Texto: EDIMILSON MONTALTI
Especial para o JU
Fotos: Antoninho Perri
Edição de Imagens: Diana Melo
Pesquisa realizada no Hospital da Mulher Prof. Dr. José Aristodemo Pinotti (Caism) da Unicamp avaliou o perfil, os sintomas psíquicos, o tratamento ambulatorial e as características da agressão de 687 mulheres adultas e adolescentes vítimas de violência sexual atendidas entre os anos de 2006 e 2010.
O trabalho resultou em três artigos científicos – um publicado em maio deste ano e dois recém-encaminhados para publicação internacional – e na dissertação de mestrado “Características sociodemográficas e sintomas psíquicos de mulheres vítimas de violência sexual”, defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.
A pesquisa foi conduzida pela médica psiquiatra Cláudia de Oliveira Facuri. A orientação foi da professora Renata Cruz Soares de Azevedo, do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da FCM Unicamp.
Violência sexual é, segundo a Organização Mundial da Saúde, “qualquer ato sexual ou tentativa de obter ato sexual, investidas ou comentários sexuais indesejáveis, ou tráfico ou qualquer outra forma, contra a sexualidade de uma pessoa usando coerção, por qualquer pessoa, independente de sua relação com a vítima, em qualquer cenário, incluindo, mas não limitado, à casa e ao trabalho”. Dados brasileiros indicam que a mulher é a principal vítima de violência sexual ou estupro. A pena para o agressor é de 6 a 30 anos de reclusão, dependendo da gravidade, idade da vítima e se houver gravidez ou doença sexualmente transmissível decorrente da violência sexual.
De acordo com a literatura médica nacional e internacional, as mulheres vítimas de violência sexual apresentam risco aumentado de hipertensão, dor pélvica crônica, síndrome do intestino irritável, asma, problemas ginecológicos, doenças sexualmente transmissíveis, suicídio, abuso de álcool e outras drogas e vários outros transtornos mentais.
Já a experiência de violência sexual na adolescência pode se apresentar por sinais e sintomas indiretos, tais como: mudanças de comportamento; atitudes sexuais impróprias para a idade; demonstração de conhecimento sobre atividades sexuais superiores à de sua fase de desenvolvimento através de falas, gestos ou atitudes; masturbação frequente e compulsiva; tentativas de desvio para brincadeiras que possibilitem intimidades ou a manipulação genital que reproduz as atitudes do agressor.
PESQUISA
O Caism é um hospital universitário que integra a rede de instituições parceiras do projeto Iluminar Campinas. É referência local e regional para atendimento de mulheres e adolescentes vítimas de violência sexual e assistência à gestação decorrente dessa agressão. O atendimento é gratuito e funciona 24 horas, todos os dias do ano.
As informações para a pesquisa foram obtidas das fichas clínicas que compõem o prontuário das pacientes. Os dados obedecem a uma sequência de avaliações feitas por uma equipe multidisciplinar composta por enfermeiros, ginecologistas, assistentes sociais, psicólogos e psiquiatras que atenderam as vítimas de violência sexual.
De acordo com os dados da pesquisa da Unicamp, a idade média das mulheres avaliadas foi de 23,7 anos, sendo 47,4% adolescentes. A maioria era da cor branca, solteira, sem filhos, sadia, com escolaridade maior que oito anos e profissionalmente ativa: 41,6% estavam empregadas e 39,4% eram estudantes. Quanto à religião, 84,9% tinham religião e 74,7%, prática religiosa, sendo que 52,6% delas eram católicas e 40,7%, evangélicas.
Segundo depoimento das vítimas, a agressão ocorreu principalmente no período noturno, entre 18 horas e 7 horas da manhã, na rua, no percurso do trabalho ou escola, em vias sem ou com pouca iluminação, por um único agressor desconhecido e com intimidação por força física ou porte velado de faca ou arma de fogo.
“As pessoas têm a fantasia de que as mulheres são abordadas na madrugada, na balada, porque estavam se oferecendo. Isso não é verdade. Elas são abordadas no período em que escurece ou logo no começo da manhã, no ponto de ônibus, indo ou voltando do trabalho ou da escola”, disse a psiquiatra Cláudia de Oliveira Facuri, que é formada pela Unicamp.
Conforme dados da pesquisa, a violência sexual deu-se por meio de coito vaginal. Um quarto das mulheres era virgem até a ocorrência da violência sexual, 16,2% apresentavam antecedente pessoal e 9,6%, antecedente familiar de violência sexual.
Após a violência sexual, mais da metade das mulheres apresentou alterações de sono; 51,8% apresentaram sintomas depressivos e 48,5% apresentaram ansiedade. Ainda de acordo com os dados da pesquisa, 46,5% das mulheres sentiram vergonha após o trauma e 20,8% se sentiram culpadas. Cerca de 1/3 delas se isolou, 32,9% evitaram contatos sociais e 28,8% alteraram suas rotinas diárias. Outro dado apontado pela pesquisa foi com relação ao comportamento suicida. Após serem violentadas, 18,8% das mulheres relataram que pensaram em cometer suicídio, 6,5% afirmaram que planejaram e 1,7% tentou se matar.
