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quinta-feira, 22 de agosto de 2013

As surras na Fundação Casa só podem transformar em marginais meninos que nunca foram santos

Alguém pensou nos próprios filhos quando viu as cenas de espancamento?

POR MÔNICA EL BAYEH*

Filho dói. Quem tem sabe. Dói quando eles caem. Dói quando voltam machucados. Dói quando se ferram. Dói muito. E muito mais na gente do que neles. Nossos filhos nem imaginam a sorte que têm. Ficam furiosos com os castigos, as brigas e os gritos. Dos conselhos, debocham. Repetem imitando a voz. Felizes das nossas crianças que têm quem puna e coloque limite.

Nossos filhos trazem dentro essa sensação de pertinência. E apesar de todas as mancadas, vacilos, esquecimentos que dão, têm um rumo. Esta semana, foi exibido pelo programa Fantástico um vídeo onde seis jovens infratores estavam sendo espancados. Esta semana que se saiba. Provavelmente, mais uma vez entre tantas. Uma rotina da casa? Talvez. Os funcionários gritavam, batiam, ameaçavam. Os meninos só de cuecas apanhavam. Uma cena chocante.

O que os meninos fizeram antes? Eles não são fáceis. Com certeza deram motivo? O que se espera encontrar num reformatório: nerds e coroinhas? Eles trabalham no reformatório, o que eles esperavam receber de clientela? Ser difícil de lidar não é o esperado? Era para ser.

Posso falar com bastante experiência. Conheço de perto muitos deles. Já vi os finais mais variados. Esses meninos são marrentos, desafiadores, valentões. São meninos muito difíceis sim. Apenas espelhos. Refletem a vida que tiveram. Uma sequência de faltas e desencontros. Uns conseguem superar. Outros não. Vidas que desembocam em internações como essas em reformatórios. Mas reformam?

A esses meninos foi negada saúde direita, educação adequada às suas dificuldades tantas, casa que parecesse um lar. Uns têm e viram marginais? Verdade. Cada um é que sabe de seus motivos e dores. Quem pode jogar a primeira pedra? Fala a verdade, quem é legal, simpático, dócil, fácil de lidar não vai para reformatório. Vai quem é revoltado, agressivo, arrogante, metido a poderoso, metido a bandido. Bandido é o único poder que tiveram por perto, muitas vezes. O modelo de sucesso que têm para seguir. Em muitas comunidades, bandido pagava parto e enterro. Os meninos aprenderam a valorizar.

Esses meninos são réus e vítimas da mesma sociedade. O mínimo era que eles fossem compreendidos. Um pouco de empatia pode ser o suficiente para o começo de uma boa relação. Mas encontram pessoas despreparadas para tratar de adolescentes infratores.

Quem aceita pessoas despreparadas? Quem as contrata? Quem permite que continuem? Entre as ameaças recebidas, a de morte. Só para esclarecer: quem são mesmo os infratores nesse caso?

Como foram descobertos, os responsáveis pela instituição tiveram que tomar providências. Mostraram surpresa. Não sabiam mesmo? Não sabiam por quê? Não era para saberem? Não são eles os responsáveis pela custódia, recuperação e bem-estar desses já tão sofridos meninos? Volto a perguntar: se eles são pagos para cuidar de crianças e não cuidam, quem é mesmo o infrator nesse caso?

"Vou falar para os senhores: a mãe dos senhores vai visitar os senhores lá no IML"

A pessoa que fez essa ameaça é paga por todos nós contribuintes. É paga para matar? Se for, somos cúmplices. Calamos. Consentimos. Não sentimos. Nem vemos. Sossegados de saber que eles estão presos do outro lado do muro. Sem o risco de roubar nossos filhos na rua. Ou nos atacar nos sinais. Um alívio.

Trato aqui exclusivamente dos infratores de baixa renda. Porque nas outras classes sociais cansamos de ver os mesmos comportamentos. Sem tirar nem pôr. Sem que alguma punição mais séria se apresente.

Quantas vezes não vimos nossos filhos sendo roubados dentro da própria escola? Do clube? Eu mesma já voltei descalça para casa duas vezes. Isso num clube classe média tradicional. É menos grave? Ao contrário. Para quem tem tudo, é muito pior. Rico não vai para reformatório. Nem classe média. Se fosse, aí era outro assunto? Outro tratamento?

Os jovens pobres infratores a quem pertencem? De quem é esse fardo? O pesado baú dos que não tiveram tudo o que deveriam. E agora nos ameaçam e assustam. Os meninos que nos fazem fechar as janelas. Os meninos dos quais a gente ensina os filhos a se proteger e se retrai quando estão por perto. São de quem esses tristes e perdidos meninos? Essa é uma questão que se colocou para todos nós essa semana. Não é nova. Não era desconhecida de ninguém. Acho que a gente talvez preferisse fazer de conta que não sabia.

Não nos diz respeito, fingimos não saber. Não tomamos conhecimento. Liberamos os que estão do lado de lá dos muros para agir livremente. Impunes, eles atacam quem deveriam cuidar. Entregamos ovelhas aos lobos. Os meninos não são ovelhas? Estão mais para lobos? Verdade. Mas nem por isso deixam de ser meninos. Como os nossos de dentro de casa.

Reformatórios como prisões, em sua maioria, não reformam. Não garantem sucesso. Mas viver com dignidade é o mínimo que esses meninos merecem. Além do mais, pegar filho dos outros para ameaçar, espancar, torturar, humilhar? Tirar de dentro de casa para isso? Que nome isso tem? Talvez nunca se recuperem? Pode ser. Pau que nasce torto morre torto? Talvez. Mas esse pau entortou na falta do poder público que lhe sonegou cuidados. E fez um rombo talvez irreversível.

Fundação Casa. Esse é o nome do lugar. Casa qualquer cachorro tem. O que esses meninos precisavam é de lar. Quem tem filho sabe como dói não ter um para dar. Ser acolhido é a chance de se tornar melhor. Isso nem a um cachorro se deve negar.

É assim que esperam uma reforma? Acham que os meninos são casa torta? Querem derrubar a marretadas e reerguer de novo? Não se reergue ninguém na base de agressão. Precisa olho no olho. Confiança. Respeito. Isso, esses meninos não tiveram. Por ali, nem vão ter.

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