral, alta taxa de escolaridade e acesso a anticoncepcionais, que significaram uma ajuda considerável.
Entretanto, não esqueçamos que a falta de progressos em saúde sexual e reprodutiva e, em particular, em matéria de abortos seguros se deve ao fato de uma grande quantidade de países da região ter reservas formais a muitos dos elementos do Programa de Ação.
As reticências têm a ver com o próprio aborto, com a crença nacional e/ou leis sobre a necessidade de proteger a vida desde o momento da concepção e com preocupações por configurações familiares distintas do casamento entre homem e mulher.
Embora vários países de outras regiões tenham expressado reservas semelhantes, especialmente muitos Estados islâmicos e católicos, só um país africano e um asiático (Djibuti e Filipinas) apresentaram reservas formais a respeito.
Estas reservas continuam sendo obstáculos para o avanço em certas áreas e são responsáveis pela situação que se observa atualmente. Envolverde/IPS
Purnima Mane é presidente e diretora-executiva do Pathfinder International, líder mundial em saúde sexual e reprodutiva.