Os principais temores relativos ao trauma apontados pela pesquisa foram: repetição da violência sexual para 25,8% das mulheres, medo de contrair doenças sexualmente transmissíveis para 24,3% e medo de gestação para 10,8% delas.
“Elas vivem com temor da repetição da violência sexual. Muitas das agressões acontecem durante assalto e eles ameaçam voltar. A fala dos agressores é muito parecida. Embora raramente isso aconteça, ela acredita estar refém dessa pessoa para sempre. Quando sabem que o agressor está preso, a sensação de segurança aumenta muito”, disse a professora e psiquiatra Renata Cruz Soares de Azevedo.
Ainda segunda a pesquisa, mais da metade das mulheres realizou Boletim de Ocorrência (BO) e contou a alguém sobre a violência, geralmente pais, marido ou familiar. Ao longo do período estudado, houve redução na realização de BO pelas vítimas e aumento na procura precoce de atendimento: 65,3% delas procuraram o atendimento de emergência do Caism em até 24 horas e 87,6% procuraram o mesmo serviço até 72 horas.
“O primeiro atendimento é crucial do ponto de vista médico. Se não iniciarmos o coquetel antirretroviral do HIV, antibióticos, vacina para hepatite B e anticoncepcional de emergência nos primeiros dias, preferencialmente nas primeiras 24 a 48 horas, as chances de prevenção se reduzem drasticamente”, disse Renata.
Segundo as psiquiatras da Unicamp, após o atendimento de emergência, o tratamento ambulatorial por seis meses é essencial para seguimento sorológico e psicológico destas vítimas e possibilita a identificação e intervenção precoce no que for necessário.
Cerca de um terço da amostra, particularmente as adolescentes, não desenvolveu sintomas psíquicos relacionados com o trauma. As adolescentes, quando comparadas com as mulheres adultas, foram mais agredidas por pessoas conhecidas e com uso de ameaça verbal.
Mulheres que aderiram ao tratamento ambulatorial dividiram com mais frequência sobre a agressão, principalmente com a família, em especial os pais, marido ou amigos e se sentiram apoiadas, além de terem acesso ao acompanhamento multiprofissional oferecido ambulatorialmente.
“Em famílias cuja mãe ou irmãs também foram vítimas de violência sexual, os sintomas pioram. Ocorre uma segunda vitimização dentro do ambiente familiar. Já tivemos que tratar de famílias inteiras, inclusive maridos ou parceiros que se angustiam e não sabem como lidar com a situação. Entretanto, quanto maior o apoio do grupo social, melhor a evolução”, revelou Cláudia.
Segundo as psiquiatras da Unicamp, os serviços públicos de saúde devem estar preparados para atender as mulheres vítimas de violência sexual. Cerca de 74% das mulheres entrevistadas relataram que nunca foram perguntadas se sofreram violência na vida. Mesmo o Caism sendo um serviço de referência na região, um terço das mulheres não volta após o primeiro atendimento, de acordo com os dados da pesquisa.
“As mulheres vítimas de violência sexual estão envergonhadas e fragilizadas. Perder o tabu de perguntar e ouvir com respeito, sem julgamento moral, o que essas mulheres querem contar pode fazer toda a diferença no tratamento. Os dados da pesquisa são a ponta do iceberg de um problema de saúde pública”, disse Cláudia.
Publicações
Artigos
Cláudia de Oliveira Facuri, Arlete Maria dos Santos Fernandes, Karina Diniz Oliveira, Tiago dos Santos Andrade, Renata Cruz Soares de Azevedo. Violência Sexual: Estudo Descritivo sobre as Vítimas e o Atendimento em Serviço Universitário de Referência no Estado de São Paulo, Brasil.
Cadernos de Saúde Pública, maio, 2013. Cláudia de Oliveira Facuri, Arlete Maria dos Santos Fernandes, Renata Cruz Soares de Azevedo. Psychiatric evaluation of women victims of sexual violence assisted at a referral university centre in São Paulo, Brazil. Submeted to International Jornal of Gynecology and Obstetrics.
Cláudia de Oliveira Facuri, Arlete Maria dos Santos Fernandes, Renata Cruz Soares de Azevedo. Sexual violence: a comparison between adolescents and adults assisted at a Brazilian university center. Submited to Journal of Interpersonal Violence.
Dissertação: Características sociodemográficas e sintomas psíquicos de mulheres vítimas de violência sexual
Autora: Cláudia de Oliveira Facuri
Orientadora: Renata Cruz Soares de Azevedo
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)
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