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domingo, 18 de agosto de 2013

Mãe, por que não tenho irmãos?

A opção materna pelo filho único - e a dificuldade de explicar em casa, para a família e para a sociedade

POR DANIELA KRESCH , TEL AVIV
TEL AVIV – Eu sabia que esse dia ia chegar. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, minha filha iria acertar as contas comigo. Há poucos dias, ela finalmente perguntou: “Mãe, por que todo mundo tem irmãos menos eu?”. Eu tinha ensaiado diante do espelho como explicaria à minha única filha os motivos que a fazem única. Mas, na hora “h”, fiquei muda. Como dizer a uma menininha de 5 anos que ela não terá um irmãozinho ou uma irmãzinha para brincar ou brigar? E isso num país como Israel, voltado para a vida familiar. 
Maya e sua mãe Daniela (Foto: Divulgação)
Aqui, conto nos dedos de uma mão as famílias que eu conheço com apenas um filho. Em geral são três, quatro. Ou mais, no caso dos mais religiosos (tanto entre a maioria judaica quando entre a minoria muçulmana). “Quando vai ter outro?”, é a pergunta que escuto das mães dos amiguinhos da creche. “Faz logo um segundo!”, dizem as mais assertivas. “Não tenha medo das despesas ou das dificuldades...”, sussurram os mais compreensivas. Tenho que responder que comecei tarde, com 39 anos, e que já tenho 44.
Fica difícil, complicado, quase impossível em termos financeiros ou profissionais, sem contar com os obstáculos físicos e as incertezas matrimoniais. Não é fácil ser mãe no exílio – mesmo que auto infligido –, longe da segurança da terra natal, da ajuda dos pais e amigos.
A pressão social só aumenta e catalisa a culpa, esse sentimento tão familiar. Sei que ela não é a primeira e nem será a única filha única do mundo. Os chineses que o digam – e eles são parte significativa do Planeta Terra. Sei que crescer numa casa sem outras crianças não é necessariamente o fim do mundo. Sei que ela tem 18 primos e infinitos amiguinhos. Mas, apesar de tudo isso, sinto uma pontada no coração.
Eu, a mãe desnaturada, estou deliberadamente privando uma criança inocente da alegria de ter irmãos, de ter pessoas que crescem com ela, que também entendem as idiossincrasias dos pais, também experimentam as alegrias e tristezas da casa. Os melhores amigos, os eternos amigos. Estou ciente de que nem todos os irmãos se dão bem. É puxar cabelo para cá, chute no traseiro para lá. Me dá o meu brinquedo! Não dou, não dou, não dou! Há irmãos que crescem aos tapas, que passam a vida distantes, que até mesmo se odeiam. Mas não posso me iludir. O mais comum é o amor. É a experiência de cumplicidade fraternal. A sensação de ter confidente(s).
Acho que justamente por ter crescido numa casa com três crianças felizes que sempre se amaram, eu e dois irmãos, sinto um aperto no peito quando penso na infância da minha filha única. Ela nunca terá a mesma experiência que eu. Nunca dividirá o quarto e os brinquedos com outras crianças, ensaiará teatrinhos tarde da noite, brigará pelo controle remoto, cantará em coro em viagens longas de carro. Sempre carregará nos ombros o peso de ser o centro das atenções, das expectativas, o foco principal da diminuta família.
Às vezes me pego olhando para ela na mesa de jantar e percebo que meu marido também a observa. Com deleite, claro. Mas não deve ser fácil ser o recipiente único de tanto amor. Um amor não dividido com outros.  Já imaginava que, por volta dos seis anos, a pergunta iria chegar. Esbocei na cabeça as respostas e também sugestões. Quer um cachorrinho? Um gatinho? Um peixe? Mas não posso reagir com mimos, desculpas ou recompensas.

Nada de compensar a minha culpa com excessos de zelo ou demonstrações de piedade. Na hora “h”, fiquei muda. Mas em seguida respondi que cada família tem seu tamanho. Há umas grandes, outras pequenas. E ponto final.

 * Daniela Kresch, carioca, é jornalista e correspondente da Globonews no Oriente Médio.  

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